terça-feira, 11 de maio de 2010

Porqué no te callas?

Vi dez minutos da entrevista do Choramingos Paciência à Sport TV – se deus quiser a última durante muito tempo. A certa altura, o entrevistador, muito encavacado, perguntava-lhe, a propósito do jogo que o Benfica adiou com o Sporting, se ele não teria feito o mesmo.
O Choramingos, que continuava confortavelmente a lavrar naquela sanha calimérica que adoptou desde o início da época, pareceu algo surpreendido. Afinal, que desplante era aquele de o confrontar com a sua choraminguice em plena televisão e em directo, sem lhe dar tempo para pensar numa argumentação decente. Ele disse que sim, que faria o mesmo, e lá acabou por ter de admitir que o que o Benfica tinha feito não tinha nada de mal.

Foi um momento engraçado, que não seria possível se alguém lhe tivesse feito a mesma pergunta mais cedo – por exemplo, nas conferências de imprensa episcopais de Braga, em que os jornalistas destacados, geralmente os mesmos que cobrem a área das Antas, levavam as perguntas bem alinhavadas (como é costume) para servir a política de comunicação papal.
Desde o início da época, o Choramingos queixou-se todas as semanas – todas as semanas! – de alguma coisa, se bem que alguns momentos servissem de âncora para as semanas seguintes. Por exemplo:

1 - No início dos treinos queixou-se de ter jogadores com lesões musculares como desculpa para falhar na Liga Europa. Não referiu que, na época anterior, o plantel teve de ser esmifrado para poder jogar duas vezes por semana, no campeonato e na Liga Europa, onde o Braga chegou aos quartos-de-final. Esta queixa tinha dois propósitos: responsabilizar Jorge Jesus pela previsível eliminação na Liga Europa (como aconteceu) e atacar Jorge Jesus, recém-contratado treinador do Benfica, que urgia descredibilizar. Choramingos foi a voz dos donos.

2 - Com o jogo de Braga, contra o Benfica, em que venceu, chegou o famoso caso Vandinho. O caso Vandinho, recorde-se, começou com Di Maria a pontapear uma bola, ao intervalo, na direcção do banco do Braga. Aquele gesto era de frustração por dois motivos: primeiro porque o Braga estava a ganhar e a jogar melhor que o Benfica; depois porque, nessa altura, já se percebia perfeitamente que o Braga era uma espécie de Porto B, uma milícia aparelhada e orquestrada por Pinto da Costa, desde o presidente aos jogadores emprestados, passando pelo treinador, que em campo jogava com o mesmo ódio que revelava nos jornais.
Nesse jogo houve três castigos a jogadores:
-pelo Benfica, Cardozo, já então o melhor marcador do campeonato, que levou dois estalos na cara, pelas costas, à entrada do túnel, sendo expulso e suspendido por dois jogos;
- pelo Braga, Mossoró, Nei e Vandinho. Este foi suspendido por três meses por tentar agredir um treinador-adjunto do Benfica.
Como Vandinho era titular do Braga, a teoria que Choramingos passou a explorar até ao fim da época foi a de que o Conselho de Disciplina da Liga, a mando do Benfica, o tinha suspendido discricionariamente para prejudicar o Braga. A hipótese de esse castigo beneficiar tão ou mais o Porto (então terceiro) que o Benfica nunca foi aventada por Choramingos.
Da mesma forma, quando o castigo a Hulk foi cortado, numa mera afronta juridicamente infundamentada por parte do CJ da Federação ao CD da Liga, o castigo a Vandinho manteve-se. Nunca, até hoje, se ouviu Choramingos ou alguém do Braga a comentar a decisão do CJ, que confirmou a do “odiado” CD. Nunca comentou, nem poderia comentar, também por uma de duas razões: ou o castigo de Vandinho era justo, e isso significaria que o Braga teria (segundo a argumentação dos seus responsáveis) perdido o campeonato por culpa de Vandinho e não por maquinações do sistema; ou o levantamento do castigo ao Hulk era errado, o que significaria que o álibi utilizado pelo Porto para não reconhecer ao Benfica mérito na conquista do campeonato era uma fraude – e isto Choramingos só poderia admitir se não estivesse a pensar, como está, enquanto treinador não do Braga mas do Porto emprestado ao Braga. A sua lealdade é com o Porto, e o campeonato que pretendeu ganhar era não do Braga mas contra o Benfica. Só acredita na total legitimidade da goleada do Porto ao Braga nas Antas (nesse jogo, fundamental para a época do Porto não acabar logo ali, a dois meses do fim, o Braga sofreu um terço do total de golos no campeonato) quem nasceu com asinhas nas costas.
Curiosamente, o segundo caso é que é verdadeiro: apesar de absurdo, o castigo a Hulk é que era o correcto e não deveria, segundo a lei do campeonato, assinada por todos os clubes, ter sido levantado. Tal como o Pedro Henriques resumiu muito bem após o jogo do Benfica com o Rio Ave, quando os clubes ganham está tudo bem, quando perde queixam-se das leis que eles próprios fizeram.

3 – Quando o Benfica antecipou o jogo com o União de Leiria para poder ter uma semana se treinos entre os dois jogos com o Hertha para a Liga Europa o Choramingos queixou-se de que o Benfica estava a fazer truques para poder passar para o primeiro lugar da Liga. Ficaremos sempre sem saber o que diria o Choramingos se o Benfica, em vez de ganhado, tivesse empatado ou perdido esse jogo – o que seria igualmente possível, obviamente.
Por outro lado, nunca ouvimos o Choramingos queixar-se por jogar mais de metade dos seus jogos um ou dois dias antes do Benfica. Provavelmente porque teria de utilizar um argumento que é óbvio: a pressão não vem da data, vem da vitória, e no fim do campeonato as equipas fazem todas o mesmo número de jogos.
Quando o Sporting aceitou adiar o jogo com o Benfica após o jogo com o Marselha o Choramingos queixou-se do Sporting e insinuou que era concorrência desleal, porque as taças europeias fazem parte do calendário. Esqueceu-se de mencionar – o que só aconteceu agora, novamente por causa do atrevido entrevistador da Sport TV – se o facto de haver uma equipa a disputar apenas uma competição a lutar contra outra que tenta ganhar três, sendo uma delas em competição com algumas das boas equipas europeias, não era muito favorável à primeira. É claro que teve de admitir que sim.

4 – Na Luz, assim que sofreu o golo do Luisão, começou a apontar para o relógio. Depois do jogo explicou que o golo do Benfica tinha sido marcado seis segundos – seis segundos!!! – depois da hora. Convém dizer que o golo nasce na sequência de dois cantos consecutivos a favor do Benfica. Para começar, cada canto demora dez segundos a marcar. Depois, o que diria o Choramingos se o árbitro mandasse parar o jogo seis segundos depois da hora antes de o Braga marcar um canto. Obviamente, que era para prejudicar o Braga. Se fosse ao contrário diria, provavelmente, o que disse depois de o mesmo Luisão ter visto um golo ser mal invalidado no jogo de Braga, com o resultado em 0-1: nada. Ou então o óbvio: que era futebol.

5 – Agora que o campeonato acabou Choramingos recorda que a luta foi desigual, não só por causa das maquinações anteriormente referidas como porque o Benfica tem muito mais dinheiro do que o Braga (algo de que Choramingos nunca se lembrou quando jogou no Porto, que não ganhou os seus campeonatos propriamente por ser um clube pequeno e sem influência sobre a arbitragem e conselhos afins) e porque jogou um terço do campeonato contra dez jogadores.
Neste último caso, que vem a propósito da expulsão de um jogador do Rio Ave aos dez minutos por dar um pontapé nos tomates do Ramires, Choramingos nunca irá admitir uma evidência: que é muito mais provável uma equipa provocar amarelos, vermelho, livres e penáltis quando joga deliberadamente para a frente e em progressão com a bola, como foi o caso do Benfica, com Di Maria, Aimar, Saviola, Coentrão, Carlos Martins, etc, do que quando se joga com quatro defesas, três trincos e dois médios-ofensivos, à espera de que o adversário se canse para começar a atacar, e com o seu melhor jogador (Alan) a passar o tempo todo a jogar com o cu encostado ao defesa e virado para a sua própria baliza.

Acima de tudo, e seja pelo que for, Choramingos chora. A teoria de que o Braga é o verdadeiro campeão é a mais fiel representação da figura que os jornalistas, analistas e desportistas tanto desprezam quando se perde mas que não conseguem deixar de louvar no dia-a-dia assim que alguém consegue fazer qualquer coisinha apenas acima da média: a do campeão moral.
A vitória moral de Choramingos será efémera, obviamente, e tenho muita pena que ele não vá para o Porto, mas se alguém pensa que o Pinto da Costa embarca num tipo cujo grande talento é fazer beicinho só porque nasceu em Leça da Palmeira e marcou uns golos pelo Porto é porque, realmente, ainda não entendeu a natureza do animal.
Com este discurso da treta, no Porto, Choramingos passaria um ano a levar no focinho e, no final da época, seria trucidado para dar lugar ao próximo. Seria uma espécie de Couceiro, ou de Carvalhal no Sporting.
Infelizmente não vai acontecer.
Mas há uma questão que o jornalista da Sport TV poderia ter colocado ao Choramingos: a de se, considerando que ele é uma grande promessa do futebol português, é suposto esperarmos que um dia venhamos a ter mais um seleccionador nacional a queixar-se de que a bola está vazia, de que as linhas estão tortas ou de que a malha das camisolas provoca prurido cutâneo aos jogadores.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Choramingos, paciência

Em qualquer país do mundo com uma cultura vencedora o treinador do Braga seria ridicularizado numa base diária. Seriam lavrados textos humorísticos com o Choramingos a lamentar-se de tudo o que mexesse - dos árbitros, dos horários dos jogos, da relva, do tempo, dos castigos, das lesões, das vendas, das compras, dos treinadores anteriores. Seriam feitas caricaturas em que se ampliariam os seus olhos lacrimejantes antes, durante e após os jogos (sempre que lhe aparece uma câmara à frente), o seu beiço inferior eternamente lamurioso, pingando baba e ranho; a sua fisionomia de desgraçadinho, que o acompanha desde que cavava penáltis a eito nos gloriosos tempos de Carlos Alberto Silva, de Adriano Pinto e do Guarda Abel, juntamente com o seu colega Kostadinov (ainda me lembro das suas belas cabeleiras à Futre atirando-se para trás assim que se aproximavam da área, e da certeza científica com que chegavam os apitos dos Calheiros, dos Soares Dias, Dos Fortunatos Azevedos, dos Guímaros, dos Silvanos nos momentos apropriados).

Em qualquer país do mundo em que o Calimero fosse uma figura satírica, e não um modelo humano como é aqui, Choramingos Paciência (Paciência, por Deus!) seria massacrado. Em Portugal é um mestre da psicologia. E porquê?

Porque pegou numa equipa que cronicamente fica entre os quatro primeiros do campeonato, uma equipa construída de raiz pelo actual director-desportivo e pelo anterior treinador, e, jogando uma vez por semana (quando não por quinze dias ou por três semanas), depois de ter sido precocemente eliminado da Liga Europa, da Taça de Portugal e da Taça da Liga, a levou ao segundo lugar num campeonato tão fraco que permitiu, por exemplo, que os três primeiros tenham acumulado mais pontos, em conjunto, que em qualquer outro nos últimos vinte anos, que o campeão, tendo uma equipa a jogar apenas acima da média, apenas tenha perdido dois jogos e empatado quatro ou cinco e que o quarto classificado, um histórico terceiro candidato ao título, acabe a trinta pontos do primeiro.

O grande feito de Domingos foi ter feito de uma equipa no ponto máximo de maturação segundo classificado no campeonato. Fê-lo recorrendo a um estilo de jogo igual à do pior Porto dos últimos vinte anos, o de Carlos Alberto Silva, precisamente aquele em que ele foi mais importante - um estilo cínico, ultra-defensivo, que joga quase tudo no desgaste do adversário, muito à imagem do Boavista campeão de Jaime Pacheco que, além desse campeonato martelado no gabinete do Major Valentão, só trouxe miséria quer ao clube quer ao futebol português. É o mesmo discurso miserabilista, a mesma filosofia trauliteira, a mesma piedade provinciana.
Tal como esse título - que, segundo os entendidos, seria fantástico para o futebol português - também esta campanha "de Campeões" do Braga será, na verdade, irrisória. Tal como esse título, ela foi sustentada num futebol negativo e numa abordagem terrorista do jogo e do campeonato, recorrendo a esquemas mentais antigos para inventar fantasmas e munições onde eles não existiam.

Tal como o Boavistão, o Braguinha voltará rapidamente à mediania, senão mesmo à mediocridade, porque, ao contrário de Benfica, Porto e Sporting, que se impuseram à história e se tornaram grandes não por jogarem contra alguma coisa mas por ambicionarem mais e oferecerem às pessoas sonhos de grandeza pura, o Braga não promete nada. O seu futebol é fraco, os fantasmas desaparecem e a sua base social não vai resistir ao baque. Há em Braga mais benfiquistas que braguistas - este termo, aliás, nem sequer existe.
Acho muito mais provável que o Vitória de Guimarães sobreviva ao Braga, por exemplo, que o inverso. O Braga está a um ou dois anos maus de voltar ao meio da tabela, e aposto o que for preciso que nunca será campeão nacional - ou pelo menos nos próximos trinta anos.

O famoso castigo ao Vandinho (no mesmo jogo em que o Cardozo foi suspenso por levar duas chapadas na cara) foi a melhor coisa que aconteceu ao Braga esta época. É altamente duvidoso que o Braga tivesse feito melhores resultados com Vandinho do que os que fez sem Vandinho. Pelo contrário, esse castigo foi cavalgado durante meses a fio pelo Choramingos, o que, juntamente com a ausência de jogos europeus, lhe permitiu evitar que os seus jogadores se distraíssem. Nem o Vandinho, de certeza, sabia que era tão bom jogador e tão importante para o Braga como o Choramingos o fez. E é preciso não esquecer que o Vandinho - o Vandinho... - é um trinco, e que só é tão importante para o "esquema" porque o Braga é uma equipa de trincos, e de meios-avançados, e de médios-laterais recuados, e de defesa e contra-ataque, que marcou menos trinta golos que o primeiro, menos vinte que o segundo e que ganhou sete jogos por 1-0 (21 pontos com sete golos em sete jogos).

O que vai acontecer na próxima época é o seguinte:
- O Braga vai começar a época mais cedo para jogar as duas eliminatórias da Liga dos Campeões. Vai falhar o apuramento porque vai apanhar uma equipa francesa, inglesa, espanhola ou alemã na segunda e vai jogar para a Liga Europa;
- a Liga Europa é pior do que a Liga dos Campeões porque dá o mesmo trabalho e muito menos proveito. Em Fevereiro o Braga já leva mais tempo de trabalho nas pernas que nesta época e, porque o Natal não é quando o homem quer, anda a jogar para o quarto lugar com o Guimarães, com o Marítimo e com mais um ou outro que apareça. Basta o Sporting ter uma época mais normal - que vai ter - para o Braga desaparecer do pódio;
- O Choramingos, sem os mesmos resultados, vai andar a chorar para o boneco. Não só ninguém lhe vai ligar nenhuma como se vai tornar mais evidente que ele é, não diria uma fraude, mas uma aproximação. Não vai parecer diferente de um Vítor Pontes, de um Manuel Machado, de um Paulo Sérgio, e vai parecer muito diferente de um Mourinho ou de um Jesus.

Há um cenário que eu adoraria que fosse diferente, mas que infelizmente não vai ser: um em que o Choramingos fosse para treinador do Porto. Seria fantástico. Um treinador derrotista num clube em quebra seria o melhor que poderia acontecer aos outros, ainda por cima um homem da casa, que atirasse aquela gente toda uma contra a outra.
Mas o Pinto da Costa não vai nisso. Não vai ser nem o Domingos, nem o Jorge Costa, nem o Vilas-Boas. Continuo a dizer, como já disse há mais de um ano, que o próximo treinador do Porto vai ser o Carlos Queirós. Aliás, todas estas cortinas de fumo que vão sendo lançadas servem apenas para dar tempo a Queirós de despachar o Mundial. Portugal fica-se, na melhor hipótese, pelos quartos-de-final, logo no princípio de Julho, e a época do Porto só começa quase um mês depois.

O cenário mais provável será este: Carlos Queirós como treinador principal e Jorge Costa como primeiro adjunto. O cenário hipotético será o de um treinador estrangeiro muito experiente com Jorge Costa como adjunto. Alguém do nível de Eriksson, Hiddink ou semelhante. O Porto vai gastar dinheiro a sério, em treinadores e jogadores. A hipótese de um segundo título consecutivo para o Benfica é real.

O terceiro cenário, que não refuto, é a contratação de Jorge Jesus ao Benfica pela cláusula de rescisão.