sábado, 27 de junho de 2009

Uma verdadeira Liga (III)

Não há muita coisa que não se consiga aprender com a História.

Em 1919 o basebol era o grande desporto americano. Já se competia profissionalmente há décadas e nele se movimentavam grandes somas de dinheiro. Mas isso atraía igualmente o lado mais obscuro do desporto, neste caso a manipulação de resultados por correctores de apostas.

Na final do campeonato desse ano, a melhor equipa do país, os Chicago White Sox, partiu como favorita frente aos Cincinnati Reds, com uma probabilidade de vitória de 5 para 1. Aproveitando o facto dos jogadores dos White Sox serem mal pagos pelo dono da equipa, um bookie conseguiu convencer oito deles a perderem de propósito, arrecadando, dessa forma uma fortuna com a vitória dos Reds.

O desempenho incompreensível dos jogadores na final, a súbita mudança de volumes de apostas a favor dos Reds (à medida que os rumores sobre um arranjinho subiam nos bastidores), o próprio resultado da final (os Reds foram campeões) e a forma relativamente despudorada como se falava, entre os jogadores da liga, sobre o negócio, levaram a que, durante o ano seguinte, o caso chegasse a público, desmascarado por jornalistas.

O escândalo foi colossal e chocou a nação, incrédula. Ficou conhecido como o escândalo dos Black Sox. Atingiu tal dimensão que os proprietários das equipas temeram pela sobrevivência do jogo e pela falência do negócio, e viram-se forçados a tomar medidas radicais. Tão importante como limpar o basebol era mostrar ao público que ele estava a ser limpo, e, naquele ponto, isso só podia ser conseguido de uma forma: entregando o seu policiamento a alguém com uma honra acima de qualquer suspeita.

Foi assim que surgiu, pela primeira vez no desporto americano, a figura do Comissário, um mandatário plenipotenciário eleito pelas próprias equipas mas com autoridade para executar todas e quaisquer acções que achasse necessárias para a regeneração do basebol. O eleito foi o juiz Kenesaw Mountain Landis, que poucos meses após tomar posse tomou a sua primeira grande decisão, banindo para o resto da vida do basebol profissional oito jogadores dos Chicago White Sox. Fê-lo mesmo após eles terem sido ilibados pelos tribunais civis por falta de provas, e explicou porquê: "Nenhuma pessoa que tome parte no arranjo do resultado de um jogo jamais voltará a jogar basebol nesta liga".

Os donos das equipas esperavam que, depois de eliminado o espectro das apostas ilegais, Landis assumisse um comportamento mais discreto. Enganaram-se. O comissário reinou sobre o basebol durante 25 anos mais, intervindo como quis sobre todos os assuntos que julgava relevantes para a imagem e a qualidade do basebol, e punindo sempre que achava necessário tanto as superestrelas como os donos das equipas - que lhe pagavam o salário, entenda-se.
No fim, Kenesaw Mountian Landis tinha definido o modelo da figura tutelar no desporto americano. Desde então, todas as ligas profissionais adoptaram a figura do Comissário, e foi sustentadas nessa hierarquia semi-ditatorial que têm ultrapassado, com bastante eficácia, os problemas que se colocam a cada desporto. Às vezes os Comissários não prestam, mas quando isso acontece não se muda de sistema, muda-se de Comissário ou mudam-se as leis - alterações supervisionadas pelo Comissário...

Ora, é precisamente neste ponto de degradação que se encontra o futebol português.

O nosso futebol tem uma particularidade que o distingue dos outros dentro da zona desenvolvida: todo o poder está centrado em três clubes. Uma característica a que eu chamo de trissomia - sim, o que eu quer dizer é precisamente isso - que leva a que todos os organismos futebolísticos estejam corrompidos por essa deficiência genética.

Em nenhum outro país isso acontece, mesmo naqueles em que existem clubes dominadores. Por exemplo, em Espanha, onde há dois clubes maiores que os outros, a importância regional e demográfica de emblemas menores, como o Atlético de Madrid, o Valência, o Sevilha, o Athletic Bilbao, o Deportivo e outros torna impossível que todo o poder seja condicionado por Real Madrid e Barcelona.

Em França já 17 equipas foram campeãs, sendo que o clube mais vezes vencedor, o Saint Ettiénne, já não o é há vinte e oito anos.
Em Itália, outras 17.
Na Alemanha, 18 (incluindo os da antiga República Democrática Alemã).
Na Inglaterra, 24.

Em qualquer um destes países, mesmo nos mais problemáticos - Espanha e Itália - qualquer manobra que pressuponha um atentado à igualdade formal de todas as equipas de primeira categoria é repudiada. É fácil, nestes casos (sobretudo nos do Norte europeu, onde se incluem os franceses), ser democrático, e funcionar num sistema colegial. A pressão da opinião pública, quando não o próprio pudor, impedem que os melhores sejam explicitamente favorecidos por quem escreve as regras.

Em Portugal, pelo contrário, só há três coisas que interessam: o Benfica, o Porto e o Sporting. E, entre essas três, só uma realmente conta: qual deles ganha.
Essa realidade obscurece todas as outras, incluindo a da legitimidade desportiva.

Como só há três tipos de adeptos (o benfiquista, o portista e o sportinguista), e como cada qual desconfia visceralmente do seu semelhante, parte-se do princípio que quem manda está vinculado a um (ou dois) dos três cromossomas, e que o seu único objectivo é manobrar o poder de forma a beneficiar esses clubes. Quando a balança do poder muda, mudam os escrúpulos mas não os métodos. É a mesma conversa, mas de trás para a frente e assim sucessivamente.
Dessa desconfiança (natural) resultam todos os restantes pecados - a manipulação da arbitragem, os esquemas que envolvem favores a jogadores, clubes e dirigentes, os castigos disciplinares, enfim, todas as formas de corrupção que se conhecem, e que ficam, afinal, legitimadas por uma justiça que é, simultaneamente (por mais ambíguo que isso possa parecer), enviesada mas certeira e incontestável: a de que uns se limitam a fazer aos outros aquilo que já lhes fizeram, porque agora podem e antes não podiam.

Assim se legitima a desonestidade, assumindo que pior do que sermos todos defraudados é só alguns de nós serem defraudados em benefício de outros. Ou comem todos ou não há moral.

A única forma de acabar com esta guerra civil é fazer o que fez o basebol americano: entregar todo o poder nas mãos de um ditador, chame-se ele comissário, cônsul ou presidente. O que ele tem de ter é poder ilimitado. Para castigar, reformular, decretar, legislar, para fazer o que achar melhor.

Se esse indivíduo, auxiliado por uma equipa pequena e especializada escolhida por ele, tiver um mandato de oito anos, e (sobretudo) se for escolhido por unanimidade por todos os clubes, conseguem-se as condições básicas para uma competição limpa, logo à partida porque nenhum dos três clubes grandes (os únicos que interessam, recorde-se) tem motivos para acreditar que será prejudicado, nem legitimidade para clamar contra a batota. Se isso acontecesse, aliás, o comissário teria a possibilidade de, arbitrariamente, castigar esse clube em vinte ou trinta por cento do seu orçamento anual - que é o que se deveria fazer sempre que um clube insinua que as regras estão a ser manipuladas, porque é isso que destrói, realmente, o futebol.

O que destrói o futebol não são os erros ou os acidentes: é a ideia que passa que os erros e os acidentes não são casuais mas premeditados. Essa ideia está de tal forma embutida no espírito das pessoas que estas já nem percebem que quando dizem "não nos deixaram ganhar" ou "tiraram-nos os três pontos" estão, na verdade, a dizer que os erros não foram erros mas atentados, e a atribuir intenção, premeditação. Sendo que o "alguém", obviamente, é o árbitro, e que o mandou lá para roubar.

A única coisa fundamental para salvar o futebol português é acabar com essa desconfiança.

A criação de um cargo que tivesse poderes para fazer o que entendesse necessário para isso, entregando a uma pessoa aquilo que deve ter rosto, personalidade e autoridade, e não a uma assembleia, ou a uma qualquer entidade impessoal, em que é fácil assacar responsabilidades porque ninguém realmente decide porque ninguém se empenha pessoalmente, é o passo fundamental para a credibilização do futebol.

Esse comissário exerceria funções durante oito anos, após os quais (e só então, sob pena de se lhe pagar uma indemnização insuportável para os clubes) o seu desempenho seria avaliado pelos clubes, escolhendo-se então outro, ou ficando com o mesmo - novamente, dependendo da unanimidade. O próprio comissário escolheria a sua equipa, para o aconselharem relativamente à disciplina, à melhoria do jogo, à parte económica, etc.

Seria difícil que o comissário escolhido fosse português, apesar de ser o ideal. Saberia do que estava a tratar. Por outro lado, um comissário estrangeiro, contratado pela Liga, garantiria outro nível de afastamento, que também seria importante.

Acima de tudo, uma mudança de paradigma proporcionaria aos clubes aquilo que é fundamental, e que separaria imediatamente o trigo do joio: a possibilidade de começar de novo, deixando que o passado aí ficasse, com os seus orgulhos e pecados. Quem não quisesse, à partida, jogar com as mesmas regras seria, naturalmente, culpado

sexta-feira, 26 de junho de 2009

"Olha o coelhinho" e... Clic!

As pessoas têm bastante a tendência para desvalorizar os avançados. Um avançado está em permanente desvantagem em relação ao jogo.
Primeiro, tem desvantagem numérica. Na verdade, toda a estratégia ofensiva de uma equipa - a conjugação de acções de onze elementos, com oposição permanente, note-se - se resume a colocar os avançados em, pelo menos, igualdade numérica com os defesas.
Depois, tem uma desvantagem técnica evidente. Enquanto o avançado deve manter, tanto quanto possível o controlo da bola, porque geralmente só assim se consegue marcar golo, ao defesa basta evitar que o avançado controle a bola, o que é relativamente fácil pois basta um toque, um encosto, quando não apenas um passo em frente.
Isto porque o avançado também tem a desvantagem posicional. Não só enfrenta um adversário que tem o privilégio de ver a bola em todos os momentos como o espaço que tem para se movimentar é limitado, devido à lei do fora-de-jogo. Esta obriga a que, a cada jogada, o ataque consiga suplantar uma desvantagem territorial inicial, pois é a defesa que delimita a área jogável.

Um avançado tem menos tempo, menos espaço e menos bola que os restantes jogadores, e deles depende, em última análise, o sucesso da equipa.

Qualquer avançado que tenha tido conhecimento do montante que o Milan iria pagar por um defesa-esquerdo que só sabe correr ao lado de uma linha (15+x milhões de euros) tem legitimidade para se sentir insultado se o seu clube não pedir pelo menos o dobro pelo seu passe.
Um avançado deve ser mais valioso e mais bem pago do que um defesa pela mesma razão que um neurocirurgião deve ser mais bem pago que um dermatologista: porque, sendo ambos necessários, um (por ter estimado mais ou por ter mais talento) é, simplesmente, melhor que o outro.
Ver um defesa, qualquer defesa que não seja Baresi, filho de Baresi ou sobrinho de Baresi, ser comprado por mais de vinte milhões de euros, é um absurdo. Incluindo o Pepe, o Ricardo Carvalho, o Bruno Alves, o Luisão ou seja quem for.
Se um Cissokho vale 15 milhões, se um Bruno Alves vale 20, então peço desculpa mas um Cristiano Ronaldo ou um Messi valem, pelo menos, 150 milhões.

Encontro várias razões para um jogador se tornar avançado.
Há quem se torne avançado pela agressividade natural. A codícia. A fome de golo. São jogadores que, antes de pensarem, já estão a perseguir a baliza, mesmo não sendo muito bons tecnicamente. Há alguns casos evidentes. Lisandro López ou Derlei, por exemplo, em Portugal. David Villa. São o tipo de jogador que raramente marca um golo sem que a bola bata antes em alguém, parece sempre que vai aos repelões, que ele falhou o chuto, mas que, por tanto o perseguir, e de maneiras às vezes tão ansiosa, de vez em quando faz golos fenomenais, inacreditáveis. Estes são jogadores que vivem, sobretudo, à base da confiança, da moral, e que, quando acreditam que isso faz sentido, podem fazer cinquenta sprints por jogo, até caírem para o lado.

Depois, há quem seja avançado ou por ter uma técnica superior ou porque fisicamente tem características de avançado. Quando se juntam as duas virtudes aparecem os fenómenos. Ronaldo, por exemplo, é um velocista. Com o seu corpo só poderia ser avançado, e é tão bom tecnicamente que joga em qualquer posição do ataque.
Drogba, Eto'o, Ronaldo, por exemplo, são espécimes físicos avassaladores. Na sua melhor forma a sua capacidade física, só por si, não só eliminam a desvantagem em relação aos defesas como os colocam a eles a correr atrás do prejuízo.

Mas geralmente um avançado não reúne as duas vertentes de forma tão exuberante.
Cardozo só podia ser avançado. Fisicamente é relativamente fraco, tacticamente também, mas tecnicamente tem um bom remate - que é o gesto técnico mais difícil do futebol. Sem ele não seria futebolista.
Di Maria é uma espécie de Cristiano Ronaldo, só que mais fraco e pior tecnicamente. Fisicamente, jogando atrás do meio-campo seria um desastre.
Hulk é um avançado físico, apesar de poder vir a ser um dos melhores do mundo, tão bom quanto Eto'o ou Drogba. Mas ainda não. Tem, sobretudo, o corpo.
Messi é cento e cinquenta por cento técnica. Transborda técnica. É técnica a mais para um jogo só, sobretudo no drible, não tanto no passe ou no remate. Quando decair de forma (a parte física sustenta todo o jogador), vai parecer muito pior do que é, mas mesmo assim...

E depois há um terceiro tipo de jogador que tem de ser avançado, que eu confesso que é o meu preferido. É o jogador inteligente.
Estamos aqui a falar de inteligência futebolística - toda a componente do jogo que é intuída ou raciocinada.
São os jogadores que estão à frente do movimento do jogo. Jogam um ou dois momentos em antecipação aos adversários e, dessa forma, parecem criar espaços, inventar desmarcações, encontrar o jogador que ninguém tinha visto, às vezes até roubar a bola que se julgava segura pelo defesa, acreditar na jogada que todos julgavam perdida.

Liedson é um desses jogadores. Com aquele corpo só poderia trabalhar como caixa de supermercado, de facto. A sua técnica é boa, mas não mais que a de qualquer brasileiro médio. A bola, contudo, fala com ele, e o campo, para ele, tem a dimensão total, e não apenas o espaço entre linhas defensivas. O golo não se consegue esconder dele. Tem o gesto certo no momento certo, está sempre onde devia estar, não se adianta nem se atrasa. Por isso é, sem dúvida, o melhor jogador do campeonato português na actualidade.

Raul, do Real Madrid, é um desses jogadores. Já ganhou finais da Liga dos Campeões com golos inventados de um aparente nada. Nos tempos modernos descobriu, praticamente sozinho, um novo espaço dentro do campo, até aí inexplorado: a nuca do defesa. Provavelmente nunca houve ninguém a saquear o ângulo morto como ele. E assim, meio marreco, de pernas fininhas, jogo de cabeça apenas razoável e remate idem, se tornou no melhor marcador e num dos cinco maiores jogadores na história do maior clube do mundo.

Javier Saviola é um desses jogadores. Com duas diferenças substanciais em relação a Liedson e Raul, salvem-se as devidas proporções: em primeiro lugar, é melhor que qualquer um deles; em segundo, não teve a sorte na carreira que os outros dois tiveram - o que é fundamental no desempenho de um jogador.

Às vezes basta um treinador. No caso de Saviola foi Van Gaal. Um jogador como Saviola, entenda-se, não se enquadra em filosofias rígidas, como é a da escola holandesa, em que as peças se mexem muito, sim, mas sempre partindo de características específicas dos jogadores em cada posição. Na escola holandesa não há lugar para um avançado como Saviola. Ele nem é um flanqueador poderoso, rasgante e veloz (como Gullit, Stoichkov, Figo, Robben ou Beguiristain, por exemplo), nem um ponta-de-lança típico, capaz de suportar o corpo-a-corpo, de aparecer em potência e de finalizar de cabeça ou em força (Eto'o ou Ronaldo). É um jogador de toque, de espera, de pisar muito campo e controlar o tempo e o momento de soltar a bola, de escolher o passe e não de obedecer ao esquema que transporta a bola entre posições pré-estabelecidas. Não é jogador para receber a bola sempre através de determinado processo, é, antes, jogador de entender, a cada jogada, onde ela vai decidir cair - mas para isso tem de sair do lugar, o que, para os mestres da táctica, é algo de dramático.

Depois de Van Gaal, um destruidor nato de individualidades, o processo de banalização de Saviola (um dos dez melhores jogadores do mundo aos 21 anos, recorde-se) foi progressivo, e atendeu sempre ao padrão do grande-jogador-que-passa-a-suplente-num-colosso-mundial-por-falta-de-estatuto-e-que-por-isso-desaparece.

Há algo que me parece evidente, ainda que possa chocar: em termos de capacidade potencial, Saviola é a melhor contratação na história do Benfica, quer pelos valores, quer pelo momento, quer, e sobretudo isso, pelo talento do jogador. Estamos a falar de um futebolista de 27 anos que, no seu pico de forma, esteve entre os cinco melhores avançados do mundo. Não é um bom rapaz como Suazo, nem um eterno sobrevalorizado, como Aimar: é alguém que já atingiu um nível realmente elevado a nível mundial.

Não sabemos como Saviola vai chegar ao Benfica. Não sabemos se vai chegar irremediavelmente castrado na sua confiança, destruído por três anos quase sem jogar. Não sabemos se vem para o Benfica a pensar, como outros, que vai encontrar um pequeno clube de província sem grande pressão (falta de preparação psicológica que é o principal factor de falhanço nas contratações do clube).
Não sabemos se vem com fome de bola ou saciado com o dinheiro que já ganhou.
Não sabemos se conseguirá reeducar o corpo e a cabeça para ganhar depois de tanto banco. O futebolista é um animal de competição - depois de domesticado, perde o fulgor.

Mas há uma coisa que sei. Se Saviola for no Benfica aquilo que nasceu para ser em qualquer equipa onde jogue - ele e mais dez, e tem de ser mesmo assim para funcionar -; se, mesmo que passe dois ou três meses a recuperar o ritmo, ele chegar a Janeiro a jogar o seu futebol e a pautar o da equipa; se a sua chegada potenciar o valor de outros jogadores fundamentais, como Aimar ou Di Maria; em resumo, se a coisa correr bem, a contratação de Saviola pode ser o momento em que Benfica dá um pontapé no seu destino.

Acho que Patric não vai tirar o lugar a Maxi. Acho que Schaffer só joga até ao Natal. Acho que Ramires vai ter problemas em adaptar-se à Europa e ao violento campeonato português e que sai no fim da época sem nunca ter atingido grande nível, apesar de ter jogado relativamente bem e praticamente sempre como titular. E acho que Saviola, com um treinador inteligente como Jesus, vai revolucionar a equipa do Benfica.

Há uns tempos escrevi que ao actual Benfica o que faltava era um clique, que podia vir de muitas formas - um jogo especial, um jogador que se revela, um golo decisivo, uma ligação entre dois ou três jogadores. Saviola, Saviola mais Aimar, pode ser esse clique.

Também pode ser um falhanço, mas o papel dos dirigentes deve ser apenas um: continuar a dar à equipa possibilidades de ela se revelar. Num momento dramático para o Benfica, vendo falir uma equipa demasiado cara, Rui Costa teve, até agora, o seu melhor momento como dirigente. Um rasgo, vindo do nada. Uma jogada de mestre. Um passe à dez. Um clique?

quinta-feira, 25 de junho de 2009

"Et tu, Adriano?"

Chamem-me maluco, mas consigo visualizar isto:

O telefone de Adriano Galliano acorda logo às sete da manhã de Milão com o hino italiano. É o primeiro-ministro e chefe supremo, Berlusconi. Nem seria preciso o toque fascizóide: só o patrão lhe ligaria às sete da manhã. A tripa de Adriano revolve-se. Lá vem bronca.
- Estou sim?
- Adriano, já estavas acordado?
- Claro, patrão.
- Olha lá, ligaram-me do jornal a perguntar-me sobre um Cissokho... Tu sabes quem é?
- Sei, patrão. É o nosso novo defesa-esquerdo.
- Um defesa-esquerdo? Para o lugar do Maldini?
- Sim, chefe. É um espectáculo. Corre que nem uma besta.
- Pois, pois... Olha lá, disseram-me que íamos pagar 15 milhões por esse tipo. Não é verdade, pois não?
Adriano começa a suar, e não é por causa do pijama de flanela.
- São 15, mais algum se a coisa correr bem.
- Isso quer dizer o quê?
- Bom, se ganharmos o campeonato, e a Liga dos Campeões, pagamos mais qualquer coisa...
- Pagamos mais o quê? - cicia Berlusconi.
- Pode ser mais dez milhões, chefe.
Há um silêncio. Adriano consegue visualizar o chefe a ficar vermelho do outro lado, como um balão a inchar, e percebe que não se vai safar.
- MAS TU ESTÁS DOIDO? - grita Berlusconi. - Tu enlouqueceste? Então eu vendo o melhor jogador do mundo por 60 milhões de euros porque estamos à rasca de dinheiro, arrisco-me a ser apedrejado na via pública, desfaço-me de um tipo que era meia-equipa, e tu dizes-me que posso ter de pagar metade do que recebi num defesa-esquerdo que nunca deu um pontapé numa bola? Mas tu estás bom da cabeça, ou quê?
- Presidente...
- Ó pá, tenho a canalha toda a morder-me os calcanhares, mal consigo aguentar esta história das mulas lá na casa da Sardenha, a minha mulher quer sair de casa e ficar com metade da massa, estou a ver que não me aguento como primeiro-ministro, já nem na bola me safo porque em vez de teres ido buscar o Mourinho ficaste lá com o outro que nem um onze sabia fazer, e agora ainda tenho de apanhar contigo? Por amor da Virgem, também tu, Adriano?!
- Presidente, acalme-se, por favor.
- Acalmo-me o c...! Acalma-te tu! Achas que isto está para andares a fazer as tuas negociatas com os teus amigos mafiosos, ou quê? Ainda agora apanhei o barrete do Ronaldinho e já me queres enfiar um ainda pior? Vê lá se percebes uma coisa: eu... não tenho... dinheiro... para dar... a chulos.
"Ui, ui", pensa Adriano.
- Não quero saber mais desta história. Tu meteste-te, nisso agora desenmerda-te. Para o gajo vir tem de ser por um terço do preço, senão os 15 milhões és tu quem os paga. Bom dia e vai à merda!
Desliga o telefone violentamente.
Adriano está lívido. Não sabe dizer porquê, mas desde o princípio que teve um mau pressentimento com esta história. Era muita gente a querer comer do mesmo prato, e ainda por cima no prato só havia osso.
Começa a pensar como é que se pode descalçar esta bota. Felizmente é uma carcaça com muita rodagem. Se não fosse estaria bem entalado, porque o português também é rato de muito esgoto. Mas caramba, ele é Galliani. Ele sozinho construiu o império do Milan, mesmo com um chefe lunático que tinha a mania que sabia fazer equipas e que contratava e dispensava jogadores só por simpatizar ou não com eles, com se fossem gajas de 18 anos que estivessem ao seu dispôr. Era o que faltava ficar agora em xeque por causa de um etíope qualquer que há meia-dúzia de semanas ainda estava nos distritais.
Abriu a gaveta da mesa de cabeceira e tirou de lá a vetusta agenda vermelha e negra.
Ligou um número de telemóvel.
- Estou, doutor? Galliani. Bem obrigado, e o senhor? Concerteza. Olhe, doutor, hoje à tarde vai aí um rapaz de cor que nós íamos contratar. Estou? Isso. ...Sokho. Exactamente, Cissokho. Doutor, eu acabei de saber, de fonte muito credível, que o moço está estragado. Não me souberam dizer exactamente o quê mas tem um problema físico complicado. Como? Sim, quinze. Pois, talvez vinte e cinco... Oiça, não interessa! Até podiam ser cento e cinquenta milhões porque nós não vamos ficar com ele. Percebeu? Veja lá o que o rapaz tem mas daí ele não sai sem lhe encontrarem o defeito. Está a ver? Ainda hoje vai recambiado. Ok? Pronto, trate lá disso. Bom dia, doutor.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Muita fruta pró Miguel

Na Nortada de hoje, na Bola, Miguel Sousa Tavares quase se propôs para sócio do Benfica ante a perspectiva de vir a ter José Eduardo Moniz como presidente. Ficámos a saber que, para MST, Moniz é um génio da liderança, um cavaleiro da virtude e uma escolha certa para as próximas eleições, em 2012. O que, a ser verdade, seria fantástico para o Benfica. E não estou a ser sarcástico.

Permitam-me que duvide - e nem sequer tem a ver com o Moniz, tem mais a ver com o Tavares. Até ao início da saga do Apito Dourado pensava que MST era intelectualmente íntegro. A forma despudorada como defendeu o culpadíssimo Pinto da Costa desiludiu-me. Fiquei a saber que a opinião de MST era maleável, e sobretudo que não era desinteressada. Há uns anos tê-la-ia lido com grande prazer. Neste momento não acredito nela.

Há, além desse pequeno senão, algumas razões que me levam a desconfiar da bondade da história que nos estão a tentar vender e da integridade absoluta do Moniz - e isto desejando eu ardentemente que alguém decente tirasse o Vieira do poleiro, entenda-se.

Antes de mais nada a incoerência de um movimento que, supostamente, teria Moniz como pedra-angular já há mais de três meses, mas que não está preparado para a antecipação de eleições? Então se as coisas estavam já pensadas para o Moniz qual é o problema das eleições serem antes? Não devia ser o contrário: quanto mais cedo melhor, para não apanhar o campeonato em andamento?

Como é que o Moniz justifica a renúncia com o adiantamento das eleições? Qual é o problema? A não ser que, na verdade, o Moniz não tivesse ainda pensado seriamente em ser presidente do Benfica nem tivese nada preparado, o que atentaria gravemente contra a sua propalada competência. De facto, a ideia que passa é que o Moniz foi apanhado com o projecto em cima do joelho, e que por isso achou melhor não ir a jogo.

A outra justificação para não se candidatar é ainda mais espantosa. Diz ele que não poderia pegar num projecto que é de outros, ou seja, que não seria justo ter de gerir uma equipa formada por Vieira e Rui Costa. Mas o que raio é que iria acontecer se as eleições fossem em Outubro?! Não seria muito pior? Não estaria já a equipa fechada? Ou o Benfica não iria contratar nem treinador nem jogadores até ao terceiro mês de campeonato? É evidente que, sendo as eleições em Outubro, qualquer novo presidente teria de encontrar a equipa e equipa técnica fechadas (e em grande actividade, acrescente-se).
Novamente, não bate a bota com a perdigota.

Finalmente (e isto bastaria para duvidar da integridade de Moniz), o factor principal de desconfiança: Veiga.

Primeiro ponto: a ideia que passa é que Moniz é uma escolha de Veiga para tapar um buraco, dada a impossibilidade de ele próprio concorrer às eleições. Aliás, toda a argumentação por parte dos elementos mais públicos do Movimento Benfica Vencer Vencer aponta para que Veiga fosse o verdadeiro candidato, e que foi por isso que Vieira antecipou as eleições - para não ter de o enfrentar em Outubro, devido à antiguidade como sócio. Consequentemente, Moniz foi uma solução de recurso, um desenrascanço de última hora. O que contradiz a teoria de que Moniz já estivesse a ser pensado para o cargo há vários meses.

Como é que um suposto mestre da liderança aceita fazer o papel de uma solução de desenrascanço?

E como é que é o futuro director do futebol quem convida o futuro presidente para integrar as listas?
Hã?
Pois.
Antes de haver Moniz sempre houve Veiga, todo o Movimento foi construído no pressuposto de entregar o futebol ao Veiga, e no fim acaba por ser Veiga a convidar Moniz para ser presidente. Mas afinal como é que o futuro subordinado escolhe o presidente que vai ter?
Quem seria o chefe?
Quem é que teria a legitimidade de demitir quem?
Seria, certamente, a primeira vez na história do desporto que um empregado escolheria quem iria ser o seu futuro patrão.
Que autoridade teria Moniz ante Veiga?
Quem mandaria, de facto, no Benfica?
Que papel teria Moniz? O de fantoche? Impossível, segundo Miguel Sousa Tavares.

Mas o que Moniz disse é que não aceitava por causa, primeiro, do golpe estatutário, e depois porque não queria ter de gerir os projectos dos outros.
O que nos leva à última (e chegava esta) razão para desconfiar da moralidade limpa de Moniz.

Como é que ele aceitaria trabalhar com José Veiga?

Porque são coisas inconciliáveis, note-se.

Para Miguel Sousa Tavares, José Eduardo Moniz é um elemento com integridade à prova de bala. Como é que ele poderia trabalhar (e ainda para mais numa situação de ambiguidade de poderes) com um autêntico escroque, como é Veiga, segundo MST, um corrupto que, segundo ele (vi na TVI, curiosamente, lembro-me bem desse dia) comprou o último campeonato do Benfica, corrompendo árbitros, clubes e jogadores adversários (o célebre Apito Encarnado, de que MST fala recorrentemente), um vigarista da pior espécie? E que ainda por cima estava lá antes dele?

José Eduardo Moniz estaria pronto para ganhar campeonatos utilizando métodos criminosos?

Não, nesta Nortada há qualquer coisa que cheira mal, e muito me surpreende que Miguel Sousa Tavares, detentor de um espírito arguto e interrogante, não se tivesse colocado diante estas dúvidas tão básicas.

Pensando melhor, não, não me surpreende. É que para MST a felicidade está em destruir Luís Filipe Vieira, e para mim está em salvar o Benfica de todos os Luis Filipe Vieira.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

O pato bravo

Um interregno na proposta para uma verdadeira Liga para um assunto que, afinal, tem tudo a ver com ela. O que é que toda esta verborreia sobre uma verdadeira Liga tem a ver com o PAPA? Comecemos pelo elo mais fraco. João Vale e Azevedo.

Há apenas uma razão para João Vale e Azevedo ser o único presidente de um grande clube português, até hoje, a ser condenado e preso por actividades ligadas ao futebol: ele era um extra-terrestre.

Não veio de dentro do futebol, não conhecia o meio, ignorava os métodos operacionais e, sobretudo, os mecanismos de defesa dos vigaristas da borracha, e com isso ficou vulnerável. Vale e Azevedo foi apanhado porque era um pato bravo no futebol português. Era um anjinho. Um pateta. Era tenrinho.

Pinto da Costa e Joaquim Oliveira comeram-no ao pequeno-almoço porque, se bem se lembram (quem tem idade para se lembrar), Vale e Azevedo não sabia quem era Pinto da Costa. Tinha uma ideia. Sabia mais ou menos. Já ouvira falar. Quando entrou para a presidência do Benfica e falava de Pinto da Costa na televisão ficava com aqueles olhinhos e o beiço de quando precisava de se concentrar para se lembrar de meia-dúzia de tópicos que havia estudado à noite sobre determinado assunto. Quando falava de árbitros só lhe faltava consultar as cábulas para não confundir penálti, expulsão e grande área.

Vale e Azevedo entrou no futebol convencido da sua genialidade e de que conseguiria, facilmente e sem precisar de se misturar com ninguém, duas coisas que para ele eram importantes: tornar o Benfica num clube vencedor e ao mesmo tempo ganhar bastante dinheiro em esquemas paralelos com transferências de jogadores, uma área que conhecia bem devido às suas ligações com empresários ingleses.
A Inglaterra, esclareça-se, é a pátria da grande chulice nas comissões paralelas em transferências de jogadores. É um esquema instituído entre os treinadores (os managers, que decidem quem é comprado), os agentes e as suas off-shore, que lavam o dinheiro. JVA limitou-se a importar o negócio, trazendo para Portugal um dos seus mais genuínos intérpretes, o espertalhão Graeme Souness - que preteriu Deco em favor do inenarrável Michael Thomas, por exemplo, porque com Deco não ganhava nenhum.

Foi a inocência que tramou Vale e Azevedo. Provavelmente só compreendeu que era um menino a brincar entre trambiqueiros de barba rija quando se viu trancado dentro de uma cela de prisão.
O coitado do JVA foi totalmente tragado por Pinto da Costa e pelo sistema do futebol, que nos últimos nove anos não fez mais que fortalecer-se.

Enquanto JVA se convencia de que para o Benfica dominar a pobreza franciscana que era o futebol em Portugal só bastava tornar a equipa menos emocional e fazer com que os jogadores se portassem como profissionais e se deixassem de mariquices, Pinto da Costa, vendo-se livre do incómodo Gaspar Ramos - uma espécie de contra-poder (ainda que inepto) nos bastidores, que saíra com Manuel Damásio - e dono e senhor dos meandros da arbitragem, não teve dificuldades em convencer José Roquette, eleito presidente do Sporting pouco tempo antes, a deixar-se desses disparates de "fazer o 25 de Abril do futebol".
PC, Roquette e respectivas entourages começaram a encontrar-se para tratar de estádios novos, de jogadores para trocar, de SAD's e de outros assuntos mais privados e nunca bem explicados, permitindo que, em 2000, após 17 anos de espoliação, o Sporting conseguisse, enfim, ganhar um campeonato, ante uma inédita complacência de PC, que pela primeira vez em muitos anos não se sentiu (nos jornais) escandalosamente prejudicado pelas arbitragens.

JVA mandava rasgar os ruinosos contratos com a Olivedesportos, ciente de que as receitas de novos acordos provavelmente cobririam o anterior e de que ainda sobraria dinheiro, e a tribo da bola espantava-se com a audácia daquele alienígena que não compreendia que essa Olivedesportos era a verdadeira trave-mestra da economia da selva, credora de todos os clubes, detentora dos seus futuros e espécie de braço-armado financeiro do sistema dominado por Pinto da Costa, ao mesmo tempo alimentando-se dele (até entrar, com a compra da PT Multimédia, no universo das vinte maiores empresas portuguesas).

JVA trazia jogadores de segundo plano de Inglaterra para ganhar algum e os índios locais espantavam-se pela desfaçatez com que os empresários locais, liderados pelo super José Veiga (em época áurea com as transferências de Figo e Zidane para o Real Madrid), alimentados à mão pelos Pintos do galinheiro, eram desprezados - eles que, industriados por PC, dominavam a arte do comissionamento clandestino, sabendo bem que chão pisar para não matar o negócio.

Em resumo, Vale e Azevedo caiu de pára-quedas no futebol português a meio do meio-dia, sem ninguém a cobri-lo, e foi o alvo mais fácil de abater na sua história.
Nos jornais, nunca se preocupando em desfazer a aura de arrivista, foi despido, esquartejado e deixado aos lobos, neste caso a Polícia, o Ministério Público e os tribunais, para quem a acusação e condenação de um vulgar (ainda que megalómano) Alves dos Reis que se regia pelas normais "leis do mercado" foi uma brincadeira de crianças.
Na hora da verdade, a Vale e Azevedo faltou, sobretudo, a cumplicidade e os laços de lealdade que unem os traficantes do futebol português, e que se estendem até às mais altas instâncias políticas do país, passando por todo o sistema judicial, desde a esquadra de bairro até ao mais elevado tribunal e a Assembleia da República. Faltou-lhe a estrutura e um verdadeiro conhecimento das coisas. Se tivesse sabido entrar na panelinha provavelmente ainda seria presidente do Benfica.

Ainda hoje há três momentos que definem perfeitamente o que foi a fulgurante e fenoménica passagem de Vale e Azevedo pelo Benfica:

- a ruptura de contratos de direitos televisivos com a Olivedesportos, que foi, facilmente, o acto mais revolucionário na história moderna do futebol português, e o único que ameaçou, na prática, fazer ruir o sistema corrupto instituído.

- o despedimento de João Pinto - que, na verdade, só pode ser mistificado por alguém com um sentido revisionista da história. João Pinto, independentemente do percurso que teve depois de sair do Benfica, representou, em todo o seu esplendor, a decadência da cultura benfiquista. Quando se podia ter tornado, se tivesse tido a inteligência para isso, numa das três maiores figuras na história do clube, resvalou, pelo contrário, para a acomodação. Se alguém há a culpar pela sua saída inglória do clube é, antes de mais, a ele próprio, que se deixou cair, ano após ano, numa vulgaridade futebolística que tornou o seu despedimento natural. E quem disser o contrário não sabe o que diz. O último ano de João Pinto no Benfica foi o de 1995, daí para a frente viveu à sombra da bananeira e só voltou a jogar a sério quando sentiu que isso era necessário, já no Sporting.

- a contratação de José Mourinho, que, como o próprio Mourinho explicou num dos seus livros, foi uma escolha pessoal de Vale e Azevedo. Os grandes pensadores do nosso futebol (colunistas, articulistas, opinadores de uma maneira geral) que actualmente fazem de Vale e Azevedo o grande satã e, ao mesmo tempo, endeusam José Mourinho, deveriam ser obrigados a ler, como tarefa humilhante, todos os dias, ao acordar, o que escreveram sobre a escolha de José Mourinho para treinador principal do Benfica, e continuar até ao momento em que Toni, um dos grandes protegidos da nação benfiquista nos jornais, tomou o seu lugar. Teriam, certamente, vergonha de pegar numa caneta.
É preciso recordar que, na altura, José Mourinho nunca tinha sido treinador principal. Era, também ele, um extraterrestre, e Vale e Azevedo foi considerado pouco mais que atrasado mental por apostar nele. Era a pessoa mais improvável do mundo para ter sucesso à frente da carruagem desenfreada que era o Benfica.

O que se pergunta, hoje, é o seguinte: onde estaríamos, actualmente, se Vale e Azevedo tivesse sido reeleito presidente do Benfica, se Mourinho nunca tivesse saído e se os direitos televisivos do Benfica tivessem sido renegociados fora do âmbito da Olivedesportos?
Independentemente de Vale e Azevedo ser o trafulhazito que era, estaria o futebol português onde está?
Duvido que alguma vez JVA tenha falado com um árbitro.
Chego ao ponto de perguntar: seria ainda Pinto da Costa dirigente desportivo? Arrisco dizer que não.

E assim chegamos ao PAPA.

O momento decisivo para o triunfo do sistema aconteceu quando Pinto da Costa e Joaquim Oliveira arquitectaram um plano para a tomada de poder no Benfica, nas eleições de 2000. Utilizaram todos os seus meios, de financeiros à comunicação social, para lançar uma lista de que o bonacheirão e manobrável (sobretudo a partir das duas da tarde) Manuel Vilarinho era o testa-de-ferro mas de que a verdadeira trave-mestra, o operacional, seria Luís Filipe Vieira, amigo de casa de ambos, figura espúria, já então, no futebol português, enquanto presidente do Alverca (uma criatura do género Gondomar mas para melhor), ligado a tudo o que era trambique mas, sobretudo, um aliado útil e sem escrúpulos na deposição de Vale e Azevedo.

O carácter rapace de Vieira, que lhe permitiu transformar-se de mero gandulo em milionário, formado na escola das piores ruas de Lisboa, depressa o virou contra o seu criador - Pinto da Costa - sobretudo a partir do momento em quem, contratando o anjo caído José Veiga para uma aliança diabólica que visava, simplesmente, a tomada de poder no vaticano futebolístico, Vieira assumiu a ida a jogo.
O título de 2004 foi alcançado executando à letra a pior cartilha do pintismo, e até hoje mantenho a convicção de que houve apenas um factor que levou à sobrevivência política de Pinto da Costa: a providencial cartada Mourinho, que lhe permitiu destruir, em campo, a coligação Vieira-Veiga, roubando ao Benfica as vitórias de que necessitava para se impôr como nova força do sistema.

Acima de tudo, é preciso compreender que desde 2000 que Pinto da Costa domina o Benfica porque foi ele quem inventou o actual Benfica, lá colocando um lacaio que, mesmo empenhando-se numa luta de usurpação do senhor feudal, não consegue, por falta de preparação, ascender ao poder. Falta-lhe a grandeza essencial.

O texto integral do Apito Encarnado, suposta e anonimamente (é só rir...) escrito por inspectores da Judiciária denunciando Luis Filipe Vieira como corrupto de primeiro escalão, é um hino ao sistema. Através dele Pinto da Costa elucida-nos a todos sobre o seu verdadeiro poder sobre Vieira: o conhecimento íntimo do indivíduo e a capacidade de o bater no seu próprio jogo, no qual Pinto da Costa é mestre, um jogo que conhece e domina a partir da raiz pois anda a jogá-lo desde meados dos anos 70, construindo, no processo, um castelo de lealdades que não é vulnerável a arrivistas.

O Benfica não tem hipóteses de destruir Pinto da Costa porque o seu presidente joga sob as mesmas regras. Está, por isso, derrotado à partida. A desonestidade, o logro, a manipulação, o obscurantismo, são a força integral do pintismo, mas também são a sua fraqueza. Sendo a sua estrutura fundamental, é pela sua corrosão que o sistema pode cair. Não se elimina Pinto da Costa sendo mais desonesto, mais dissimulado, mais manipulador, mais obscuro. Isso não vai acontecer. Só se o conseguirá jogando outro jogo - não um jogo um bocadinho mais limpo, mais tíbio, sem maldade, apenas com alguma malícia, como pretende fazer o Sporting há dez anos e sem sucesso, mas um jogo diferente. Um jogo limpo.

Propondo uma verdadeira Liga, por exemplo.

A grande questão, contudo, é outra: até que ponto está a massa benfiquista pronta a acreditar que um infante pode matar um leão?

O que seria necessário para que fosse eleito como presidente do Benfica uma pessoa que dissesse, por exemplo, que estava disposto a não ir às competições europeias durante dez anos se isso fosse o que era preciso para romper com a estrutura instituída do futebol português?

Até que ponto estariam os benfiquistas dispostos a aceitar alguém que dissesse que se o que é preciso para regenerar o futebol e expulsar Pinto da Costa é admitir que não foram apenas os últimos trinta mas os últimos setenta anos a serem corrompidos, e que se isso implicaria começar a contagem de títulos do zero, então que fosse?

Até que ponto não estarão os benfiquistas sempre mais dispostos a acreditar em qualquer Veiga que lhes apareça, por mais sujo que seja, a prometer títulos imediatos, por qualquer meio, do que em alguém que diga que o Benfica não precisa de títulos dos que se compram em casas de alterne?

Conseguirão eles perceber que isso não significa, verdadeiramente ganhar, mas continuar a caminhar na lama, sem brilho nem honra? Que trinta vitórias assim, trezentas vitórias, são iguais a nenhuma vitória?

Conhecerão os benfiquistas, e os portugueses, o conceito de honra? E estarão dispostos a pagar por ela o que ela exige?

Ou será que não existe, em Portugal, espaço para a honra?

Seremos assim tão baratos?

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Uma verdadeira Liga (II)

(continuação)

Os clubes que integrariam o primeiro escalão da liga profissional seriam seleccionados através de critérios desportivos, económicos e estruturais.
Não é necessário partir de um número pré-definido (por exemplo os 12 que, na minha opinião, seria o ideal), pode ser ao contrário: os projectos viáveis, bem enquadrados e que façam sentido desportivamente teriam lugar. Para aumentar a qualidade, apertava-se o critério, diminuindo-se a quantidade.
O clube, além de ter de demonstrar mérito desportivo histórico, teria igualmente de apresentar, à partida, um plano económico viável para seis anos (cuja não-colocação em prática implicaria sanções terminais) e demonstrar que possui uma estrutura adequada e suficiente implantação a nível local para gerar um interesse continuado.

Porquê seis anos? Seis anos é o tempo que um futebolista leva a percorrer as competições dos escalões de formação. Teoricamente, é o tempo necessário a um clube para formar a base de uma equipa profissional com jogadores próprios. Em períodos de seis anos a composição da liga seria revista e os seus resultados analisados. Os clubes que nela participaram teriam de ter cumprido os critérios e comportado-se da maneira que se espera numa organização deste tipo e os que quisessem entrar poderiam apresentar nova candidatura.
Todas as decisões teriam de ser tomadas por unanimidade. Para um clube entrar, todos os outros teriam de aceitar. Se representassem uma mais-valia em termos de receitas não encontrariam as portas fechadas. Se fossem prejudiciais, claramente sim.

A analise dos critérios seria feita por uma comissão de elementos escolhidos por unanimidade pelos actuais membros da Liga (cinco, por exemplo), que apresentariam os resultados à Direcção. Podem ser técnicos, economistas, representantes dos futebolistas, o que interessa é que sejam escolhidos com unanimidade e com os critérios bem definidos (e de preferência elevados, para aumentar o nível do jogo).

Sem grande dificuldade encontrar-se-ia uma base de doze/catorze clubes viáveis, competitivos e representativos da geografia portuguesa. Benfica, Porto, Sporting, Guimarães, Belenenses, Braga, Marítimo, Académica, Setúbal, eventualmente Santa Clara, Leiria, Nacional, Portimonense, Rio Ave, Chaves, Olhanense, Rio Ave, enfim, qualquer clube com uma forte implantação local que conseguisse reunir, com a certeza de seis anos consecutivos na primeira liga, um projecto economicamente viável e desportivamente interessante, mesmo que actualmente não tenha méritos desportivos para a integrar. Porque não um Boavista, um Farense, clubes atingidos por cataclismos mas que não perderam, apesar disso a sua importância? Este tipo de projecto mobilizaria as forças locais, seria uma oportunidade para regiões e clubes que têm o potencial mas a quem falta a ocasião para o explorar. Uma oportunidade de baixos riscos, com muito a ganhar e pouco a perder.

Agora, a outra questão: isso não seria apostar tudo num oásis e reduzir o restante ao deserto? Não, porque o que leva à desertificação do futebol é o oposto, é proporcionar a hipótese de jogar na primeira divisão a clubes sem capacidades para isso, do que resulta, regra geral desequilíbrios financeiros insanáveis e em alguns casos irresolúveis, que podem até levar à extinção (Farense, Salgueiros, Estrela da Amadora?...).

Um dos grandes problemas do futebol português é permitir-se alimentar a vaidade de alguns provincianos egocêntricos, que são capazes de arruinar um clube pelo orgulho pessoal de andar meia-dúzia de anos a brincar ao futebol de alta competição. Sempre que um dirigente com a mania das grandezas chega à presidência de um clube pequeno, a história repete-se: começa com investimentos pessoais, continua com patrocínios locais, estende-se ao endividamento, não tarda nada já se deve ao fisco, à Previdência e aos profissionais e, de repente, a troco de um punhado de anos a lutar por subidas e não-descidas, o clube está falido e ajudou a fazer falir outros cinco ou seis - porque a partir de certo ponto entra a picardia, e quase sem se dar por isso as duas equipas da série F da terceira divisão que lutam para subir já têm, em onze jogadores, quatro brasileiros, três jugoslavos e um egípcio, em vez dos onze portugueses semi-amadores que deveriam ter.

Fechar a porta à megalomania é um passo importante no equilíbrio financeiro do futebol português. Um clube só pode subir até certo ponto - o mesmo ponto a que poderia aceder de outra forma, provavelmente, mas com a diferença de que, a seguir a isso, não vai fazer sentido endividar-se mais, porque atingiu o máximo da sua dimensão.

Além disso, os clubes mais pequenos não ficariam impedidos de competir com os maiores. Manter-se-ia a Taça de Portugal (com os sempre folclóricos momentos em que os gigantes se deixam admirar pelos paisanos) e a Taça da Liga, que em moldes parecidos com o actual permitiria a mais alguns clubes da segunda divisão jogar com os três grandes.

Outra alteração substancial e importante, já considerada actualmente, julgo, seria a de disputar os escalões secundários em formato mais regional, incentivando as rivalidades locais, diminuindo as despesas em deslocações e aumentando o interesse.

Fechar o primeiro escalão do futebol português, permitindo alterações apenas a cada seis anos, resolveria, na prática, grande parte da instabilidade económica e desportiva que afecta o futebol português.

Independentemente de outras alterações fundamentais e inevitáveis no âmbito das próprias regras do jogo, tais como a contagem do tempo efectivamente jogado, a utilização de auxiliares de vídeo em determinados momentos do jogo e a alteração da lei do fora-de-jogo (que estão sempre dependentes do International Board), esta alteração da estrutura competitiva, por si só, alteraria de forma profunda a natureza do jogo em Portugal e é a que melhor se adapta às características demográficas e sociológicas do nosso país.

A segunda parte teria a ver com a execução das regras definidas, e aí há duas palavras -chave para o bom funcionamento dos orgãos executivos da Liga: poder e autonomia.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Uma verdadeira Liga (I)

A.S. - A transferência do Ali Cissokho para o Milan transformou-se, oficialmente, num dos maiores fenómenos de todos os tempos no futebol português. Não sei quem é que se distraiu, mas houve alguém que se esqueceu avisar alguém de alguma coisa. O que é inegável é a singularidade dos tempos em que vivemos: depois de termos visto um negro a tornar-se no melhor golfista do mundo, um negro a sagrar-se campeão do mundo de Fórmula 1, um negro a ser eleito presidente dos Estados Unidos da América e um negro a ser rejeitado por um clube de futebol por problemas nos dentes só nos falta, para completar os 180 graus, que apareça uma notícia sobre um negro despedido de um filme pornográfico por falta de material.

O único problema do sistema competitivo do futebol em Portugal são as pessoas. Na teoria, se as pessoas se comportassem com honestidade, desportivismo e bom senso, o modelo competitivo não teria problema nenhum. Na prática, a deturpação dos valores leva a que o modelo se torne obsoleto, desadequado, permissivo e corrupto.
Evidentemente, o problema é cultural, e a solução também. Quando o bandido quer roubar não há alarme que valha.
A opção é básica: ou se insiste no modelo actual e se espera pela lenta transformação cultural, até que as pessoas compreendam que a galinha dos ovos de ouro está às portas da morte; ou se muda o modelo de forma a garantir a sobrevivência do jogo, intervindo no processo da selecção natural e evitando o principal risco que envolve o factor humano - o de consumir o seu meio ambiente antes de aprender a respeitá-lo.
Infelizmente a boçalidade está de tal forma aceite que este risco ameaça tornar-se numa fatalidade. O modelo actual não tem hipótese, dada a criatividade autodestrutiva de quem pensa (ignora?) o futebol em Portugal. O convite do chefe da Liga Inglesa para uma palestra em Portugal só me leva a admitir que os dirigentes portugueses estão a nadar em seco, porque ainda não perceberam que é precisamente o modelo inglês (em vigor em Portugal desde sempre), demasiado dependente da homogeneidade territorial e do fair-play, que não resulta em Portugal. Portugal precisa de uma solução portuguesa. Isso é demasiado ousado para as mentes tacanhas que por aqui mandam. Sem o aval do exemplo estrangeiro não há atrevimento para implementar uma solução diferente. Pensar pela própria cabeça, em Portugal, é uma audácia própria de alienados.
Ainda assim...

Um modelo para a liga profissional de futebol em Portugal

A liga profissional de futebol em Portugal deveria:
1 - ser fechada (sem subidas ou descidas de divisão por via desportiva);
2 - ter uma estrutura directiva pequena e plenipotenciária (de preferência com directores estrangeiros);
3 - ter uma arbitragem profissional e integralmente dedicada (aberta a estrangeiros)
4 - ter pelo menos oitenta por cento de jogadores portugueses ou formados em Portugal
5 - contemplar tectos orçamentais.

1 - Uma liga fechada

O sistema de subidas e descidas de divisão, em Portugal, não faz sentido, sobretudo por causa da dimensão dos clubes.

Em Inglaterra, Alemanha, Itália, França ou Espanha, mas fundamentalmente em Inglaterra, não existem verdadeiras diferenças entre um clube da primeira divisão e um da segunda ou terceira, à excepção dos cinco ou seis maiores. Um clube da segunda divisão coloca facilmente 15 ou 20 mil espectadores no estádio, e o impacto da subida nota-se pouco. O nível competitivo da metade da tabela principal para baixo é muito semelhante e a dimensão económica e demográfica dos clubes é grande. Uma descida de divisão não coloca um clube em risco de sobrevivência, apenas lhe retira visibilidade.

Em Portugal, onde não existe mercado suficiente para dezenas de equipas profissionais e só há três clubes efectivamente geradores de riqueza, a descida à segunda divisão acarreta risco de morte, pois as únicas receitas válidas advêm dos jogos televisionados e das bilheteiras com os três grandes, o que desaparece de um momento para o outro.
Os únicos efeitos concretos do sistema de subidas e descidas de divisão em Portugal são o endividamento excessivo dos clubes, que gastam mais do que têm e podem, e a perda de qualidade do futebol, uma vez que, na primeira divisão, oitenta por cento das equipas joga, fundamentalmente, para não perder - ou seja, joga antes de mais para o empate, o que é destrutivo para o espírito do jogo.

A implementação de um campeonato fechado traria vários benefícios para o futebol português.

Antes de mais nada, permitiria aos clubes negociar os seus patrocínios e direitos televisivos com segurança a longo prazo, o que é difícil perante um cenário de descida de divisão. Dar-lhes-ia estabilidade económica.

A nível desportivo dar-se-ia a mudança radical de os jogadores (e treinadores) poderem passar a fazer, sem receios, aquilo de que realmente gostam no futebol: jogar para ganhar. A diferença de jogar para não perder é colossal. Quando se joga para não perder, o espírito negativo fomenta o anti-jogo. Com a mudança, o anti-jogo não acabaria, mas diminuiria muito. O futebol seria mais ofensivo, mais audacioso.
Coloca-se a questão: "Mas se não jogam com o objectivo de não descer, para que jogam as equipas?" É uma falsa questão, a que se responde de forma evidente: novamente, jogam para ganhar. Jogam para serem campeãs, para irem à UEFA, para ficarem em sexto em vez de oitavo, se for preciso jogam para ganhar prémios pecuniários, jogam para o currículo, jogam pelo orgulho, em suma, jogam por aquilo que deveriam jogar sempre.
Na prática, o espectro da descida, ainda que cause alguma comoção, só resulta na perda de qualidade do jogo: no fim acabam por descer sempre equipas e, no processo, andou tudo a jogar para trás e para o lado, a atirar-se para o chão, a perder tempo e a gastar dinheiro que não tem. É isso que as pessoas querem?

Por outro lado, uma liga com doze equipas, por exemplo, em que cinco tivessem acesso às competições europeias e em que houvesse um equilíbrio orçamental, levaria a que esses lugares de acesso estivessem em aberto praticamente até ao fim do campeonato.

Há, ainda, outra vantagem clara na ausência de descidas e subidas: um dos principais mercados da máfia do futebol português seria eliminado. De facto, a luta sem quartel que é o fim da tabela da primeira divisão e o topo da segunda é, historicamente, um maná para a corrupção, tal é a importância da manutenção no primeiro escalão.
Enquanto na luta para o título a manipulação de resultados é mais complicada, pela exposição e pelo poder político dos três grandes, entre os clubes mais pequenos, cujos jogos não são transmitidos com a mesma frequência, essa manipulação é relativamente fácil. Na segunda divisão, então, nem se fala.
Grande parte do poder oculto no futebol vem precisamente da capacidade de influenciar o destino das equipas pequenas, quer através do empréstimo de jogadores quer pelo arranjo, puro e simples, de resultados. Seria um golpe fulminante no sistema pintista que reina no futebol português. A importância de estar na primeira divisão é tal que os dirigentes das equipas pequenas sentem que têm, pura e simplesmente, e mesmo quando não querem, de vender a alma ao diabo, quanto mais não seja para poderem jogar com as mesmas armas dos adversários.

As questões reais que se colocam perante a hipótese de uma liga fechada são outras:
- quem a integraria, e com que critério?
- quais as consequências para a vitalidade das equipas profissionais de pequena dimensão e para o futebol enquanto actividade nacional e dinâmica?

Berlaitadas

Há um universo de benfiquistas preocupado com as calinadas do Jorge Jesus. Para eles, dois pensamentos simples: o jogador de futebol é uma besta de carga, habituado à lama, não é um cavalinho de cortesia, e mais facilmente entende um tratador que um embaixador; há uma coisa para que o bem falar dá muito jeito, como se viu com Quique: para explicar o fracasso. Quando se ganha qualquer palavra é genial.

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Leio no Jogo que o futebol polaco está a atravessar um dos períodos mais negros da sua história, marcada por escândalos de corrupção e grandes problemas financeiros. Logo depois leio que o Wisla de Cracóvia domina esse futebol e que ganhou sete campeonatos em onze anos. Observo, com algum divertimento, que há outra coisa em comum entre Portugal e a Polónia: lá, como cá, o clube que manda no esterco também é da terra do papa.

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Talvez a melhor manchete do último ano nos jornais desportivos portugueses, a da Bola no dia em que Jorge Jesus assinou pelo Benfica: "Aleluia". Brilhante.

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Um grupo espanhol chegou a várias conclusões sobre o valor económico de alguns jogadores: Cardozo é o mais valioso do campeonato português, com 22 milhões de euros, o Di Maria vale o mesmo que o Hulk, o Nené vale o dobro do Liedson, que vale menos que um quarto do Cardozo. E o Messi vale mais 34 milhões de euros que o Ronaldo.
Citando António Lobo Antunes, há uns anos, a respeito do Queirós, do Nelo Vingada e de outros treinadores de bigode, eis mais uma evidência de como os economistas vêem futebol pelo olho do cu.

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O Laporta acusa o Real Madrid de ser imperialista, e de ter uma cultura de facilidades, em oposição à do Barcelona, que é uma cultura de responsabilidade, trabalho e esforço - e que funciona melhor. Tem razão em tudo. Houve tempos em que simpatizei com o Real Madrid, até perceber que esse clube, de facto, representa o pior que existe no espírito de Castela: a soberba, o parasitismo e esse imperialismo.
Mas ver um clube como o Barcelona, que (quase) sempre comprou o que quis, quando quis, como quis e a quem quis, a queixar-se de haver um clube mais rico é como ouvir um assaltante de carros a queixar-se de apenas ter roubado um Mercedes quando vê passar um Ferrari.

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Sem o Rui Costa, e mesmo com golpes palacianos à mistura, o Vieira não teria hipóteses nas próximas eleições. E isso quer dizer muita coisa.

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Miguel Sousa Tavares diz que acha estranho que o Porto não tenha comprado a totalidade do passe do Cissokho por bagatela e meia quando o foi buscar ao Setúbal, permitindo que o "obscuro" empresário António Araújo agora venha embolsar alguns milhões à boleia do clube.
Esta é a versão virginal de MST. Na sua versão rapazola (que apareceria se o negócio se passasse, por exemplo, em qualquer outro clube do mundo) MST não teria dúvidas em afirmar que esse negócio tinha sido concebido, desde o início, a pensar nessa partilha na altura de uma futura transferência. Isto porque, evidentemente, pelo simples facto de integrar uma equipa como o Porto, o valor do jogador inflacionou mil por cento do dia para a noite.
E, logo a seguir, MST não teria qualquer dificuldade em relacionar esse negócio com o da angariação de prostitutas para árbitros que envolve Araújo e Pinto da Costa.
Araújo, recorde-se, é o sócio de Reinaldo Teles, que telefonou a PC a perguntar se podia mandar putas ao Jacinto Paixão antes de um jogo do Porto.
Mas este foi um dos dias em que MST acordou puro como o azeite.

Ámen.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Ali já está lá e os Quarenta Ladrões

Em pesquisa, fui dar ao blog do Eugénio Queirós, o António Ferro do pintismo, jornalista, revisionista, saudosista e malabarista. Confesso que até hoje (crédulo que sou numa superior natureza humana) deixei aberta uma porta à hipótese não evidente de Eugénio Queirós ser, na verdade, uma pessoa de inteligência superior, um manipulador maquiavélico que, na verdade, parecendo aceder às teses pintistas, o fazia apenas para, mais tarde, as desmascarar, eventualmente tentando não queimar Pinto da Costa, que parece realmente ser um seu pai espiritual.
No fundo, que EQ fosse um génio a fazer-se passar por rudimentar burgesso como disfarce. Porque, afinal, não é possível ser assim tão estúpido.

Ora hoje fui lá dar, à prosa do Queirós, e o que é que encontro, além da fotografia da gaja nua que ele lá põe sob o título de Pito Dourado (e que me leva a crer que uma boa parte da catequese do Geninho terá sido recebida sob a forma sensorial no Calor da Noite, sob a supervisão de Reinaldo Teles)?
Um texto inspirado em que EQ glorifica Cristiano Ronaldo, sobretudo, por dois motivos que aparentemente se equiparam em importância e prestígio: ser o jogador mais caro do mundo e ter conseguido pôr a Paris Hilton a dançar-lhe no colo e a (sic) "papá-lo".
Mais do que isso, EQ, rendido ao triunfo do Ronaldo, confessava, desabridamente, que se identificava com aquele moço do Funchal que tinha conseguido vencer a vida sozinho, e, em conclusão, comparava todo esse pacote de preciosidades à (sic) "gesta lusitana pela História", que o faz chorar de orgulho.

Com toda esta história, tirei várias conclusões:

- o Ronaldo é um miúdo simples de província, a quem a vida justamente deu aquilo por que ele trabalhou; um miúdo de quem eu gosto e que, se não jogasse futebol, a esta hora andava a fazer a ronda dos hotéis da Madeira, um Roni Camarinha em camisa de alças, à cata das bifas, certamente sendo muito feliz;

- os jornais de Barcelona, que puseram fotos do cu da Paris Hilton em cima do Ronaldo, em versão lap dance, na primeira página, tentando compará-lo a Ronaldinho, que só queria putas e vinho, não percebem (mas vão perceber) que enquanto o Ronaldinho, depois de ser eleito melhor jogador do mundo, passou o Verão a aprender a fazer malabarismos que só serviam para aparecer na televisão durante os intervalos dos treinos do Brasil, o Cristiano Ronaldo, passou o Verão a aprender a marcar livres, que serviram para a sua equipa ser campeã de Inglaterra e finalista da Champions, e que em Manchester, mesmo com putedo e borga nas folgas, era o primeiro a chegar e o último a sair. Isso é ser profissional;

- o Eugénio Queirós é, simplesmente, fraquinho;

- a transferência de Ronaldo ofuscou a verdadeira grande transferência deste Verão, independentemente das que ainda aí vierem: a de Ali Cissokho, defesa-esquerdo do Porto, para o Milan, por 15, potencialmente 25 (!!!) milhões.

Ou seja, o Milan acabou de pagar ao Porto um quarto da fortuna que, em tempo de crise, recebeu do Real Madrid por Kaká - 63 milhões de euros - por um defesa-esquerdo que tem seis meses de futebol de alto nível. E pode chegar a mais de um terço.
Leio a notícia na Bola e deparo-me, no canto inferior direito, com uma caixa inteiramente dedicada ao empresário António Araújo.
Nela, o jornalista enaltece a capacidade de detecção de talentos de Araújo e chama a atenção para a injustiça que é reduzir o valor do "agente" (que não empresário de jogadores, porque a empresária certificada da família, vá lá saber-se por que impedimentos legais, é a mulher...) ao de intermediário-proxeneta que o processo do Apito Dourado celebrizou.

Dou por mim a olhar para o negócio, para os seus intervenientes e a pensar no que é que o Milan realmente comprou e para quem é que foi o dinheiro.

Adriano Galliani, um dos padrinhos do futebol italiano, principal responsável pelos actos de corrupção desportiva que enviaram o Milan para a segunda divisão, e que se mantém no cargo de director-geral ou porque sabe demais ou porque Berlusconi lhe deve demasiado. Galliani veio ao Porto, de urgência, falar pessoalmente com Pinto da Costa, dado o "melindre" da situação, para fechar um negócio por um jogador que o Porto facilmente venderia, por fax, por metade do preço, como é óbvio para qualquer pessoa que não passe o Dia de Todos os Santos a escrever cartas ao Pai Natal.

Pinto da Costa recebeu o seu velho amigo Galliani (parece que vem do tempo em que o Porto jogou com o Milan na década de 70, que têm qualquer espécie de afinidade natural), para tratar de negócios, provavelmente da forma de pagamento, uma vez que Cissokho tem mais fatias que um bolo rei, de onde toda a gente tem de comer e cuja fava fica para o Setúbal, que vai receber 30 mil euros além dos 300 mil que recebeu quando o Porto o foi lá buscar há meia-dúzia de dias
O destino daquilo que o Milan pagará a mais além do valor normal do jogador é um mistério, assim como aquilo que está a pagar. Não sei se Galliani vem pagar informações sobre Mourinho, se vem explicar a Pinto da Costa qual é a parte que deverá destinar-se à sua (de Galliani) reforma, ou se veio tentar perceber porque é que deveria pagar a mais por um jogador que não passa de uma hipótese. Talvez tenha vindo receber a explicação de que, neste caso, havia um cliente à porta para receber o seu.

António Araújo, sócio de Reinaldo Teles,  que no Apito Dourado pedia autorização a Pinto da Costa para enviar prostitutas à equipa do árbitro Jacinto Paixão, tem, ao que parece, uma parte a receber pelo jogador. Se corresponder aos dez por cento do passe será 1,5 milhões de euros.
Na peça jornalística chama-se a atenção (ainda não consegui perceber se ironicamente ou de forma deliberada para fazer notar a promiscuidade do negócio, mas a perversão de valores motivada por Pinto da Costa leva-nos a isso mesmo, a admitir que um jornalista, qualquer jornalista, faça parte da camarilha ou seja um moço de fretes) para a longa carreira de Araújo como agente, tendo estado ligado, por exemplo, ao Corinthians Alagoano, esse clube de onde se transferiram para Portugal Deco ou Pepe, dois casos clássicos de transparência negocial. Não se refere, contudo, o caso do Ermesinde, onde Araújo foi director do futebol para aí colocar a rodar as suas pérolas. O talento prospectivo do fruteiro é tal que o Ermesinde, que partia para a temporada com perspectivas de subida, só se salvou da descida na última jornada.

Tendo em conta a categoria dos intervenientes, todos comprovadamente envolvidos em esquemas criminosos ligados ao futebol, o observador mais malicioso poderia, facilmente, aceitar as seguintes especulações:

- o Milan teria pago a mais pelo pobre Ali (por esta altura mais um personagem de um "Quem quer ser Bilionário?" do que jogador de futebol) talvez para pagar um favor antigo a Pinto da Costa, talvez para comprar um favor futuro (Hulk? Algo muito menos genuíno?), talvez apenas para limpar das suas contas alguns euros incómodos, aproveitando uma contabilidade tão criativa que consegue transformar um volume superior a 250 milhões de euros em receitas extraordinárias no período mais rico na história de um clube num défice anual de dez milhões de euros. Depois dos petrorublos do Dínamo de Moscovo, eis que chegariam as euroliras de Berlusconi para alimentar o insaciável dragão. De tudo isto, por razões óbvias, é melhor não falar por telemóvel, não apareça por aí, mais tarde, uma Máquina de Lavar Dourada...

- Quanto maior o montante, maiores as comissões, e aí toda a gente come, do Galliani ao Araújo, passando pelo sumo-sacerdote, que desde o tempo do Futre descobriu o maná que é negociar com gente da estranja com o mesmo gabarito.

- Com o Apito Dourado sempre pendente, o cidadão Araújo recebe uma gratificação justa pela sua lealdade, passada, presente e futura. Se tiver que fugir para a Conchinchina já não vai descalço. Paga-se ao homem, enche-se-lhe a algibeira e cala-se-lhe a boca, não vá a carne ser fraca. O homem da fruta passaria apenas a consumidor. Angariação, daí para a frente, só por desporto.

- Em contraponto, o Araújo, que é a voz do dono, fica com uma parte da sua parte, talvez vinte por cento do dízimo (300 mil euros, digam lá que é poucochinho para quem só tem de ter uma testa de ferro), e o resto vai para o "presidente" (quem é que é amigo?), no fundo o verdadeiro dono dessas partes pelas quais Araújo e a respectiva assinam de cruz.

Mas tudo isto, obviamente, é ficção. Porque, pelo que leio nos jornais, tudo é explicado pelo génio negocial de Pinto da Costa. Só acho que é um desperdício. Se Malcolm Glazer o tivesse no Manchester United, por exemplo, Pinto da Costa não só teria conseguido vender Cristiano Ronaldo por 150 milhões de euros como faria Florentino Pérez sentir-se grato e feliz por não ter pago mais.

PAPA - manifesto político (segunda parte)

1 - O PAPA sou eu. Não tem sede, não tem quotas, nem orçamento, e não tem hierarquia porque não tem orgãos sociais. Sou eu que decido e eu faço o que, no fim, achar melhor para o partido, incluindo arregimentar partidários quando for caso disso. Quem quer entrar, entra quando quiser, quem quer sair, sai quando quiser, quem quiser ir passando vai passando, nem sequer precisa de dizer que passou. O que une as pessoas ao PAPA são as acções do PAPA. Se o PAPA estiver velho, caduco, desactualizado ou se não servir para nada, o problema é do PAPA (que sou eu). Se o PAPA servir para alguma coisa, melhor para todos.

2 - O único objectivo político do PAPA é a destruição de Pinto da Costa. Note-se que a destruição de que se fala não é física, uma vez que aquilo que se pretende matar é o que Pinto da Costa representa, e não o corpo de Jorge Nuno Pinto da Costa (não fosse alguém pensar que o PAPA é uma célula terrorista...). Como destruição de Pinto da Costa entende-se não o denegrir de Pinto da Costa mas a revelação, ao povo, da real natureza dessa ideia. No caso de tudo o que o PAPA conseguir demonstrar é que está enganado quanto a Pinto da Costa e à sua acção perversa, o PAPA extingue-se com uma nota de esclarecimento. O sucesso do PAPA estará alcançado quando ficar claro, para as futuras gerações, que em tempos houve em Portugal uma espécie de homem político, do qual Pinto da Costa é o representante supremo, que colocou em risco a própria existência nacional, por mera ignorância e egoísmo. Se isso tiver de ser alcançado após a morte de Jorge Nuno Pinto da Costa, será. O PAPA não tem um limite temporal definido. O objectivo do PAPA, resumidamente, é desmistificar Pinto da Costa.

3 - O PAPA fará o que for preciso para cumprir o seu objectivo, incluindo procurar um assento na Assembleia da República, se isso for considerado necessário.

4 - Todas as receitas angariadas pelo PAPA serão canalizadas para o seu objectivo. O PAPA não tem qualquer finalidade pessoal ou outra que não seja a da execução do seu objectivo.

E como manifesto chega. Para burocratas é a sala ao lado. 

sexta-feira, 5 de junho de 2009

PAPA - o manifesto político (primeira parte)

Chamo-me Hugo Leal, tenho 35 anos, nasci e vivo em Lisboa, fui jornalista e empresário, hoje sou investigador e autor de originais e atingi o limite da tolerância. Compreendi que não atingirei a paz, na velhice, se sentir que não fiz nada para evitar deixar aos meus filhos um país transformado em postíbulo, explorado pela escumalha humana, onde os seus direitos seriam diariamente sujeitos a saque e a sua integridade violentada. Jamais me perdoaria, e se até hoje, mesmo tendo um sentimento político forte, nunca me movi nesse sentido, por não encontrar motivos suficientes para isso, agora decidi mudar de rumo e intervir politicamente no estado da nação portuguesa.

Como pontos prévios ao meu manifesto político, os seguintes:

1 - Como elemento aglutinador e motivador de massas, determinando, pela sua acção, comportamentos sociais bem definidos, Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto, é um político;

2 - Considero Pinto da Costa o principal político português do período pós-Salazar, sendo, hoje, o símbolo e principal representante de uma determinada cultura política que se instalou no país entre a Revolução de 25 de Abril de 1974 e os dias de hoje - uma cultura que caracterizo como socialmente corrupta e imoral, atentadora contra o espírito que tem de orientar Portugal;

3 - Considero legítimas as acusações de que Pinto da Costa manipulou e subverteu o sistema desportivo e legal português de forma a aumentar o seu poder e a alimentar os seus interesses pessoais, e considero que a incapacidade do actual poder judicial (quer no âmbito desportivo quer fora dele) de punir adequadamente esse comportamento representa uma falha política nacional que deve ser corrigida;

4 - Não sou apologista de ideologias políticas programáticas. Não acredito em sistemas coerentes complexos que abranjam toda a actividade social e moral do Homem e que determinem um comportamento ideal em cada situação da sua vida. Pelo contrário, acredito na política de acção pontual, no objectivo político localizado que se concretiza em si próprio, não almejando ir além dele mesmo, e que seja capaz de reunir, numa causa, indivíduos de ideologias e objectivos gerais diferentes. Acredito que a verdadeira natureza de uma sociedade se cumpre não naquilo que deveria ser mas naquilo que consegue chegar a fazer;

5 - Não quero que os portugueses deixem de fumar, deixem de beber, deixem de comer, deixem de foder, de se drogar, de se zangar, de se agredirem, de irem às putas, de se traírem, de praticarem adultério, de serem vaidosos, de libertar o animal que lhes habita nas entranhas, assim como não quero que deixem de ser e de fazer o oposto disso. Não quero um Portugal asséptico, liofilizado e normalizado, não quero maçãs sem bichos, não quero santinhos nem obrigadinhos. Quero um país com aberrações, com criminosos, com aldrabões a viverem ao lado de sensaborões, de certinhos e de virtuosos. Quero um país rico em relações humanas, diverso, activo e vivo. Não quero uma nação de zombis. Quero um carteirista no rés-do-chão e um cientista no primeiro andar. Mas não quero que o cientista tenha de sair de casa porque o carteirista decidiu subir as escadas.

Quero um país onde a lei de um tribunal seja diferente da lei de uma casa de alterne. Quero um país que se eleve, não que se arroje. Que, mesmo vivendo em equilíbrio precário, tenda para a imaginação, não para a prostituição. Quero um país onde os que possam atingir a excelência não fiquem, à infância, atolados no pântano. Não quero que os pântanos desapareçam, só exijo que não apenas eles existam. E isso implica, forçosamente, que uma pessoa que oferece prostitutas a árbitros e que combina resultados não possa, de maneira nenhuma, participar na organização de um jogo de futebol, e muito menos ser a personalidade mais influente e decisiva no universo desportivo desse país.

6 - Não é aceitável atribuir ao futebol uma importância inferior à de objecto de interesse nacional. Só uma ignorância ou um preconceito desadequados levam a que, dada a sua dimensão política, o futebol não seja visto como assunto de Estado.
Nenhuma outra causa desde o 25 de Abril de 74 mobiliza de forma tão abrangente e intensa as pessoas como o futebol. O Euro 2004 foi o momento de maior exaltação da unidade e orgulho nacionais, pelo menos, dos últimos cinquenta anos. O futebol português é, hoje, uma indústria exportadora de mão-de-obra qualificada com um retorno anual de dezenas de milhões de euros para o país. O país é reconhecido hoje, no estrangeiro, mais pelos méritos dos seus profissionais de futebol do que por qualquer outra faceta da sua história, incluindo os Descobrimentos.
Portugal tem o melhor e mais caro jogador do mundo (entre os últimos dez teve dois, Figo e Ronaldo) , o melhor e mais caro treinador do mundo (Mourinho), o maior agente de futebolistas do mundo (Jorge Mendes) e uma selecção que, considerando o poder económico do país, o campo de recrutamento e os resultados atingidos, pode perfeitamente ser considerada a melhor do mundo nos últimos cinco anos.

Os jogos de futebol são o principal motivo de congregação no país. 3,5 milhões de pessoas votaram nas últimas eleições europeias, 4 milhões foram ao futebol durante a última época. Sendo que ir votar implica ir a uma escola uma vez por ano e pôr uma cruzinha num papel e ir ao futebol implica, fundamentalmente, gastar dinheiro e todas as semanas, é significativo.
Há três jornais diários e uma cadeia televisiva dedicados, fundamentalmente, ao futebol, sendo que nos restantes meios se fala bastante de futebol e nestes quatro muito raramente se fala de outra coisa.

O futebol é o principal exercício de expressão política em Portugal e os seus dirigentes mais importantes políticos extremamente influentes no quotidiano português.
Há poucas coisas (se alguma) que sejam realmente mais interessantes e importantes para os portugueses que o futebol, e é isso que determina o seu posicionamento na sociedade, não aquilo que alguns pensam que deveria determinar.
Se a máxima "pão e circo" pode ser ofensiva para a caracterização de Portugal, ela não deixa, contudo, de ser verdadeira. E a questão de que se trata, mais do que o "pão e circo", é que pão e que circo.

7 - Pinto da Costa não representa, aqui, um nome, mas um valor.
Jorge Nuno Pinto da Costa é um indivíduo nascido no Porto, com a sua história pessoal e familiar e determinadas características que o transformaram numa espécie de capone local, um meliante invulgarmente apto, que por essa razão se distinguiu dos outros. Isso não é, por si só, extraordinário.
Pinto da Costa é a ideia. E a diferença entre Jorge Nuno Pinto da Costa e Pinto da Costa é a mesma entre capone a as caponadas: os actos de uma pessoa superam a importância dessa pessoa.
JNPC só há um, nasceu e há-de morrer. Pinto da Costa há dentro de cada um de nós. Um vigarista, um espertalhão, uma tentação sem escrúpulos.
A grande questão, aqui, é a escola. O que passa. Quando JNPC morrer Pinto da Costa vai continuar a existir, porque ele é os seus actos, e os seus actos são o que fica.
O triunfo político de Pinto da Costa significa que o futuro do país será edificado sobre as bases que ele advoga. E o que quererá isso dizer? Em resumo, que não existem regras, que não existem princípios definidores no relacionamento entre as pessoas, que aquilo que define um país, o nosso país (a solidariedade fundamental, o respeito pelas leis comuns, o saber parar onde começa a dignidade do outro, o aceder ao mal menor para atingir o bem comum, os mais sagrados princípios de convivência e entreajuda) pode ser desbaratado desde que isso resulte numa vantagem de um indivíduo ou de um grupo favorecido de indivíduos sobre os restantes, ainda que esse grupo seja numeroso.

O triunfo de Pinto da Costa significaria o gangrenamento da coesão nacional, a destruição de um espírito português e abriria espaço para um desmembramento de Portugal, para um afastamento dos valores nacionais e para um retrocesso a uma sociedade feudal que, em boa verdade, nunca foi a portuguesa, nem no tempo em que essa era a prática noutros territórios europeus.
A derrota de Pinto da Costa significaria um triunfo sobre todos os Pintos da Costa, do Governo ao bar de alterne, que estão convencidos de que o país está a saque, e que a única coisa que interessa é sacar enquanto se pode, independentemente dos que, nas galés, tentam levar o barco para a frente.

Tendo isto por base, decidi criar um novo partido político: o PAPA - Partido Anti-Pinto da Costa.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Se eu fosse eleito presidente do Benfica

Antes de mais nada, antes de ser eleito, fazia o que fazem todos: mentia para conseguir ser eleito.

Mas só mentiria porque os sócios do Benfica estão num ponto de tal desespero que só conseguem votar em quem lhes minta muito e descaradamente.

Depois disso, e vencendo, começava a fazer o que realmente queria. Punha o conta-quilómetros a zero, e começava pela equipa de futebol.

O mais depressa possível vendia os seguintes jogadores: Maxi Pereira, Sidnei, David Luiz, Luisão, Yebda, Di Maria e Cardozo. Daí resultariam receitas imediatas na ordem dos 55 a 60 milhões de euros, que abateria, imediatamente, no passivo sujeito a maiores juros. Em quatro anos de mandato isso significaria uma economia de cerca de cem milhões de euros, o equivalente a dez participações consecutivas na Liga dos Campeões – e isto não partindo de um princípio, altamente falível, de que nesses dez anos, com uma nova equipa e uma nova mentalidade e organização, não conseguisse pelo menos quatro participações na Liga dos Campeões - o que reduziria o passivo para valores irrisórios, já para não falar em ser campeão uma ou duas vezes, o que aumentaria as receitas para o dobro ou o triplo, tornando o clube, simplesmente, lucrativo.

Entre salários e prémios, durante o primeiro ano apenas, pouparia cerca de doze milhões de euros. Com esses doze milhões de euros, que seria o capital disponível para a reabilitação do plantel, faria duas coisas:

- apresentaria uma proposta de contrato de cinco anos a Carlos Queirós, um dos melhores treinadores do mundo e igualmente um dos maiores detectores de talentos a nível internacional, com uma cláusula de rescisão unilateral de vinte milhões de euros (só para ele não ficar com medo de ser despedido, porque o único mal do Queirós é quando fica nervoso e começa a vazar que nem uma gasosa). Se o Queirós não aceitasse, por achar que já não tinha vida para isso, ficava mesmo com o Diamantino ou com o João Alves, que estão mais do que aptos para a guerra, se calhar até mais que o Queirós. Também podia ir buscar o Cajuda, que daria uma perna para treinar o Benfica, nem que fosse em veteranos, e faria perfeitamente;

- pagaria os salários aos substitutos dos transferidos, substitutos esses que seriam escolhidos entre os actualmente emprestados, os juniores e um ou outro veterano da Liga com carácter e que sabem como se ganha jogos no campeonato. Seriam escolhidos segundo uma filosofia inversa à que actualmente domina o futebol do Benfica: em vez de fazer uma equipa para os jogadores traria jogadores para uma equipa, escolhidos pelo treinador para funcionarem como bloco, e não como um somatório de elementos. Não estou a falar só de portugueses. Entre os duzentos jogadores da Liga há elementos em qualidade suficiente para se fazer uma equipa competitiva. Uma equipa competitiva, no Benfica, ganha muito mais do que uma equipa competitiva no Guimarães. É a própria grandeza do clube que leva os jogadores a transcenderem-se.

Na verdade, só há uma razão para jogadores como Fábio Coentrão, Nuno Assis, Mantorras, Jorge Ribeiro, João Pereira e tantos, tantos outros, não se imporem no Benfica: é que ninguém espera que eles se imponham, a começar por eles próprios.

A mentalidade instituída é a de que não há problema em os jogadores jovens falharem no Benfica porque, em última análise, não se espera nada deles. Se resultar, resultou, se não resultar não interessa, porque também ninguém estava realmente à espera que resultasse. A ausência de pressão é o primeiro passo para o fracasso individual, e não tenho a mínima dúvida de que se o Benfica pura e simplesmente deixou de criar jogadores como Chalana, Diamantino, Nené, Álvaro, Veloso, Vítor Paneira, Alves, Humberto Coelho, Fonseca, Garrido, Hernâni, Vítor Baptista, Toni e muitos, muitos outros, que hoje seriam titulares indiscutíveis desta equipa, mesmo tratando-se em alguns casos de futebolistas apenas regulares, é porque mudou o paradigma.

Antes, um jogador sofria a pressão de ser uma solução, e falhava ou sucedia, mas quando sucedia ganhava-se um valor seguro mesmo que não se ganhasse uma estrela – quem é que não trocaria qualquer um dos últimos laterais-esquerdos do Benfica por um Veloso? Hoje, um jogador faz um jogo bom e sente-se realizado porque não se lhe exige mais. Segue-se a inconsistência própria de quem nada conquistou, a quem tudo foi facilitado. É a lei da vida, inapelável.

Com esta simples operação de reorientação de paradigma conseguir-se-ia o seguinte:

- o Benfica seria devolvido ao seu ambiente mais confortável, aquele em que se vê em inferioridade relativamente aos seus rivais e menosprezado pela opinião pública. Nesse contexto, em que nada tem a perder, o Benfica representa o maior perigo. Para que conste, na última vez que o Benfica iniciou um campeonato submetido ao ridículo e à menor das expectativas conseguiu o melhor resultado da sua História, vencendo por 6-3 em Alvalade, conquistando o campeonato e apenas sendo eliminado da Taça das Taças porque jogou com o Parma e perdeu com a máfia;

Foi com essa mentalidade de clube da ralé, aliás, que o Benfica se tornou o maior clube português. Para quem não sabe, no princípio do século XX o Sporting roubou ao Benfica os seus melhores jogadores e pensou-se que a equipa não sobreviveria. No ano seguinte o Benfica ganhou o campeonato de Lisboa ao Sporting.

Todas as grandes conquistas do Benfica foram resultado do processo natural da resposta adversidade e à inferioridade, até aos anos 70, altura em que o Benfica se tornou um clube fidalgo e começou a querer facilitar-se a vida, deixando de acreditar nas suas capacidades e abrindo a porta a jogadores estrangeiros. Desde que se afidalgou o Benfica só voltou a triunfar, e sem nunca ser claramente melhor que os outros, com Eriksson, o melhor treinador do mundo na sua época. Os restantes triunfos foram pírricos e apenas contrabalançaram pontualmente o poder crescente do Porto.

Como complemento e consequência disto…

-… o Benfica seria devolvido ao povo, que sempre viu nele o seu clube por se sentir nele representado, muito mais que pelas vitórias. De facto, costuma dizer-se que há mais benfiquistas porque houve tempos em que o Benfica ganhava sempre e por causa do Eusébio. Não é verdade. A implantação popular do Benfica é muito anterior a isso, e enraíza em factores muito mais psicossomáticos do que apenas as vitórias. O Benfica foi sempre o clube mais popular de Lisboa porque era nele que as pessoas se reviam. Enquanto o Sporting ostentava belos e aristocráticos nomes, dinheiro e, naturalmente, vitórias, o Benfica lutava com as armas que tinha à mão, geralmente jogadores que vinham da mais básica condição, brancos ou negros, bonitos ou feios, leais ou desleais. O Benfica era a equipa do povo porque o povo via nele os seus filhos ranhosos, que em equipa se tornavam fortes e, recorrendo por vezes não mais que ao simples desespero, conseguiam ir contrariando a superioridade económica do Sporting.

A vitória épica na Taça Latina, no Jamor, foi a súmula desse caminho. O triunfo nas Taças dos Campeões, frente a colossos cosmopolitas como o Barcelona e o Real Madrid, uma sequela. E nunca se deve menosprezar o comentário de Bella Guttmann quando, ao regressar ao Benfica e ver os carros de topo de gama no parque de estacionamento, vaticinou que aquela equipa nunca mais ganharia nada.

Por muito que isso faça confusão a alguns benfiquistas, o Benfica só será o Benfica enquanto jogar com ranho no nariz, mesmo que seja numa final da Liga dos Campeões;

- Dito isto, não tenho dúvida de que, se se seguisse esta política e se baixasse o preço dos bilhetes em dois ou três euros, fazendo acreditar aos sócios que todos seriam poucos para devolver a raça ao Benfica, não haveria um lugar vazio no Estádio da Luz. A capacidade de mobilização dos benfiquistas é imensa, e só é superada pela sua crença no impossível. Não só os benfiquistas encheriam o Estádio da Luz como esperariam, genuinamente, que a equipa ganhasse todos os jogos. Alguns seriam ganhos só por causa disso, pela mera pressão humana. Outros seriam perdidos, mas não sem um espírito de luta que fizesse os adeptos aplaudir a equipa, no fim, e voltar quinze dias depois. Porque o Benfica é assim. Mais do que a vitória (e é isso que Quique, por exemplo, não entendeu), os benfiquistas esperam raça. Sabem que, havendo raça, mais tarde ou mais cedo haverá sucesso, porque essa é a História Natural do clube;

- Para os jogadores portugueses o Benfica voltaria a ser o que sempre foi: a derradeira fonte de glória. Um limite acessível e ao seu alcance onde eles poderiam atingir o triunfo e o reconhecimento do seu povo, da sua nação. O seu clube natural. Um clube de âmbito nacional, popular e potencialmente dominador, capaz de se dar a toda a gente e de de todos receber, de aglutinar o sentir de um povo e de se sentir recompensado por isso. Um clube com alma. Um clube místico, de quem nada se espera e que tudo se propõe alcançar.

Penso que o momento mais subvalorizado na História do futebol português foi aquele em que o Benfica começou a contratar jogadores não-portugueses. E não o digo por xenofobia. Acho, aliás, que o espírito próprio do emigrante, que parte para outra vida e tem de lutar o dobro para ter sucesso, é potencialmente benéfico para o ADN de uma equipa. Mas, no caso do Benfica, isso resultou num empobrecimento do ADN. Resultou enquanto os estrangeiros que vieram eram inferiores aos portugueses, deixou de funcionar quando se mudou o princípio e se contratou Valdo e Mozer, duas estrelas que se tornaram nas estrelas da equipa. Nunca esquecerei, apesar de jovem, a luta interna movida por Diamantino contra Valdo. Era a própria génese benfiquista que se revoltava. E sei que Valdo era e sempre foi melhor profissional que Diamantino, e que qualquer treinador preferiria ter o brasileiro na sua equipa. Mas aquilo não era o Benfica. No Benfica havia choques de vedetas e dissensões ente jogadores, havia grupos e havia política, mas havia, sobretudo, uma unidade superior, uma coesão que resultava da homogeneidade nacional.

É um facto que o Benfica começou a perder a corrida para o Porto quando os jogadores portugueses do Porto se revelaram mais solidários e profissionais que os do Benfica, no tempo de Pedroto, mas perdeu decisivamente o comboio quando, em vez de mudar os métodos para tentar melhorar, mudou de paradigma e começou a olhar para o estrangeiro como solução para o problema. Não só nunca foi a solução como perdeu a sua grande vantagem: a identidade popular. Se tivesse de escolher um momento de viragem histórica determinante no Benfica escolheria a derrota de Fernando Martins com João Santos nas eleições para a presidência .

O Porto é, hoje, o clube do povo porque representa mais fielmente os valores populares (lealdade, unidade contra a adversidade, tradição). Os grandes símbolos do Porto nos últimos vinte anos são João Pinto, Fernando Couto, Jorge Costa, André, Paulinho Santos, Vítor Baía. Os dois últimos símbolos do Benfica são João Pinto, despedido, e Rui Costa, que jogou um ano mais dois de pré-reforma em quinze possíveis. Quem é que transporta, hoje, a alma do Benfica? Nuno Gomes? Luisão? Rúben Amorim? Absurdo.

A falta de fé condenou o Benfica ao degredo sentimental e ao fracasso desportivo. O Benfica é, acima de tudo, uma profissão de fé;

- Finalmente, o Benfica conseguiria um feito importantíssimo: regressaria ao jogo colectivo, por mera falta de opções. A ausência de individualidades obrigaria os jogadores a procurarem soluções ao lado, e a apresentarem soluções, a inventarem-nas. O jogo colectivo é o jogo de sucesso. É a base de tudo. A arte de encontrar uma equipa que funcione como equipa é a verdadeira pedra de toque no futebol. Há exemplos gritantes disso ao longo da história. O Benfica de Guttmann. Qualquer equipa alemã. O Porto de Artur Jorge. O Kiev de Lobanovsky, uma verdadeira máquina de jogar futebol.

Em futebol, invariavelmente, ganha a melhor equipa, e não o melhor conjunto de jogadores. As equipas históricas são aquelas, como o actual Barcelona, em que talentos excepcionais cedem ao colectivo. O princípio não é ter os jogadores, é ter uma equipa e ir metendo lá melhores jogadores. Veja-se nisso algo mais importante (eu disse mais importante) para o sucesso do Porto do que os quinhentinhos ou a fruta para dormir e ficar-se-á mais próximo da realidade.

E digo mais: duvido muito que uma equipa construída nestes moldes ficasse quatro anos seguidos abaixo do segundo lugar, e duvido ainda mais que, em dez anos, o Benfica não se tornasse novamente no clube mais forte de Portugal.

Esperem… Lembrei-me agora. Não posso ser presidente do Benfica. Este ano não tive dinheiro para pagar as quotas.

Este clube está mesmo amaldiçoado.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Jihad

Ouvi hoje entrevistas dos candidatos à presidência do Sporting e fiquei a saber que no dia 15 vai ser apresentada uma lista para as eleições do Benfica onde entra o José Veiga. A meio da entrevista do Paulo qualquer coisa Cristovão, que foi inspector da PJ, apercebi-me de uma evidência que, sendo herética, também é, afinal, óbvia.
É absolutamente irrelevante o "projecto", as "ideias" ou qualquer outra maravilha apresentada por quem queira ser presidente de Sporting ou Benfica. Só há uma coisa verdadeiramente importante num futuro presidente de qualquer um desses clubes: ser capaz de destruir Pinto da Costa, e com isso terminar um ciclo de domínio esmagador do Porto.

Tudo o resto é uma ilusão, porque em Portugal há três colossos para um lugar, o de vencedor, e quem não está nesse lugar falha. O Sporting está há quatro a anos a acabar em segundo no campeonato e ganhou duas taças, com metade do dinheiro, e mesmo assim os sportinguistas não suportam o chamado insucesso. Porque os clubes grandes têm de ganhar muito para se considerarem realizados. Nesta conjuntura, o único grande problema de Benfica e Sporting é o Porto, que se encontra de tal forma blindado que não permitirá mais que breves intervalos na sua hegemonia - a não ser que seja confrontado e derrotado no seu ponto mais íntimo: Pinto da Costa.

Digo destruir porque Pinto da Costa jamais se renderá. E porque o grau de violência e confronto necessários para derrotar Pinto da Costa pressupõe uma autêntica guerra atómica.

Sim, depois de ver Pinto da Costa a ostentar a sua impunidade durante as últimas semanas, absolutamente convencido de que é intocável e de que deixará o clube imune aos ataques dos lisboetas quando partir - deve por isso agradecer muito aos lambe-cus dos jornais que preferem mistificar um tiranete a defender os princípios mais elementares da vida em sociedade -, acredito que a única coisa que o impedirá de levar a sua avante é uma guerra atómica que, se for preciso, queimará todo o futebol português.
Para dizer a verdade, o futebol português está de tal forma putrefacto que duvido que o melhor que possa acontecer a toda a gente, por motivos da mais básica higiene mental, não seja a imolação em pira funerária.

A destituição de um papa encerra algo de cataclísmico. Um papa é o poder supremo na Terra. Mas os papas também se derrubam. Exige uma audácia napoleónica e medidas extremas, exige ausência de escrúpulos - porque um papa só se torna papa se prescindir, igualmente, dos escrúpulos. Mas faz-se.

No futebol português esse combate teria de ser feito simultaneamente a nível desportivo e político, e sem olhar a meios, partindo do mesmo princípio de Pinto da Costa: o de que os fins os justificam. E se isso implicasse deitar para a lama os primeiros cem anos do futebol português, que fosse.

Pinto da Costa sempre foi, antes de tudo o resto, um político, e houve uma coisa que Pinto da Costa sempre tentou evitar: que Benfica e Sporting se aliassem contra o Porto.
Com Fernando Martins, José Roquette, Dias da Cunha, Manuel Damásio, Soares Franco e outros, Pinto da Costa tentou sempre meter-se entre os dois clubes de Lisboa. Quando não conseguiu eles nunca souberam unir-se, ou por fraqueza dos seus dirigentes ou por estupidez.
Permitindo-se depender dos resultados desportivos para fortalecer o seu clube, Pinto da Costa prosperou, primeiro porque tinha uma filosofia competitiva e um método de trabalho muito superiores aos dos seus dois inimigos e depois porque, socorrendo-se de processos genuinamente mafiosos, passou a controlar a arbitragem, o que lhe permitiu desequilibrar a sorte a seu favor quando ela andava incerta, como foi o caso evidente dos anos Artur Jorge (segunda passagem), Carlos Alberto Silva ou António Oliveira.

Juntando a isso a subserviência dos paisanos se formou a hegemonia que hoje conhecemos, e que tem muito mais de habilidosa que de categórica. Na verdade, ninguém consegue convencer ninguém que o presidente do Porto não recebeu árbitros em sua casa esta época, ou que não os subornou, porque é o mesmo homem que o fez há três anos e é o mesmo homem que o anda a fazer há trinta. E já ninguém consegue levar a sério seja o que for que seja dito por alguém ligado ao Porto porque a mentira, pura e simples (como se viu no caso do Deco com a Selecção Nacional), é um recurso normalizado dentro daquelas paredes. Até nas coisas mais elementares, como na continuidade de Jesualdo Ferreira, que era e sempre foi óbvia, não conseguimos acreditar que o que se diz é verdade, mesmo que seja e não haja razão para o não ser. O Porto tornou-se a casa da cabala, onde o profano se mistura promíscua e impunemente com o sagrado.

Pinto da Costa sabe que o seu sucesso depende da fraqueza de Benfica e Sporting, e eu cada vez mais me convenço de que a única saída para o futebol português, provocada pelo próprio Pinto da Costa - que, como qualquer batoteiro digno desse nome, prefere virar a mesa a perder a mão -, é a dissolução, e de que, mais do que de presidentes visionários, os dois clubes da capital precisam de jiadistas na mesa da presidência. De homens que estejam dispostos a tudo.

Um cenário.
Benfica e Sporting unem-se e decidem que o sistema está de tal forma viciado que não permite outra coisa que não o triunfo do Porto. Tudo é válido, receber árbitros em casa, pagar-lhes prostitutas, influenciar classificações, manipular carreiras, enfim, basicamente aquilo que Pinto da Costa faz há anos, sem que a justiça ache relevante.
Decidem, então, iniciar uma nova competição profissional de futebol, convidando o Porto, desde que este aceite seguir o modelo proposto, que pode incluir, por exemplo, a contratação de um comissário estrangeiro com poderes supremos sobre toda a competição, como se passa na América, ou a contratação de árbitros profissionais estrangeiros (algo que já não deverá demorar muito tempo a acontecer na realidade).

O Porto, obviamente, rejeita essa solução, porque o sistema vigente lhe serve perfeitamente. Consegue a aliança da Liga actual e da FPF, por razões institucionais e políticas (por medo de Pinto da Costa, basicamente - sim, não tenho dúvida de que são assim tão pequenos os Madailes deste país).
No entanto, os outros clubes começam a fazer contas. As suas receitas dependem de duas fontes essenciais: as transmissões televisivas e as bilheteiras nas recepções aos grandes. De um lado têm uma potência regional, que não reúne mais de 25 por cento da audiência televisiva nacional e não enche mais de meio estádio, e é preciso que esse estádio esteja a menos de cinquenta quilómetros do Porto. Talvez nem sequer leve tanta gente, uma vez que a partir desse momento o Porto ganharia trinta campeonatos em trinta disputados, tal é o desequilíbrio para as restantes equipas. O interesse competitivo pura e simplesmente desapareceria.
Do outro estão três quartos dos adeptos e das audiências, pelo menos dois jogos em casa quase cheia (com o Benfica em posição de ser campeão está sempre cheia) e uma competição mais cosmopolita e aberta, com uma promessa de sistema liberto de estratagemas (desde que a coisa fosse bem feita, com genuína honestidade), onde o poder não está oculto.

Vejo clubes como o Guimarães, Marítimo, Belenenses, Setúbal, Nacional, Leiria, Académica, Portimonense, Olhanense, Santa Clara e outros a aderir à nova Liga - clubes com nada a ganhar numa "Liga tradicional", pois nem sequer teriam acesso à Liga dos Campeões, que é onde está o dinheiro, e tudo a perder, pois a competição interna ficaria arruinada.

Vejo a Liga e a FPF a suspenderem os dissidentes das competições internacionais e a UEFA e FIFA a ameaçar castigar o país e a seleçcão com uma suspensão de prazo indefinido enquanto as partes não se entenderem.

Vejo Pinto da Costa a manobrar todas as suas peças, da política à finança, para derrotar a nova "liga lisboeta", e, se Benfica e Sporting se mantiverem unidos, permitindo-se levar até ao fim a sua mão, vejo-o a deixar-se querer por ambos, de forma a conseguir uma retoma do modelo antigo mediante determinadas cedências de circunstância, o que, a longo prazo, aproveitaria para exibir como mais uma vitória política.

Se conseguir ver uma aliança forte, que se mantém irredutível e inicia o novo campeonato aceitando o ostracismo europeu, assumindo uma competição meramente interna, porventura com novas regras financeiras (tecto salarial, divisão por cotas de receitas de merchandising, quatro rondas mais playoff, menos árbitros, limite de jogadores no plantel, jovens portugueses em número obrigatório, etc) que garantam a sanidade económica de todos, vejo um Porto a definhar desportiva e economicamente, incapaz de se alimentar unicamente das receitas europeias e incapaz de ganhar lá fora, a perder aliados. E vejo, após duras batalhas mediáticas, Pinto da Costa a ceder.

Nessa altura, vejo duas coisas: as instituições e os políticos a abandonarem-no (pois o respeito que lhe têm vem do medo, e as pessoas não respeitam os poderosos que caem e que antes temiam) e Benfica e Sporting a exigirem a sua cabeça para admitirem o regresso do Porto à competição, sob os moldes ditados pelos outros dois grandes.
Para que isto acontecesse, contudo, seria preciso instinto assassino, e não ter medo de hostilizar o Porto e as gentes da cidade. Seria necessário assumir que aquela guerra era contra eles, que eles tinham estado do lado imoral, e não apenas antagónico, da batalha, e que do que se tratava ali era de um indulto voluntário, e não da restituição de um direito. É esta frieza, quase cruel, que falta aos portugueses, e é por isso que um velhote jovial e putanheiro vai cantando e rindo, contando os cem anos dos seus longos dias entre uma peça de entrecosto e uma taça de Portugal.

Vejo mais facilmente José Eduardo Bettencourt a ganhar as eleições do Sporting a um ex-investigador da PJ (reparem na suprema ironia), e Luís Filipe Vieira a renovar o seu mandato no Benfica, passando mais dois ou três anos a ir para a guerra com uma bisnaga, derrotando a única pessoa que, nos últimos tempos, se preocupou mais em ganhar a Pinto da Costa usando as suas próprias armas do que em queixar-se de que os dados estavam viciados.

Também vejo alguém, um dia, perder a cabeça, entrar no restaurante onde está o Pinto da Costa a jantar com a sua camarilha, dar-lhe dois tiros na cabeça e suicidar-se a seguir. E se alguém achar que esse é um cenário impossível digo já que, num ambiente eminentemente mafioso e corrupto como é o do futebol português, não existiria forma mais natural das coisas acabarem. Aliás, duvido que entre os tantos milhões de ofendidos ao longo dos anos por Pinto da Costa não haja meia-dúzia a quem essa ideia não tenha já passado pela cabeça. Talvez esteja apenas a um mau divórcio de distância.

Sim, é a isto que chegámos.