sexta-feira, 24 de julho de 2009

O Nariz por um leão

A estrelinha voltou a brilhar. Subitamente uma época problemática para José Mourinho começou a dar a volta, com a troca de Ibrahimovic por Eto'o e Hleb, e com a contratação de Lúcio.
Problemática a sério.

Para Mourinho a motivação é a chave. Motivar uma equipa (e um clube, do presidente ao adepto) que ganha facilmente em Itália, num ano em que a Juventus melhorou pouco e em que o Milan começou a reconstruir a equipa, é muito complicado. Ganhar o título seria o mais normal, mas uma nova ausência da final da Champions seria, provavelmente, o princípio do fim de Mourinho em Milão - pelo menos no Inter...

Além disso, comprou pouco e nem tudo o que quis. Comprou Thiago Motta (raça a meio-campo) e Milito (acutilância no ataque), que serão instrumentos úteis no seu sistema mas não são jogadores de verdadeira classe mundial. Quis comprar Deco e Ricardo Carvalho mas o dono do Inter deve andar preocupado com o negócio das gasolinas e desconfiou. eriam, contudo, apenas mais dois especialistas para o seu sistema. Sistema que, refira-se, é o verdadeiro segredo do sucesso de Mourinho, e isso é importante.

Mourinho não construiu o seu sucesso adaptando o sistema aos jogadores, mas sim adaptando os jogadores ao seu sistema. E isso não tem só a ver com capacidades técnicas e tácticas para cada lugar mas também mentais. a minha opinião o campeonato mais meritório de todos os que Mourinho já ganhou foi precisamente o último, pois pela primeira vez ele teve de adaptar o seus sistema a um plantel previamente definido e em que dificilmente se podia mexer (pelos elevados salários dos jogadores, sobrevalorizados, em quem ninguém queria pagar).

Veja-se, por exemplo, as semelhanças entre o Porto e o Chelsea. Na defesa, um central de carácter e força e outro mais rápido, versátil e pouco saliente em termos de personalidade (Jorge Costa/Ricardo Carvalho e Terry/Ricardo Carvalho). Laterais de corredor inteiro e tacticamente perfeitos (Paulo Ferreira, Cole, Nuno Valente) mais que de grande qualidade técnica - e por alguma razão Mourinho fez de Maicon, um suplente da selecção brasileira, o melhor defesa-direito do mundo. Um médio-defensivo de passe rápido, pouca bola e grande pulmão (Costinha e Essien). Um médio volante todo-o-terreno, com grande capacidade defensiva e capaz de aparecer a finalizar ou a assistir na grande-área (Maniche e Frank Lampard). Um médio ofensivo de passe penetrante e defensivamente fiável (Deco em ambos os casos). Dois avançados versáteis e rápidos nas alas (Derlei, Robben, Postiga, Kalou) independentemente da qualidade técnica. Um ponta-de-lança rápido, instintivo, definidor, matador (McCarthy e Drogba).

Não é supresa, para mim, que tantos jogadores tenham conhecido o seu período de maior fulgor com Mourinho e depois como que se diluído (Ricardo, Paulo Ferreira, Costinha, Maniche, Deco, Derlei, McCarthy, Drogba até certo ponto, Postiga, Robben e outros). Num conjunto criado para eles serem complementares as suas virtudes ampliavam-se. Noutro conjunto em que elas não podiam ser potenciadas tornaram-se naquilo que nunca deixaram de ser - apenas bons jogadores, alguns casos muito bons mas já não excelentes. Drogba passou de ser um dos três melhores avançados do mundo para ficar, eventualmente, entre os dez ou quinze melhores. O mesmo com Deco entre os médios, Ricardo e Terry entre os centrais. De outros, como McCarthy, Costinha, Derlei, Maniche, Postiga, Paulo Ferreira, mais vale nem falar.

No Inter Mourinho teve de andar a encaixar o seu sistema de sucesso aos jogadores que tinha. O (muito) relativo insucesso da época passada explica-se com isso, mais do que com a sua adaptação ao futebol italiano e vice-versa.

No Inter não havia um Terry ou um Jorge Costa - havia um Materazzi, que é parecido no carácter mas não é a mesma coisa em termos de talento. Ainda assim, Mourinho repescou-o e fez dele capitão, titular e referência - como Terry e Costa o eram nos seus clubes. Este ano haverá Lúcio. Se houvesse Ricardo, Mourinho teria a sua dupla feita.

Não havia um Costinha nem um Essien. Havia Vieira, que se agarra demasiado à bola e já não tem o fulgor físico de outros tempos, perdendo muitos duelos em que antes não dava hipótese.
Não havia Lampard (apesar de ele tentar ir buscá-lo) nem Maniche, por isso Mourinho reinventou Cambiasso, que o próprio não fazia ideia de poder ser assim tão bom jogador pois nunca tinha jogado tão bem na vida. Ainda assim, não é a mesa coisa. Comprou Thiago Motta, um grande talento com problemas de personalidade a quem Mourinho confia poder dar a volta à cabeça. Não me surpreenderia se Motta fosse a grande revelação desta época em Itália, juntamente com Quaresma.

Não havia, realmente, avançados-ala "à Mourinho". Assim se dá a contratação (daí tão cara) de Quaresma e o surgimento do ex-júnior Balotelli, mesmo com o consagrado Crespo atirado para o banco. Daí surge, este ano, Milito, e acredito que ainda outros virão - incluindo Quaresma, que parece pronto, agora, já adaptado à ausência de Portugal que para ele é, aparentemente, problemática, para explodir.

E não havia, definitivamente, o ponta-de-lança típico de Mourinho.

Ibrahimovic, para mim, foi a grande incógnita do Inter a partir do momento em que se soube que Mourinho ia para lá. Não me surpreendeu que houvesse, na altura, rumores de saída, assim como não me surpreendeu minimamente que eles voltassem neste defeso, já depois do sueco ter feito a melhor temporada da sua carreira, confirmando, enfim, o potencial que todos lhe reconheciam mas que ate agora andava a meio-gás.

Ibrahimovic é o oposto do ponta-de-lança típico de Mourinho. Tecnicamente é muito mais forte do que o necessário (para o papel que lhe é atribuído no sistema, entenda-se), é pouco rápido, as suas movimentações são previsíveis e gosta de jogar em todo o meio-campo ofensivo. Tem muito mais de criatividade técnica que de instinto e, apesar de tudo, é relativamente fácil de marcar, desde que não receba a bola perto da baliza em condições de poder jogar no um-para-um e marcar. Não é jogador de aparecer a rasgar, mas de dizer que vai aparecer, aparecer e , quando se pensa que está tudo controlado pelo seu marcador, inventar um recurso técnico que desequilibra e colapsa a defesa. É um jogador de bola, e não de espaços.
O Nariz, como é conhecido pelos italianos, pelo seu narigão judeu, é um cão nobre, com pedigree, e joga limpinho.

Mesmo assim, Mourinho pegou no que tinha e não podia desbaratar (como é evidente), e fez dele, de acordo com a opinião generalizada, um dos três melhores futebolistas do mundo, com Ronaldo e Messi. O que é espantoso, considerando que, para Mourinho, Ibrahimovic sempre foi a escolha possível, e não a ideal. O ideal, para Mourinho teria sido ir buscar Drogba ou Eto'o já o ano passado. Este ano, com um Barcelona "feito à medida" para receber um futebolista do estilo de Ibrahimovic e um Real Madrid a forçar o mercado, a oportunidade apareceu. E Mourinho, apesar de poder dizer o contrário publicamente, deve ter agradecido a Deus quando se deitou na noite em que o negócio foi concretizado.

Eto'o é um dos jogadores mais subvalorizados do futebol mundial. Foi campeão europeu com o Barcelona "de Ronaldinho" e, depois da revolução, voltou a sê-lo com o "de Messi". Foi sempre titular, apesar de ter uma personalidade odiável que, na política, faria dele um potencial ditador subsaariano - e é por isso que sai do Barça, apesar de, aí, se ter tornado no avançado de rendimento mais regular e elevado do futebol europeu dos últimos cinco anos. Em ambas as finais da Liga dos Campeões Europeus foi elo quem marcou o primeiro golo do Barcelona. Em todos os grandes jogos desta era do Barcelona marcou ou foi dos melhores em campo. E chega a Milão na força da idade e da experiência, juntando-se a um treinador que, além de ser o melhor do mundo, está pronto a levá-lo ao lugar a que julga ter direito - entre os cinco melhores avançados.

A Mourinho, Eto'o dá aquilo que deram McCarthy e Drogba, e que Ibrahimovic nunca poderia dar: um instinto assassino africano, a malícia natural dos grandes predadores, o oportunismo, a velocidade, a imprevisibilidade no ataque, e a garantia que nenhum golo se vai perder nem porque Eto'o foi menos sagaz que o defesa nem porque não apareceu quando tinha de aparecer. Um jogador que, enquadrado num sistema que o favorece, se torna praticamente impossível de marcar durante um jogo inteiro. E um animal de ambição. O picante que faltou ao Inter durante toda a época.

Neste momento, e ainda a um mês do final da janela de transferências, consigo perfeitamente ver o Inter a ir buscar mais um ou dois jogadores "à Mourinho", a ganhar outra vez o campeonato e, vindo do nada, a chegar à final da Liga dos Campeões - apesar do Barça, do Real Madrid ou do Liverpool de Benítez. Isto se Mourinho não for, entretanto, despedido.
É que nem toda a gente (com se viu com Abrahamovic e como se vê, em certa medida, com Moratti) está disposta a perceber que o futebol é um jogo simples movido por mecanismos complexos e bastante aleatoriedade.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Ámen

Há duas hipóteses: ou há dez ou onze camaradas a vir ao blogue todos os dias ou essas entradas são automáticas e ninguém lê o que eu escrevo. O que é engraçado é que é mais ou menos indiferente.

Se há alguém de carne e osso desse lado devo só explicar que estive uns dias fora de serviço porque passei pelo hospital a ver se não morria. Se não, então o que vou escrever só vai ter interesse quando, daqui a uns anos, eu vier a poder encaminhar para este texto quem não acreditar nos meus dotes premonitórios, e vou poder dizer-lhes: "Não, eu é que sou o predresidente da Junta!"

Enfim, não só sobrevivi como recebi uma oportunidade de recomeçar muito da minha vida e ainda voltei a casa a tempo de ver o jogo do Benfica na televisão, o que me inspira, hoje, já com um bocadinho mais de saúde e de comidinha semi-sólida no bucho, a escrever sobre anos zero.

Daqui a uma década, a leitura que se vai fazer da nova era do Benfica será, grosso modo, e não especulando em demasia sobre os restantes adversários, a seguinte:

Ano 0, época 2007/08 - Rui Costa, o futuro director-desportivo, que chegou de Milão um ano antes prescindindo de acabar aí a sua carreira e de passar a director no Milan, já exercia funções de planeamento do plantel da temporada seguinte apesar de só em Maio, após o fim da temporada, ser anunciada pelo presidente Luis Filipe Vieira a sua passagem a director-desportivo. Este facto revelar-se-ia da maior importância na década que agora passa, pois foi o verdadeiro momento de definição do futuro imediato do Benfica novamente vencedor que hoje o conhecemos.

Ano 1, época 2008/09 - A escolha de Rui Costa para o cargo de técnico principal redundou num aparente fracasso, com o espanhol Quique Flores a perder, já na ponta final da época, o élan demonstrado na primeira metade - apesar do fracasso nas competições europeias e na Taça de Portugal. O que ficaria dessa época, contudo, seria muito mais profundo.

A saber:
- a montagem de uma estrutura de ciência do treino que permitiu a diminuição até níveis considerados residuais das lesões por desadequação do treino. Essa optimização fisiológica foi a base para a solidez competitiva das equipas do Benfica nos anos seguintes, e calcula-se que graças a ela o clube tenha poupado milhões de euros em contratações e em perdas de jogadores em momentos determinantes da época, assim como valorizado em outro tanto jogadores que, submetidos a essa metodologia, recuperaram a sua capacidade física de base.

- a instituição da Benfica TV, que se revelaria o instrumento cultural e financeiro mais importante do clube, antes de mais porque marcou diferenças em relação aos outros dois grandes, que simplesmente não tinham dimensão para sustentar um canal televisivo próprio. A Benfica TV seria a pedra-angular que permitiria o predomínio económico do clube sobre os seus rivais, e que se tornou importante e visível sobretudo a partir do momento em que os níveis competitivos da equipa foram elevados e estabilizados. Graças ao dinheiro a mais o Benfica passou a poder comprar em qualidade e a rentabilizá-la, em vez de a desvalorizar;

- o tirocínio de Rui Costa no mundo dos bastidores do futebol português, e a sua aprendizagem em relação aos métodos de combate do Futebol Clube do Porto. A perda de Cristian Rodriguez, o Cebola, foi a pedra de toque para alguém que, como Rui Costa, aprende depressa. No ano seguinte, apesar do Futebol Clube do Porto voltar a querer passar a imagem de que tinha roubado os jogadores que queria ao Benfica "em quatro minutos", ela não passou, porque Rui Costa aprendeu a sair de cena quando perdia o controle das situações - e a sair por cima, com contratações que se revelariam mais acertadas que as originais. Na verdade, no fim da época seguinte, muitos se interrogariam se alguns dos nomes lançados para a imprensa não seriam antes iscos atirados ao Porto, à medida que os verdadeiros alvos benfiquistas estavam a ser trabalhados por outro lado.

Ano 2, época 2009/10 - Com a contratação de Jorge Jesus o Benfica, ainda que nem sempre bem, voltou a jogar futebol (em vez de um jogo interno parecido com isso) e a disputar o campeonato nacional (e não uma competição aleatória que só existia na cabeça dos dois treinadores anteriores, ambos espanhóis).

A época acabou com a equipa em segundo lugar, atrás do Sporting, mas a vitória na Taça de Portugal, em Lisboa, frente ao Futebol Clube do Porto, a caminhada até às meias-finais da Taça Europa e a distância de apenas quatro pontos para o campeão deram a Jesus, a Rui Costa e a Vieira o espaço para mais uma época a perseguir o título.

Entusiasmados com a carreira da equipa, os adeptos registaram uma afluência recorde no novo estádio e atingiram-se valores de merchandising e na quotização também elevadíssimos, resultando daí e da venda de Luisão e de Di Maria o melhor ano financeiro na história do Benfica.

Ao mesmo tempo, a hegemónica equipa do Porto parecia ter atingido o seu ponto mais alto um ano antes, caindo, surpreendentemente, para o terceiro lugar no campeonato, ficando fora do acesso à Liga dos Campeões - onde, nesta época atingiu novamente os quartos-de-final, contrabalançando uma campanha interna em que não ganhou nada.

Nesse defeso circularam rumores de que já se preparava o mega-negócio das transmissões televisivas que seria anunciado no próximo ano.

Ano 3, época 2010/11 - O melhor ano do Benfica em muito tempo. Beneficiando da venda forçada de alguns dos melhores jogadores do Sporting e da saída de Paulo Bento, após a conquista do campeonato, para o Sevilha, o Benfica, reforçado com alguns jogadores de grande categoria, vence, finalmente, o campeonato.

Em Janeiro de 2011 é anunciado um novo acordo televisivo que substituirá o que deveria acabar em 2012. É o maior negócio na história do futebol português e é firmado entre Vieira e Joaquim Oliveira, de quem sempre foi próximo e a quem deve, em grande parte, a ascenção à presidência do clube, mas que se viu forçado a aceitar duas variantes que tornaram o verdadeiro valor do acordo muito superior àquele que firmaria, um ano depois, com Porto e Sporting:

- uma parte substancial das remunerações a pagar ao Benfica seriam feitas a posteriori e dependeriam das audiências atingidas pelas transmissões;
- o Benfica manteve o exclusivo nas transmissões de um pacote de jogos por ano cujo valor calculado seria de dez milhões de euros por ano.

Com estas variantes o Benfica passou a receber, em média, mais trinta por cento que Porto e Sporting pelas transmissões dos seus jogos - a diferença de um jogador de topo, todos os anos.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Pantanal

Uma pérola de Miguel Sousa Tavares na sua nortada:
"Também ao FC Porto quiseram tirar o brilho das suas vitórias, através de um bem montado esquema para inventar «jogadas de bastidores» que pudessem explicar e manchar tão insuportável superioridade desportiva. O tribunal tudo julgou sem razão e sem fundamento, mas isso, claro, não convenceu nem calou os caluniadores. Agarram-se às decisões do Conselho de Disciplina da Liga de Clubes, tomadas à revelia de qualquer contraditório ou regra de justiça comummente aceite, pretendendo fazer valê-las contra decisões todas unânimes de tribunais comuns, onde a clubite não entra e os juízes não são nomeados por uma maioria circunstancial de clubes".

Quando acabou de escrever isto, MST estendeu-se na cadeira e começou a rir às bandeiras despregadas. "Lá vou eu pôr outra vez uns largos milhares de lampiões e deitar fumo pelas orelhas."

Miguel Sousa Tavares sabe, porque não é estúpido e só se está a fazer passar por tal, que as leis segundo as quais é julgada a corrupção desportiva são, no mínimo, absurdas. Ele sabe que uma lei que leva a um tribunal três "peritos" de arbitragem para decidirem se o árbitro errou ou não é ou uma lei feita ou por um analfabeto desportivo ou por alguém que, ao fazê-la, tentou deliberadamente abrir o suficiente espaço de subjectividade para ninguém ser condenado.

Ele sabe, porque não é estúpido, que comprar um árbitro para assegurar uma vitória ou um jogo tranquilo, como foi o caso do jogo da fruta, não implica necessariamente que o árbitro erre, apenas que erre se for preciso, o que não foi o caso, ou que pelo menos não erre contra.

Ele sabe, porque não é estúpido, que quando Pinto da Costa disse ao proxeneta António Araújo para mandar fruta para dormir e café com leite à equipa de arbitragem estava a falar de prostitutas, e que não há nenhuma boa razão para fornecer prostitutas a um árbitro a não ser para comprar favores. Com evidências muito menos sólidas do que isso, semana sim semana não, Miguel Sousa Tavares acusa de corrupção autarcas, construtores civis e agentes políticos e económicos. Se o presidente da Câmara de Lisboa fosse apanhado numa escuta desta natureza MST seria o primeiro a fazer o seu funeral político.

Ele sabe que um presidente de um clube não recebe um árbitro em casa, muito menos um presidente experiente, que sabe muito bem o seu lugar e o seu papel, a menos que queira tirar proveito dessa situação e se não a tivesse provocado. Se o tipo dos contentores de Alcântara (seja ele quem for...) fosse, às escondidas, a casa do ministro das Obras Públicas, MST encheria o prato e comeria com gosto.

Ele sabe que o advogado e amigo íntimo de um presidente de um clube não pode ser presidente dos árbitros que apitam jogos desse clube, como foi Lourenço Pinto. Porque não é estúpido.

E sabe que as sentenças dos tribunais, em Portugal, são utilizadas, sobretudo, como argumentos de defesa dos corruptos, porque a Justiça portuguesa está formatada para não condenar a corrupção - porque foi feita por corruptos, por aqueles que estão na política para se servirem do tacho e para adquirirem poder, e que por isso têm de se defender.

Ele sabe que os juízes estão açaimados pelas leis. As leis que impedem a utilização das escutas como prova, por exemplo, devido a pormenores técnicos, mas que não pode, não consegue, por mais que isso fosse conveniente, impedir a sua existência.

O que é triste, realmente triste, nesta cruzada de MST por uma causa que não tem álibis, é a parte da sua credibilidade que gangrena de cada vez que ele se atravessa à frente do comboio por causa de um pelintra provinciano convencido de que vai viver para sempre.

É certo que até o diabo merece um advogado, e isso até pode ser nobre, mas um advogado que embaraça a verdade, que a manipula, que pretende trocá-la por uma mentira para safar o seu cliente não é apenas o advogado - é o próprio diabo.

Miguel Sousa Tavares, tristemente, está a tornar-se uma personagem degradante. Lixo intelectual. Mais um peso num país escangalhado. Seria melhor, de facto, para todos, que fosse para o Brasil, porque o que torna Portugal no pantanal que Miguel Sousa Tavares diz ser é a existência cá de pessoas como ele.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Um avançado do Paraguai

Eu até ia falar do Mourinho, e do Falcão sem acento, mas o Benfica quase que jogou ontem e hoje quase que volta a jogar, por isso há coisas que são como são. A Sol já não anda à volta da Terra, pois não?

Acho que as pessoas se surpreenderiam ao descobrirem quantas vezes o que uma equipa deixa ficar no fim da época é o que tem no princípio, antes de poder ser considerada uma equipa. Quando ainda não há estratégia, nem físico, nem pressão, o que eu procuro ver numa equipa é o que não requer nenhuma destas coisas para funcionar. Procuro a química. O entendimento natural, sem trabalho - sem os tais mecanismos que, na verdade, servem para não perder campeonatos mas não chegam para quem os quer ganhar. Para quem quer ganhar campeonatos tem de haver química.

Não vi muito, mas vi o suficiente para voltar a pensar que o Jesus deve estar mortinho para aparecer alguém a dar meia dúzia de tostões pelo Cardozo para ele poder ir buscar o avançado que quer.

Quando os brasileiros querem dizer que um produto é manhoso, falseado, dizem que é paraguaio. É onde vão buscar o contrabando.
O Cardozo - que é um jogador mais ou menos especial, admito - tem uma contradição fundamental: olha-se para ele como um avançado físico, por causa da altura e do peso, mas ele é um avançado técnico.

A própria linguagem corporal e a postura do Cardozo falam por ele. É um tipo que encova o peito, que anda com o ombros em baixo e de cabeça tombada, como muitos jogadores de basquetebol europeus que não sabem viver com o seu corpo. Enquanto os americanos, por exemplo, crescem cinco centímetros porque andam direitos, seguros do seu corpo, os europeus perdem-nos. O Cardozo é assim.
Para começar é paraguaio, e não há paraguaios futebolistas com quase dois metros. O paraguaio é jogador de corrida, de simulações e de toque. O Cardozo deve ter passado por um crescimento difícil, a querer jogar a meio-campo, como toda a gente, e a ser empurrado para o ataque porque, sem saltar, chegava lá acima com a cabeça.

É claro que o Cardozo só pode ser avançado, porque o seu corpo não lhe permite dominar nem a bola nem a posição a meio-campo e não tem velocidade para ser defesa (nem para ser nada em concreto, diga-se de passagem). O que o Cardozo nunca será é o avançado que as pessoas querem que ele seja.

O Cardozo não ganha uma bola de cabeça e tem uma capacidade de desmarcação muito limitada. Isto acontece porque lhe falta a característica fundamental num avançado desse tipo: a antecipação do lance. Cardozo perde tantas bolas não por ser baixo ou por correr muito devagar ou por saltar pouco mas porque se atrasa em relação à bola.
Já o comparei ao Van Hoojdonk e volto a fazê-lo, porque são jogadores de natureza muito parecida (altos, pivôs ofensivos, grande remate). O holandês era rápido a pensar. Essa era toda a diferença.

Cardozo tem uma técnica acima da média para um jogador das suas caraterísticas, sobretudo com o pé esquerdo (o que dificulta a marcação aos defesas, habituados ao contrário), e uma criatividade que inclusivamente supera a sua técnica - às vezes pensa e tenta fazer coisas que não consegue, ficando mal na fotografia por parecer desajeitado. Tem um dos melhores remates do campeonato português (talvez só o do Hulk seja melhor). E não será o pivô de que Saviola precisa para desequilibrar.

Esse avançado, no Benfica, é Nuno Gomes, um jogador extremamente inteligente, muito bom passador, óptimo nas desmarcações mas mau a finalizar - apesar de ser suficientemente bom para, com um jogador de qualidade (como Saviola) ao seu lado, poder perfeitamente chegar aos 15 ou 16 de Cardozo, e sem penáltis.
Estou, aliás , convencido de que foi Jesus quem quis ficar com Nuno Gomes, um jogador que nos últimos anos recebeu muito mais do que o que rendeu e este ano acabou por ser aumentado. O problema é que Cardozo é um jogador que tanto pode valer 15 milhões de euros como, ao fim de um ano, pode ser dispensado a custo zero. E esse é um preço que, como Rui Costa deve ter explicado a Jesus, o Benfica não pode pagar. Cardozo tem de jogar até ser vendido, e de preferência depressa. Entretanto, concerteza que vai marcando os seus golos. Mas não é o avançado que Jesus quer, de que o Benfica precisa ou com quem o Benfica vai chegar a algum lado.

Esse avançado teria de ser uma espécie de Nuno Gomes com menos seis ou sete anos e mais ofensivo, um Lisandro, até um Derlei no seu melhor - um avançado puramente físico, super-agressivo, que detone as marcações e permita a Saviola explorar os intervalos, a sua grande qualidade. Com um jogador desses ao lado Saviola atingiria, facilmente, os 30/35 golos durante a época, e inventaria outros tantos.

Qualquer pessoa minimamente lúcida percebe que num ataque com Saviola e Cardozo a diferença entre a qualidade dos jogadores é tão grande que o eixo, o titular indiscutível, tem de ser Saviola.
Mas a época de transferências só acaba a 31 de Agosto, e os clubes ingleses ainda não começaram a trocar fichas. Há esperança.

Quanto ao resto, basta dizer que o capitão do Benfica foi o Maxi Pereira (sem ter nada contra o rapaz) e que hoje o Benfica joga outra vez.
Tenho poucas dúvidas de que vamos ter o ano da afirmação de Di Maria (que finalmente vai encontrar um treinador tacticamente forte), que Miguel Vitor, a defesa ou a médio, vai ser titular (e muito bem), que o Aimar vai fazer uma época em crescimento e que o Moreira vai ser o guarda-redes, mas o que me suscita verdadeira curiosidade são duas coisas completamente distintas:

- se o já famoso sistema anti-lesão é compatível com os métodos mais pragmáticos de Jesus, e se vai ser capaz de segurar uma equipa que tem apenas 14 jogadores ao mesmo nível (o que é suficiente, desde que as lesões sejam controladas);
- e se a capacidade de controlo de bola no ataque, por um lado, e o trabalho táctico de Jesus, por outro, vão ser suficientes para equilibrar uma equipa que defensivamente é muito frágil a meio, quer pela falta de velocidade, quer pela falta de altura e de antecipação. Não vejo, neste Benfica, um único bom médio-defensivo, o que, para uma defesa forte mas lenta pelo chão, pode minar uma época.

sábado, 11 de julho de 2009

Os emplastros

Emplastro: Alguém que, voluntária ou involuntariamente, está a mais na fotografia. Penetra que faz tudo parecer ainda pior do que já é, ou que estraga o que até estava a correr razoavelmente bem. Por exemplo:

O Guarda Abel no julgamento das agressões de Pinto da Costa a Carolina Salgado (ou vice-versa, já não sei bem) - Com todo o processo de beatificação de Pinto da Costa a correr como planeado, em mais uma sessão pública de esclarecimento destinada a comprovar que toda a relação entre o presidente do Porto e a dançarina exótica não passou de um complô, aparece o sinistro Guarda Abel (assim mesmo, Guarda de nome e Abel de apelido), uma incómoda sombra de um passado em que o túnel das antigas Antas eram uma espécie de chuveiro de Auschwitz, de onde se saía sempre muito pior do que se entrava. Um agente da autoridade a soldo da máfia que se tornou demasiado conspícuo e desapareceu de circulação. Afinal, não só ele vive como se mantém por bem perto.

O cabecilha da Juve Leo em Alcochete após a final do campeonato de juniores - O jogo entre Benfica e Sporting em juniores tinha acabado à pedrada, com a polícia a carregar sobre o relvado e tudo a pedir porrada. Eis senão quando aparece uma imagem de José Eduardo Bettencourt, inconsolável, desanimado com tudo aquilo. Um amigo segura-lhe o rosto, amparando-o naquela hora difícil. Quem? Fernando Mendes, chefe da Juve Leo que, do alto da sua impunidade (é protagonista de alguns dos mais violentos incidentes do futebol português, incluindo uma invasão de campo em pleno Alvalade em que, completamente pedrado dos cornos, é pegado de cernelha por, adivinhem quem, Bettencourt, antes de conseguir chegar a partir a cara a alguém), com uma expressão mais de gozo que de outra coisa, parece explicar ao seu presidente: "Zé, tens que aguentar. Fazes o teu trabalho mas há coisas em que não te podes meter, entendes? Quando a gente quiser organizar uma batalha campal a gente organiza, ok? E não levantes muitas ondas porque quem manda no Sporting é a gente e já passámospor mais presidentes do que tu tens cabelos brancos."

Os deputados do Porto na Assembleia da República - A imagem de meia dúzia de deputados do Porto (do clube, não da cidade) atrás de Pinto da Costa enquanto ele falava à televisão, igual às dos ministros, autarcas, assessores ou meros penetras que se põem nas costas do primeiro-ministro quando ele vai a algum lado fazer uma inauguração e depois fala aos jornalistas é uma amostra de vassalagem que não se esquece. A maneira como o olham, bebendo as suas palavras, com admiração, como se elas fossem a eterna fonte de sabedoria, a afronta a todas as regras do bom senso que significa receber na casa da democracia um homem apanhado em flagrante a corromper árbitros, foram mais um indelével contributo para a dignificação da Assembleia da República. Que lhes tenha feito bom proveito.

O ministro no jantar de Vieira - O futebol português está em estado de sítio, as acusações batem de um lado e rebatem do outro, ao Apito Dourado responde o Apito Encarnado, o Porto diz que o Benfica tem a Justiça nas mãos e que a usa para o atacar, e o que é que o Ministro da Administração Interna, o chefe de todos os polícias, faz? Aparece num jantar de campanha eleitoral do presidente do Benfica a dar o seu apoio?
Se eu fosse portista atirava-me ao ar, porque a presença dele ali (uma vez que não é crível que tivesse qualquer utilidade eleitoral para Vieira, pelo contrário) só pode ter uma leitura: o chefe dos polícias foi lá mostrar a toda a gente, amiga ou inimiga, que sim, que de facto o Benfica tem as costas quentes.

O Joaquim Oliveira no lançamento da campanha do Movimento Benfica Vencer, Vencer (ou Vender, Vender, como preferirem) - Ora digam lá que não é de estúpido que o homem que mais tem a perder ou a ganhar com a renovação dos direitos televisivos dos jogos do Benfica apareça no momento mais público da campanha de uma das listas às eleições. Mesmo que fosse apenas por amizade (sabe-se-lá com quem), quem é que poderia acreditar, depois disso, que o Movimento de Veiga e das Veiguettes não tinha por trás uma mão negra em fibra óptica?

segunda-feira, 6 de julho de 2009

O cigano mais rico do mundo

Houve tempos em que ser iberista era motivo para ser atirado de cabeça da torre da Sé. Hoje, ser nacionalista é ser parolo, provinciano, ultrapassado, significa não compreender que o mundo já não tem fronteiras e que, com a globalização e a Internet e a União Europeia e todas essas invenções da nova filosofia, não faz sentido ser-se nacionalista. Geralmente (e é isso que é realmente irritante) os adiantados mentais até nos dirigem um tom paternalista quando nos tentam explicar que uma coisa é ser patriota, a outra é ser nacionalista.

Nestes momentos, para não perder a cabeça, tenho de recorrer à artilharia pesada, e então faço uma espécie de campeonato na minha cabeça entre iberistas e nacionalistas. Só o faço porque sei que vou ganhar, entenda-se. Tenho a jogar do meu lado Fernando Pessoa, e do outro não se encontra ninguém melhor do que a avantesma do José Saramago. Ora, o Saramago está para o Pessoa como a unha para o polegar: uma é bicho, o outro é homem.

O que é que me irrita solenemente nesta história do Ronaldo?

Que a cabeça do Ronaldo só chegue até ao Real Madrid.

Que qualquer idiota no mundo embarque no chavão de que o balneário do Real Madrid vai ser muito problemático, por causa dos egos, e do dinheiro, e dos lugares no onze - e que todos eles estejam completamente convencidos de que descobriram a pólvora. Ainda ontem, na SIC, o iluminado Jorge Baptista, que trabalha "para a FIFA" (e assim se percebe como é que o futebol é o desporto mais atrasado do mundo a seguir ao jogo da malha), realçava que, "na minha opinião", vai ser muito complicado gerir aquele balneário.
Irrita-me porque, além de ser estúpido, é estúpido. Se há coisa que a entrada de Ronaldo e Kaká vai fazer ao balneário do Real Madrid é melhorá-lo, e por várias razões:
- quem lá está sabe que não há lá ninguém melhor, e que em qualquer equipa do mundo com Kaká e Ronaldo seria sempre eles e mais mais 9, sem discussões;
- quem gosta de ganhar gosta de jogar com os melhores, porque vai ganhar mais vezes. Não há nada pior para um balneário que perder, ainda para mais da maneira como o Real perdeu no ano passado. Aposto que o balneário do Real Madrid nunca esteve tão mal como no dia em que levaram 6-2 do Barcelona em casa;
- tanto o Cristiano Ronaldo como o Kaká são dois profissionais de excepção. No Manchester o Ronaldo já era vedeta e nunca teve verdadeiros problemas porque o seu profissionalismo era intocável. Quando alguém trabalha tanto como Ronaldo ou Kaká ninguém tem moral para lhes arranjar guerrinhas - até porque, sabe-se, arrisca-se a perder, chame-se ou não Raúl. Aliás, estou plenamente convencido de que o Real só pagou o que pagou pelos dois porque sabe que compra dois profissionais exemplares. Florentino não arriscaria tanto se se tratasse de jogadores cujo comportamento fosses questionável. Ele sabe que Ronaldo nunca deixará um treino mais cedo para ir filmar um anúncio, como Beckham. Só se o obrigarem, e aí acredito que seja ele a querer sair, porque, apesar de se divertir fora do campo, do que ele gosta mesmo é de jogar à bola;
- o balneário do Real Madrid já é uma porcaria. É uma espécie de Benfica vezes cinco. O jogador tem de saber jogar, falar e tomar partidos. É muita política. É tudo demasiado representativo. Diz-se que o Barcelona é mais que um clube porque representa uma cultura, mas esquece-se que o Real Madrid é exactamente a mesma coisa, só que, no seu caso, a cultura que representa não é a de uma região autónoma mas de um ideal imperialista castelhano, do qual é o principal bastião. E aqui nem sequer estou a dizer que é bom ou mau, apenas que é assim. Injectar futebol neste balneário só lhes vai fazer bem.

Que os nossos futeboleiros não queiram ou não consigam entender as implicações da transferência de Ronaldo para o Real e prefiram maravilhar-se com as histórias da carochinha, fazer contas idiotas de como o dinheiro da transferência daria para comprar dez milhões de Playstations, 50 milhões de BigMacs ou 96 milhões de moedas de um euro ou, colocados diante de uma mera operação de feira para vender camisolas, nos cheguem a casa como burros a olhar para um palácio.
Que não entendam o que é o futebol, quem é o Ronaldo, o que é o Real Madrid, o que é Portugal, o que é Espanha, o que é, foi e virá a ser a relação entre espanhóis e portugueses, e que se fale da iberização do futebol ou do Real Madrid e de um Mundial ibérico como se fosse uma benesse que os espanhóis nos dão, o privilégio de nos deixarem viver no seu país, de nos deixarem pensar que somos iguais a eles.
Que, nas cabecinhas de minhoca dos portugueses com um microfone à frente ou uma caneta na mão, tudo pareça reduzir-se ao dinheiro, à diferença entre salários mínimos e ao carro com que andamos.
Isto choca-me, acima de tudo, porque parece não se compreender que o dinheiro, seja 94 milhões ou 940, é só dinheiro, e que há coisa que o dinheiro não pode comprar, não por serem demasiado caras mas porque não estão à venda, só podem ser ganhas e, depois de perdidas, têm de ser reconquistadas. Pergunto-me se algum dia algumas pessoas perceberão que, sem alma, por mais bronzeada que tenham a pele, estão vazias.

E irrita-me, sobretudo, mas irrita-me mesmo, não ter visto ninguém a dizer que há uma ausência incontornável e inaceitável na apresentação da camisola do Ronaldo. O homem que tornou possível, ao rei florentino, tomar o trono de assalto, e que deixou de existir a partir do momento em que se tornou um empecilho no negócio da venda de roupa.

Luis Figo.

Tenho acompanhado esta saga no site da Marca e acreditem que não me lembro de ver, uma única vez, o nome de Figo num título.

Irrita-me que ninguém tenha salientado, por exemplo, que o convite a Eusébio, além de rebuscado, é uma desconsideração a Figo e ao próprio Eusébio, usado como um macaco amestrado por um tipo que queria humilhar o segundo melhor jogador português de todos os tempos exibindo para isso o primeiro na sua feira de vaidades.

Figo representaria, ao mesmo tempo, Portugal, o Real Madrid e o Sporting. Como Ronaldo, foi eleito melhor jogador do mundo. Tal como Ronaldo, foi a bandeira de um projecto. E o que a ausência de Figo nos demonstra é que, tal como ele, no dia em que Ronaldo se tornar incómodo para o imperador e não for à bola com as suas regras, vai ser descartado e desconsiderado. Como foi Queirós, independentemente dos seus méritos. Porque é essa a natureza do animal.

Irrita-me que quem tem a obrigação de aconselhar Eusébio não lhe tivesse dito para comparecer no Santiago Bernabéu, apenas, se Figo também fosse convidado.

Irrita-me que o Ronaldo não tivesse usado a sua influência para levar lá Figo, o seu ídolo muito mais do que Eusébio e o jogador que o liderou na selecção enquanto ele era ainda apenas um tenrinho com muito jeito para jogar à bola.

Irrita-me que o selecto embaixador de Portugal em Madrid, um tipo com três nomes e fala afectada, mais fascinado com o convite de Florentino aos 30 mil portugueses de Madrid (mais 30 mil camisolas...), "que o presidente endereçou através da minha pessoa" (meu Deus...) do que com o seu dever para com um homem que representou Portugal em Espanha melhor do que alguma vez ele conseguirá representar, não tenha dito, logo de entrada, que a ausência de Luís Figo daquela "cerimónia" seria inaceitável e um insulto aos portugueses que trabalham em Espanha, incluindo a Ronaldo.

À força do seu trabalho, Figo foi o verdadeiro criador do futebolista português moderno, incluindo de Ronaldo. Foi o capitão da nossa selecção nacional e é um exemplo de honra e carácter para qualquer jovem português, futebolista ou não. Prova disso é que, como ele mesmo admitiu, a certo ponto arrependeu-se de ter trocado o Barcelona pelo Real Madrid, mas mesmo assim assumiu o seu compromisso e viveu com o erro. Por causa disso tornou-se um jogador marcado e desrespeitado como não merecia. Mas a sua palavra ficou.

E Figo, que é maior que o Real Madrid, não merecia o que lhe fizeram no domingo.

Irrita-me, em conclusão, que os portugueses, alguns portugueses, espero que uma minoria, não entendam aquilo que Portugal realmente é para os espanhóis: o acampamento cigano que fica no terreno baldio atrás da sua bela mansão virada para a Europa onde eles vêm buscar o que lhes interessa, a baixo preço, e deitar fora o refugo, venha ele em formato de resíduos radioactivos ou poluição quimíca, cultural ou económica. O acampamento cigano que será o primeiro a ser aterrado no dia em que eles decidirem que têm de expandir o seu condomínio privado porque já tem não têm mais espaço para os seus ricos à beira-mar.

Mas isto sou eu, que sou um parolo e não gosto de dinheiro.

sábado, 4 de julho de 2009

Cagando me estou eu também!

Já ia dizer que vivíamos num país assim e assado. É o hábito, um mau hábito, como beber Coca-Cola, comer chocolates à noite ou coçar os tomates. Começa-se, habituamo-nos e depois não só o fazemos naturalmente como estranhamos quando nos esquecemos de o fazer.

Não vivemos, provavelmente, num país assim e assado: vivemos concerteza num mundo assim e assado, porque não somos gente para ter inventado a má índole, simplesmente a vivemos à nossa maneira, como todos os outros vivem à deles. Mas como tenho, como os meus conterrâneos, muito de eterno e convicto provinciano, falo do meu país porque é o único que conheço.

Vivemos num país onde chamar mentiroso a alguém, com plena consciência das palavras, é menos insultuoso que chamar-lhe cabrão por eufemismo. Onde um ministro pode passar três anos a mentir sem ser demitido (e não estou a dizer que é o caso, porque não sei) mas não pode ser apanhado a fazer um gesto pateta na televisão.

Vivemos num país de prolegómenos e engrelómenos, de excelentíssimos e prudentíssimos, da boca treinada para não revelar a sujidade da mente e a mente não preparada para coisa nenhuma. Quem anda, neste país, a fazer alguma coisa por si e pelos outros, vê-se, de um momento para o outro, a limpar a baba aos camelos para poder sobreviver, e a rezar para os camelos não se acabarem porque senão acaba-se tudo e toda a esperança.

Nem é o problema do politicamente correcto - é o problema de politicamente sermos uma merda. Se fôssemos bons, politicamente, se a nossa principal actividade fosse fazermo-nos melhores e nos intervalos nos distraíssemos a brincar aos macacos e aos galhos, não haveria grande problema. Só que no meio de tanto macaco a atirar trampa um ao focinho do outro já nem conseguimos distinguir a dignidade mais elementar.

No meio de tudo isto surge (aleluia!) o nosso Benfica, o verdadeiro garante, o último refúgio do português, quer por afirmação quer por oposição (os que são do Benfica mais os que são contra o Benfica, representando, no conjunto, a verdadeira unidade nacional).

Um dia depois da demissão de um ministro por ter feito uns cornichos na Assembleia da República, eis que ouço Manuel Vilarinho, figura suma do Benfica, presidente da Assembleia Geral, que já se tinha cagado para o Veiga e para as Veiguettes, e cagado para o garoto, e cagado para o tribunal seja lá do que for, a resumir, numa frase pura, dura e maravilhosamente benfiquista, o que sentia quanto a todos os que pensam que o clube pode ser levado à vareta pelos sinuosos burocratas que ninguém entende nem quer entender: "Estou-me cagando para isso!"

E eu quero dizer, caro Manuel, mesmo sabendo que estás longe de te encontrar livre de pecado, que nos tiraste, a mim e a todos os benfiquistas, as palavras da boca: cagando me estou eu também!

Digo-te mais: falaste por todos os portugueses, que estão fartos de ver o seu país tomado de assalto por enfatuados com um canudo numa mão e uma colher na outra, em formação ordenada, da esquerda à direita, do Minho ao Algarve - e só não digo à Madeira porque lá mora outro que os manda, respeitosamente, à merda.

Se o Benfica estivesse bem vivo, ainda digo outra coisa: não haveria de faltar em nenhum jogo um enorme tarja, a um quarto de estádio (de preferência na bancada PT), onde se lesse, alto e garrafalmente: "Estamo-nos cagando para vocês!".
Isso sim, seria uma ressurreição da democracia. E havias de ver que, como recompensa, ainda ganhávamos o campeonato e que ele entraria para a história como o campeonato cagado, só para nos sentirmos vingados destes vinte anos em que nos têm cagado em cima como se fôssemos sapos.

Muito obrigado, sinceramente.

E volto ao princípio para acabar - ao nosso querido país. Por causa do Ronaldo, que esta semana tentou partir o focinho a um paparaso mas, malogradamente, só lhe conseguiu partir um vidro do carro - e vá lá que não partiu um pé, senão é que havia de ser bonito.

Acho que o Ronaldo ganha pouco, acho que foi barato e acho que daqui a três anos se vai arrepender de ter ido para Espanha, mas dói-me, sobretudo, que ele tenha ido para o Real Madrid.

Custa-me que ele seja saloio a esse ponto e ainda me custa mais (se bem que me pareça história da carochinha...) que isso possa ter a ver com um desejo da mãe, uma bimba de primeira que não deve saber a diferença entre o Real Madrid e o Real de Santo Amaro de Alcântara mas que meteu na cabeça que ali é que era, na Espanha, o país da Hola! que ela lia no cabeleireiro, cheio de pessoas bronzeadas e cor-de-rosa às florzinhas. Não duvido que, até o filho ir para Inglaterra e ela ver o mapa europeu nas revistas de bordo da SATA, se alguém perguntasse à senhora onde eram uma série de países o único de que ela conhecesse a localização fosse Espanha.

Mas, enfim, tenho uma consolação.
Sei que o Real Madrid é um clube de província (chamada Leão-Castela) e que representa liminarmente a identidade dessa província.
Da mesma forma que o Real Madrid se tornou grande comprando alianças graças a grandes dotes, trazendo para a sua corte os melhores do mundo por mero interesse político e a troco de posses e ouro, Leão-Castela cresceu casando as suas filhas com os reis dos outros e comprando aos seus filhos as filhas dos outros. No processo engoliram tudo o que conseguiram, e só não nos engoliram a nós porque houve um maluco que nasceu agarrado a uma espada e decidiu que não, que esta terra poderia vir a ser muita coisa mas que ao menos não seria uma terra de filhos da puta.

E sei que não vivo numa província mas num país.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

O ano do pinto

Se tivesse de apostar em quem vai ser campeão este ano não apostaria no Porto, e por vários motivos.

Antes de mais, por um puramente estatístico. A lei das probabilidades está contra o Porto. É verdade que a única vez em que um clube conquistou cinco campeonatos seguidos em Portugal foi precisamente com o Porto, mas isso não impede de levar em consideração que:

- a competição, na altura, comparada com este ano, era anedótica. O Sporting não valia metade do que vale hoje e o Benfica estava em pleno processo autofágico, engalfinhado entre Vales e Damásios;

- isso aconteceu em pleno apogeu do Apito Dourado. De facto, se os casos relativos ao Apito Dourado reportam a períodos posteriores, ninguém duvida que foi na década de 90, desde o tempo Artur Jorge versão 2.0 ao memorável Toninho Oliveira Metralha, com alguns outros afortunados passageiros ocasionais pelo meio, que o sistema melhor funcionou. Até Lourenço Pinto, advogado, amigo íntimo e confidente de Pinto da Costa que nunca deu um pontapé numa coisa redonda conseguiu chegar a presidente dos árbitros. Actualmente é inegável que não é tão fácil a Reinaldo Teles e António Araújo arranjarem a quem dar fruta para dormir;

- em 60 anos isso só aconteceu uma vez.

Ou seja, quanto mais não seja por algum imponderável, o mais provável é o Porto, este ano, não ser campeão.

Mas há outros ponderáveis.

Antes de mais nada, este está a ser uma mau defeso para Pinto da Costa. Quando pensava que tinha engatilhado o negócio da década, vendendo uma amostra de jogador de futebol pelo preço de dois inteiros, levou uma chicuelina pelo lado cego e ficou agarrado ao Cissokho.
Esse negócio ter-lhe-ia permitido não vender o Lucho González, provavelmente o único do trio Lisandro-Lucho-Bruno Alves que não queria mesmo vender, por ser o mais importante para a equipa. Em vez disso, não só vendeu o seu melhor jogador por 18 milhões de euros (em condições normais subiria o jogo para 22/25 à cabeça), como ainda tem de vender outro para atingir o objectivo estabelecido pelo seu desbocado vice Fernando Gomes, que admitiu que o Porto tem de fazer 25 milhões a cada Verão em jogadores para continuar com a cabeça de fora.

1 - se alguém achar que o Lucho só vale mais três milhões que o Cissokho que chame já a ambulância, porque está a ter um AVC e ainda não percebeu;
2 - se eu fosse sócio do Porto e o dirigente financeiro do meu clube dissesse que, mesmo no momento mais rico da sua história, se não ganhássemos 25 milhões por ano em transferências estaríamos em maus lençóis, eu ficaria extremamente preocupado, porque isso implicaria que, sem a montra europeia a funcionar em pleno, estaríamos a dois ou três anos medianos de ficarmos enterrados em lodo.

Para piorar as coisas a habitual manobra moralizante de humilhar o Benfica, este ano, saíu-lhe pela culatra. Deveria ter sido o uruguaio Álvaro Pereira (quem?) mas levou baile, porque no mesmo dia o Benfica apresentou o Schafer, a menos de metade do preço e com igual nome (nenhum) em Portugal, e agora, se não despachar o Cissokho em saldos, fica com dois defesas-esquerdos, para além dos outros 15 que já lá tem.
O tal Falcão sem acento seria bom, mas para isso teria de despachar o Farías ou o Lisandro. O ideal seria Reyes, e provavelmente a ser alguém será mesmo esse, mas a contratação de Saviola teve o condão de atirar o espanhol para um recanto da memória dos benfiquistas.

Saindo Lucho, também sairá pelo menos um dos outros em fim de estação: Bruno Alves ou Lisandro. No Porto já não há nada para eles, e também eles não têm mais para dar ao Porto. Bruno teve um ano de carreira e dificilmente fará melhor, além de ter um pai lixado. Lisandro já teve um ano inferior ao anterior, e este não deverá ser melhor. Ambos querem sair e está na altura de saírem. Na cabeça deles e dos outros, se ficarem não será a mesma coisa.

Se calhar também sai o Helton, e já saíu o Pedro Emanuel, um verdadeiro capitão e, acima de tudo, um português num balneário cada vez mais estrangeiro - o que, acreditem, é mau para um clube de índole regional, como é o Porto.

São os elementos da espinha-dorsal do tetra.

Creio que Pinto da Costa percebe que esta equipa do Porto chegou a um momento de renovação, e isso é sempre problemático. No fundo, ele perceberá que esse é o estado mais confortável para o Porto, que sempre beneficiou em ser menosprezado, mas isso tem custos desportivos, e nem o Sporting nem o Benfica se encontram de tal forma fragilizados que voltem a dar pontos de avanço como deram nestes anos. O Sporting vai apostar muito forte e é o principal candidato, e o Benfica, apesar de provavelmente não vir a ser campeão, já não será apanhado na curva, pois comprou apenas quatro jogadores, em vez de catorze, e são todos para entrar no onze.

Além do mais, o sucesso de Jesualdo Ferreira impediu Pinto da Costa de fazer o que queria: trocar de treinador e ficar com Jesus. Jesualdo vai dar ao Porto mais do mesmo. Isso não é mau, Jesualdo é treinador para ajudar a formar a próxima equipa, mas fica a faltar ao Porto aquilo que leva as equipas de topo a gastarem milhões, todos os anos, a trocar jogadores e treinadores: o factor novidade.

As novas caras refrescam a química das equipas. Mais do que a qualidade, é a nova mistura, o processo de assimilação, que leva à melhoria da equipa. É por isso que o Manchester United todos os anos compra um avançado por 30 milhões de euros, apesar de já lá ter uma data deles igualmente bons. A novidade alimenta a qualidade. Refresca as ideias. Faz respirar. E Jesualdo sabe a velho.

Por alguma razão raramente um treinador fica no Porto mais de dois anos e, ao contrário do que aconteceu com José Mourinho, desta vez o timing jogou contra o Porto. Enquanto na altura despedir Octávio foi um pró-forma, agora despedir Jesualdo foi impossível. Fica, eventualmente, para o ano, ou para o outro, quando Jesus ou Carlos Queirós ficarem disponíveis.

Pinto da Costa deve já ter assimilado a ideia de que este será um ano de transição, em que a vitória no campeonato será desejável (e perfeitamente possível) mas não fundamental, e se calhar improvável. A longo prazo poderá mesmo ser melhor não ganhar este campeonato e apostar na renovação da equipa, enquanto os seus melhores jogadores ainda estão no auge das suas carreiras e no ponto para serem vendidos. A ter de perder algum dia, Pinto da Costa importar-se-ia menos de perder este ano - porque é um tipo cerebral, conhece o futebol e sabe que não pode ganhar sempre, só quase sempre.

Essa é mais uma razão para eu acreditar que este será o ano do Sporting. Aliás, no título de 2000 a situação do Porto pós-penta era mais ou menos a mesma que é actualmente e o Sporting ganhou o campeonato.

Fora do Porto as coisas não correram muito melhor a PC.

No Sporting foi eleito o presidente que permitiu a continuidade de Paulo Bento, provavelmente o único treinador, neste momento, e graças à experiência de balneário e de Sporting que acumulou, capaz de segurar um plantel com muita qualidade mas problemas de solidariedade, em que os brasileiros estão contra alguns portugueses e vice-versa, onde alguns portugueses acham que deviam ganhar mais que outros e onde se perdeu uma importante referência de cabine como era Derlei, uns dos que metia a miudagem na ordem.

Com outro treinador dava-lhes no máximo até Fevereiro para começarem todos ao estalo. Com Paulo Bento acho que podem aguentar até ao final do ano, ganhar o campeonato e então vender dois ou três maduros.

No Benfica, o processo eleitoral não o favoreceu. Ter umas eleições em Outubro, com Vieira a sofrer a oposição de Veiga e das Veiguettes e a equipa a passar para segundo plano no meio dessa coboiada seria o cenário perfeito para Pinto da Costa, se calhar até com Veiga a ganhar e a protagonizar um OPA hostil sobre o plantel, Rui Costa incluído.

O golpe estatutário vai dar, pelo menos, tempo a Jorge Jesus, o que pode ser irrelevante, em termos de resultados, mas também pode ser decisivo, se a coisa resultar. Aliás, se a experiência Jesus resultar é a próxima década do futebol português que pode estar em jogo.

Sob determinada perspectiva, o Benfica comprou bem, e parte, sem dúvida, mais forte que no ano passado. É perfeitamente crível que Jesus consiga, pelo menos, meter a equipa na luta - o que pode ajudar a fazer a diferença.

Vejo um Porto forte, claro, mas não mais forte nem mais ambicioso que o Sporting. Vejo um Porto que vai voltar a ter momentos maus, como teve o ano passado, dos quais provavelmente não conseguirá sair com a mesma desenvoltura.

Alguns jogadores, como Hulk ou o Cebola, estarão melhores, mas não são líderes. Os líderes (Bruno Alves, Lucho, Lisandro, Pedro Emanuel) ou não estarão lá ou estarão menos do que já estiveram.

Vejo um Sporting a ser eliminado cedo da Liga dos Campeões e a apostar tudo no campeonato. vejo um Benfica obcecado com o campeonato, com muita fome de vitórias e com um treinador que é o mais esfomeado de todos. E vejo, como bem escreveu Miguel Sousa Tavares na sua última Nortada, um ano cheio de polémicas, sobretudo porque Luis Filipe Vieira já percebeu que se não ganhar este ano provavelmente não aguentará nem mais um Verão como presidente do Benfica. Não será um ano fácil para os árbitros, nem para a credibilidade do jogo.

sábado, 27 de junho de 2009

Uma verdadeira Liga (III)

Não há muita coisa que não se consiga aprender com a História.

Em 1919 o basebol era o grande desporto americano. Já se competia profissionalmente há décadas e nele se movimentavam grandes somas de dinheiro. Mas isso atraía igualmente o lado mais obscuro do desporto, neste caso a manipulação de resultados por correctores de apostas.

Na final do campeonato desse ano, a melhor equipa do país, os Chicago White Sox, partiu como favorita frente aos Cincinnati Reds, com uma probabilidade de vitória de 5 para 1. Aproveitando o facto dos jogadores dos White Sox serem mal pagos pelo dono da equipa, um bookie conseguiu convencer oito deles a perderem de propósito, arrecadando, dessa forma uma fortuna com a vitória dos Reds.

O desempenho incompreensível dos jogadores na final, a súbita mudança de volumes de apostas a favor dos Reds (à medida que os rumores sobre um arranjinho subiam nos bastidores), o próprio resultado da final (os Reds foram campeões) e a forma relativamente despudorada como se falava, entre os jogadores da liga, sobre o negócio, levaram a que, durante o ano seguinte, o caso chegasse a público, desmascarado por jornalistas.

O escândalo foi colossal e chocou a nação, incrédula. Ficou conhecido como o escândalo dos Black Sox. Atingiu tal dimensão que os proprietários das equipas temeram pela sobrevivência do jogo e pela falência do negócio, e viram-se forçados a tomar medidas radicais. Tão importante como limpar o basebol era mostrar ao público que ele estava a ser limpo, e, naquele ponto, isso só podia ser conseguido de uma forma: entregando o seu policiamento a alguém com uma honra acima de qualquer suspeita.

Foi assim que surgiu, pela primeira vez no desporto americano, a figura do Comissário, um mandatário plenipotenciário eleito pelas próprias equipas mas com autoridade para executar todas e quaisquer acções que achasse necessárias para a regeneração do basebol. O eleito foi o juiz Kenesaw Mountain Landis, que poucos meses após tomar posse tomou a sua primeira grande decisão, banindo para o resto da vida do basebol profissional oito jogadores dos Chicago White Sox. Fê-lo mesmo após eles terem sido ilibados pelos tribunais civis por falta de provas, e explicou porquê: "Nenhuma pessoa que tome parte no arranjo do resultado de um jogo jamais voltará a jogar basebol nesta liga".

Os donos das equipas esperavam que, depois de eliminado o espectro das apostas ilegais, Landis assumisse um comportamento mais discreto. Enganaram-se. O comissário reinou sobre o basebol durante 25 anos mais, intervindo como quis sobre todos os assuntos que julgava relevantes para a imagem e a qualidade do basebol, e punindo sempre que achava necessário tanto as superestrelas como os donos das equipas - que lhe pagavam o salário, entenda-se.
No fim, Kenesaw Mountian Landis tinha definido o modelo da figura tutelar no desporto americano. Desde então, todas as ligas profissionais adoptaram a figura do Comissário, e foi sustentadas nessa hierarquia semi-ditatorial que têm ultrapassado, com bastante eficácia, os problemas que se colocam a cada desporto. Às vezes os Comissários não prestam, mas quando isso acontece não se muda de sistema, muda-se de Comissário ou mudam-se as leis - alterações supervisionadas pelo Comissário...

Ora, é precisamente neste ponto de degradação que se encontra o futebol português.

O nosso futebol tem uma particularidade que o distingue dos outros dentro da zona desenvolvida: todo o poder está centrado em três clubes. Uma característica a que eu chamo de trissomia - sim, o que eu quer dizer é precisamente isso - que leva a que todos os organismos futebolísticos estejam corrompidos por essa deficiência genética.

Em nenhum outro país isso acontece, mesmo naqueles em que existem clubes dominadores. Por exemplo, em Espanha, onde há dois clubes maiores que os outros, a importância regional e demográfica de emblemas menores, como o Atlético de Madrid, o Valência, o Sevilha, o Athletic Bilbao, o Deportivo e outros torna impossível que todo o poder seja condicionado por Real Madrid e Barcelona.

Em França já 17 equipas foram campeãs, sendo que o clube mais vezes vencedor, o Saint Ettiénne, já não o é há vinte e oito anos.
Em Itália, outras 17.
Na Alemanha, 18 (incluindo os da antiga República Democrática Alemã).
Na Inglaterra, 24.

Em qualquer um destes países, mesmo nos mais problemáticos - Espanha e Itália - qualquer manobra que pressuponha um atentado à igualdade formal de todas as equipas de primeira categoria é repudiada. É fácil, nestes casos (sobretudo nos do Norte europeu, onde se incluem os franceses), ser democrático, e funcionar num sistema colegial. A pressão da opinião pública, quando não o próprio pudor, impedem que os melhores sejam explicitamente favorecidos por quem escreve as regras.

Em Portugal, pelo contrário, só há três coisas que interessam: o Benfica, o Porto e o Sporting. E, entre essas três, só uma realmente conta: qual deles ganha.
Essa realidade obscurece todas as outras, incluindo a da legitimidade desportiva.

Como só há três tipos de adeptos (o benfiquista, o portista e o sportinguista), e como cada qual desconfia visceralmente do seu semelhante, parte-se do princípio que quem manda está vinculado a um (ou dois) dos três cromossomas, e que o seu único objectivo é manobrar o poder de forma a beneficiar esses clubes. Quando a balança do poder muda, mudam os escrúpulos mas não os métodos. É a mesma conversa, mas de trás para a frente e assim sucessivamente.
Dessa desconfiança (natural) resultam todos os restantes pecados - a manipulação da arbitragem, os esquemas que envolvem favores a jogadores, clubes e dirigentes, os castigos disciplinares, enfim, todas as formas de corrupção que se conhecem, e que ficam, afinal, legitimadas por uma justiça que é, simultaneamente (por mais ambíguo que isso possa parecer), enviesada mas certeira e incontestável: a de que uns se limitam a fazer aos outros aquilo que já lhes fizeram, porque agora podem e antes não podiam.

Assim se legitima a desonestidade, assumindo que pior do que sermos todos defraudados é só alguns de nós serem defraudados em benefício de outros. Ou comem todos ou não há moral.

A única forma de acabar com esta guerra civil é fazer o que fez o basebol americano: entregar todo o poder nas mãos de um ditador, chame-se ele comissário, cônsul ou presidente. O que ele tem de ter é poder ilimitado. Para castigar, reformular, decretar, legislar, para fazer o que achar melhor.

Se esse indivíduo, auxiliado por uma equipa pequena e especializada escolhida por ele, tiver um mandato de oito anos, e (sobretudo) se for escolhido por unanimidade por todos os clubes, conseguem-se as condições básicas para uma competição limpa, logo à partida porque nenhum dos três clubes grandes (os únicos que interessam, recorde-se) tem motivos para acreditar que será prejudicado, nem legitimidade para clamar contra a batota. Se isso acontecesse, aliás, o comissário teria a possibilidade de, arbitrariamente, castigar esse clube em vinte ou trinta por cento do seu orçamento anual - que é o que se deveria fazer sempre que um clube insinua que as regras estão a ser manipuladas, porque é isso que destrói, realmente, o futebol.

O que destrói o futebol não são os erros ou os acidentes: é a ideia que passa que os erros e os acidentes não são casuais mas premeditados. Essa ideia está de tal forma embutida no espírito das pessoas que estas já nem percebem que quando dizem "não nos deixaram ganhar" ou "tiraram-nos os três pontos" estão, na verdade, a dizer que os erros não foram erros mas atentados, e a atribuir intenção, premeditação. Sendo que o "alguém", obviamente, é o árbitro, e que o mandou lá para roubar.

A única coisa fundamental para salvar o futebol português é acabar com essa desconfiança.

A criação de um cargo que tivesse poderes para fazer o que entendesse necessário para isso, entregando a uma pessoa aquilo que deve ter rosto, personalidade e autoridade, e não a uma assembleia, ou a uma qualquer entidade impessoal, em que é fácil assacar responsabilidades porque ninguém realmente decide porque ninguém se empenha pessoalmente, é o passo fundamental para a credibilização do futebol.

Esse comissário exerceria funções durante oito anos, após os quais (e só então, sob pena de se lhe pagar uma indemnização insuportável para os clubes) o seu desempenho seria avaliado pelos clubes, escolhendo-se então outro, ou ficando com o mesmo - novamente, dependendo da unanimidade. O próprio comissário escolheria a sua equipa, para o aconselharem relativamente à disciplina, à melhoria do jogo, à parte económica, etc.

Seria difícil que o comissário escolhido fosse português, apesar de ser o ideal. Saberia do que estava a tratar. Por outro lado, um comissário estrangeiro, contratado pela Liga, garantiria outro nível de afastamento, que também seria importante.

Acima de tudo, uma mudança de paradigma proporcionaria aos clubes aquilo que é fundamental, e que separaria imediatamente o trigo do joio: a possibilidade de começar de novo, deixando que o passado aí ficasse, com os seus orgulhos e pecados. Quem não quisesse, à partida, jogar com as mesmas regras seria, naturalmente, culpado

sexta-feira, 26 de junho de 2009

"Olha o coelhinho" e... Clic!

As pessoas têm bastante a tendência para desvalorizar os avançados. Um avançado está em permanente desvantagem em relação ao jogo.
Primeiro, tem desvantagem numérica. Na verdade, toda a estratégia ofensiva de uma equipa - a conjugação de acções de onze elementos, com oposição permanente, note-se - se resume a colocar os avançados em, pelo menos, igualdade numérica com os defesas.
Depois, tem uma desvantagem técnica evidente. Enquanto o avançado deve manter, tanto quanto possível o controlo da bola, porque geralmente só assim se consegue marcar golo, ao defesa basta evitar que o avançado controle a bola, o que é relativamente fácil pois basta um toque, um encosto, quando não apenas um passo em frente.
Isto porque o avançado também tem a desvantagem posicional. Não só enfrenta um adversário que tem o privilégio de ver a bola em todos os momentos como o espaço que tem para se movimentar é limitado, devido à lei do fora-de-jogo. Esta obriga a que, a cada jogada, o ataque consiga suplantar uma desvantagem territorial inicial, pois é a defesa que delimita a área jogável.

Um avançado tem menos tempo, menos espaço e menos bola que os restantes jogadores, e deles depende, em última análise, o sucesso da equipa.

Qualquer avançado que tenha tido conhecimento do montante que o Milan iria pagar por um defesa-esquerdo que só sabe correr ao lado de uma linha (15+x milhões de euros) tem legitimidade para se sentir insultado se o seu clube não pedir pelo menos o dobro pelo seu passe.
Um avançado deve ser mais valioso e mais bem pago do que um defesa pela mesma razão que um neurocirurgião deve ser mais bem pago que um dermatologista: porque, sendo ambos necessários, um (por ter estimado mais ou por ter mais talento) é, simplesmente, melhor que o outro.
Ver um defesa, qualquer defesa que não seja Baresi, filho de Baresi ou sobrinho de Baresi, ser comprado por mais de vinte milhões de euros, é um absurdo. Incluindo o Pepe, o Ricardo Carvalho, o Bruno Alves, o Luisão ou seja quem for.
Se um Cissokho vale 15 milhões, se um Bruno Alves vale 20, então peço desculpa mas um Cristiano Ronaldo ou um Messi valem, pelo menos, 150 milhões.

Encontro várias razões para um jogador se tornar avançado.
Há quem se torne avançado pela agressividade natural. A codícia. A fome de golo. São jogadores que, antes de pensarem, já estão a perseguir a baliza, mesmo não sendo muito bons tecnicamente. Há alguns casos evidentes. Lisandro López ou Derlei, por exemplo, em Portugal. David Villa. São o tipo de jogador que raramente marca um golo sem que a bola bata antes em alguém, parece sempre que vai aos repelões, que ele falhou o chuto, mas que, por tanto o perseguir, e de maneiras às vezes tão ansiosa, de vez em quando faz golos fenomenais, inacreditáveis. Estes são jogadores que vivem, sobretudo, à base da confiança, da moral, e que, quando acreditam que isso faz sentido, podem fazer cinquenta sprints por jogo, até caírem para o lado.

Depois, há quem seja avançado ou por ter uma técnica superior ou porque fisicamente tem características de avançado. Quando se juntam as duas virtudes aparecem os fenómenos. Ronaldo, por exemplo, é um velocista. Com o seu corpo só poderia ser avançado, e é tão bom tecnicamente que joga em qualquer posição do ataque.
Drogba, Eto'o, Ronaldo, por exemplo, são espécimes físicos avassaladores. Na sua melhor forma a sua capacidade física, só por si, não só eliminam a desvantagem em relação aos defesas como os colocam a eles a correr atrás do prejuízo.

Mas geralmente um avançado não reúne as duas vertentes de forma tão exuberante.
Cardozo só podia ser avançado. Fisicamente é relativamente fraco, tacticamente também, mas tecnicamente tem um bom remate - que é o gesto técnico mais difícil do futebol. Sem ele não seria futebolista.
Di Maria é uma espécie de Cristiano Ronaldo, só que mais fraco e pior tecnicamente. Fisicamente, jogando atrás do meio-campo seria um desastre.
Hulk é um avançado físico, apesar de poder vir a ser um dos melhores do mundo, tão bom quanto Eto'o ou Drogba. Mas ainda não. Tem, sobretudo, o corpo.
Messi é cento e cinquenta por cento técnica. Transborda técnica. É técnica a mais para um jogo só, sobretudo no drible, não tanto no passe ou no remate. Quando decair de forma (a parte física sustenta todo o jogador), vai parecer muito pior do que é, mas mesmo assim...

E depois há um terceiro tipo de jogador que tem de ser avançado, que eu confesso que é o meu preferido. É o jogador inteligente.
Estamos aqui a falar de inteligência futebolística - toda a componente do jogo que é intuída ou raciocinada.
São os jogadores que estão à frente do movimento do jogo. Jogam um ou dois momentos em antecipação aos adversários e, dessa forma, parecem criar espaços, inventar desmarcações, encontrar o jogador que ninguém tinha visto, às vezes até roubar a bola que se julgava segura pelo defesa, acreditar na jogada que todos julgavam perdida.

Liedson é um desses jogadores. Com aquele corpo só poderia trabalhar como caixa de supermercado, de facto. A sua técnica é boa, mas não mais que a de qualquer brasileiro médio. A bola, contudo, fala com ele, e o campo, para ele, tem a dimensão total, e não apenas o espaço entre linhas defensivas. O golo não se consegue esconder dele. Tem o gesto certo no momento certo, está sempre onde devia estar, não se adianta nem se atrasa. Por isso é, sem dúvida, o melhor jogador do campeonato português na actualidade.

Raul, do Real Madrid, é um desses jogadores. Já ganhou finais da Liga dos Campeões com golos inventados de um aparente nada. Nos tempos modernos descobriu, praticamente sozinho, um novo espaço dentro do campo, até aí inexplorado: a nuca do defesa. Provavelmente nunca houve ninguém a saquear o ângulo morto como ele. E assim, meio marreco, de pernas fininhas, jogo de cabeça apenas razoável e remate idem, se tornou no melhor marcador e num dos cinco maiores jogadores na história do maior clube do mundo.

Javier Saviola é um desses jogadores. Com duas diferenças substanciais em relação a Liedson e Raul, salvem-se as devidas proporções: em primeiro lugar, é melhor que qualquer um deles; em segundo, não teve a sorte na carreira que os outros dois tiveram - o que é fundamental no desempenho de um jogador.

Às vezes basta um treinador. No caso de Saviola foi Van Gaal. Um jogador como Saviola, entenda-se, não se enquadra em filosofias rígidas, como é a da escola holandesa, em que as peças se mexem muito, sim, mas sempre partindo de características específicas dos jogadores em cada posição. Na escola holandesa não há lugar para um avançado como Saviola. Ele nem é um flanqueador poderoso, rasgante e veloz (como Gullit, Stoichkov, Figo, Robben ou Beguiristain, por exemplo), nem um ponta-de-lança típico, capaz de suportar o corpo-a-corpo, de aparecer em potência e de finalizar de cabeça ou em força (Eto'o ou Ronaldo). É um jogador de toque, de espera, de pisar muito campo e controlar o tempo e o momento de soltar a bola, de escolher o passe e não de obedecer ao esquema que transporta a bola entre posições pré-estabelecidas. Não é jogador para receber a bola sempre através de determinado processo, é, antes, jogador de entender, a cada jogada, onde ela vai decidir cair - mas para isso tem de sair do lugar, o que, para os mestres da táctica, é algo de dramático.

Depois de Van Gaal, um destruidor nato de individualidades, o processo de banalização de Saviola (um dos dez melhores jogadores do mundo aos 21 anos, recorde-se) foi progressivo, e atendeu sempre ao padrão do grande-jogador-que-passa-a-suplente-num-colosso-mundial-por-falta-de-estatuto-e-que-por-isso-desaparece.

Há algo que me parece evidente, ainda que possa chocar: em termos de capacidade potencial, Saviola é a melhor contratação na história do Benfica, quer pelos valores, quer pelo momento, quer, e sobretudo isso, pelo talento do jogador. Estamos a falar de um futebolista de 27 anos que, no seu pico de forma, esteve entre os cinco melhores avançados do mundo. Não é um bom rapaz como Suazo, nem um eterno sobrevalorizado, como Aimar: é alguém que já atingiu um nível realmente elevado a nível mundial.

Não sabemos como Saviola vai chegar ao Benfica. Não sabemos se vai chegar irremediavelmente castrado na sua confiança, destruído por três anos quase sem jogar. Não sabemos se vem para o Benfica a pensar, como outros, que vai encontrar um pequeno clube de província sem grande pressão (falta de preparação psicológica que é o principal factor de falhanço nas contratações do clube).
Não sabemos se vem com fome de bola ou saciado com o dinheiro que já ganhou.
Não sabemos se conseguirá reeducar o corpo e a cabeça para ganhar depois de tanto banco. O futebolista é um animal de competição - depois de domesticado, perde o fulgor.

Mas há uma coisa que sei. Se Saviola for no Benfica aquilo que nasceu para ser em qualquer equipa onde jogue - ele e mais dez, e tem de ser mesmo assim para funcionar -; se, mesmo que passe dois ou três meses a recuperar o ritmo, ele chegar a Janeiro a jogar o seu futebol e a pautar o da equipa; se a sua chegada potenciar o valor de outros jogadores fundamentais, como Aimar ou Di Maria; em resumo, se a coisa correr bem, a contratação de Saviola pode ser o momento em que Benfica dá um pontapé no seu destino.

Acho que Patric não vai tirar o lugar a Maxi. Acho que Schaffer só joga até ao Natal. Acho que Ramires vai ter problemas em adaptar-se à Europa e ao violento campeonato português e que sai no fim da época sem nunca ter atingido grande nível, apesar de ter jogado relativamente bem e praticamente sempre como titular. E acho que Saviola, com um treinador inteligente como Jesus, vai revolucionar a equipa do Benfica.

Há uns tempos escrevi que ao actual Benfica o que faltava era um clique, que podia vir de muitas formas - um jogo especial, um jogador que se revela, um golo decisivo, uma ligação entre dois ou três jogadores. Saviola, Saviola mais Aimar, pode ser esse clique.

Também pode ser um falhanço, mas o papel dos dirigentes deve ser apenas um: continuar a dar à equipa possibilidades de ela se revelar. Num momento dramático para o Benfica, vendo falir uma equipa demasiado cara, Rui Costa teve, até agora, o seu melhor momento como dirigente. Um rasgo, vindo do nada. Uma jogada de mestre. Um passe à dez. Um clique?

quinta-feira, 25 de junho de 2009

"Et tu, Adriano?"

Chamem-me maluco, mas consigo visualizar isto:

O telefone de Adriano Galliano acorda logo às sete da manhã de Milão com o hino italiano. É o primeiro-ministro e chefe supremo, Berlusconi. Nem seria preciso o toque fascizóide: só o patrão lhe ligaria às sete da manhã. A tripa de Adriano revolve-se. Lá vem bronca.
- Estou sim?
- Adriano, já estavas acordado?
- Claro, patrão.
- Olha lá, ligaram-me do jornal a perguntar-me sobre um Cissokho... Tu sabes quem é?
- Sei, patrão. É o nosso novo defesa-esquerdo.
- Um defesa-esquerdo? Para o lugar do Maldini?
- Sim, chefe. É um espectáculo. Corre que nem uma besta.
- Pois, pois... Olha lá, disseram-me que íamos pagar 15 milhões por esse tipo. Não é verdade, pois não?
Adriano começa a suar, e não é por causa do pijama de flanela.
- São 15, mais algum se a coisa correr bem.
- Isso quer dizer o quê?
- Bom, se ganharmos o campeonato, e a Liga dos Campeões, pagamos mais qualquer coisa...
- Pagamos mais o quê? - cicia Berlusconi.
- Pode ser mais dez milhões, chefe.
Há um silêncio. Adriano consegue visualizar o chefe a ficar vermelho do outro lado, como um balão a inchar, e percebe que não se vai safar.
- MAS TU ESTÁS DOIDO? - grita Berlusconi. - Tu enlouqueceste? Então eu vendo o melhor jogador do mundo por 60 milhões de euros porque estamos à rasca de dinheiro, arrisco-me a ser apedrejado na via pública, desfaço-me de um tipo que era meia-equipa, e tu dizes-me que posso ter de pagar metade do que recebi num defesa-esquerdo que nunca deu um pontapé numa bola? Mas tu estás bom da cabeça, ou quê?
- Presidente...
- Ó pá, tenho a canalha toda a morder-me os calcanhares, mal consigo aguentar esta história das mulas lá na casa da Sardenha, a minha mulher quer sair de casa e ficar com metade da massa, estou a ver que não me aguento como primeiro-ministro, já nem na bola me safo porque em vez de teres ido buscar o Mourinho ficaste lá com o outro que nem um onze sabia fazer, e agora ainda tenho de apanhar contigo? Por amor da Virgem, também tu, Adriano?!
- Presidente, acalme-se, por favor.
- Acalmo-me o c...! Acalma-te tu! Achas que isto está para andares a fazer as tuas negociatas com os teus amigos mafiosos, ou quê? Ainda agora apanhei o barrete do Ronaldinho e já me queres enfiar um ainda pior? Vê lá se percebes uma coisa: eu... não tenho... dinheiro... para dar... a chulos.
"Ui, ui", pensa Adriano.
- Não quero saber mais desta história. Tu meteste-te, nisso agora desenmerda-te. Para o gajo vir tem de ser por um terço do preço, senão os 15 milhões és tu quem os paga. Bom dia e vai à merda!
Desliga o telefone violentamente.
Adriano está lívido. Não sabe dizer porquê, mas desde o princípio que teve um mau pressentimento com esta história. Era muita gente a querer comer do mesmo prato, e ainda por cima no prato só havia osso.
Começa a pensar como é que se pode descalçar esta bota. Felizmente é uma carcaça com muita rodagem. Se não fosse estaria bem entalado, porque o português também é rato de muito esgoto. Mas caramba, ele é Galliani. Ele sozinho construiu o império do Milan, mesmo com um chefe lunático que tinha a mania que sabia fazer equipas e que contratava e dispensava jogadores só por simpatizar ou não com eles, com se fossem gajas de 18 anos que estivessem ao seu dispôr. Era o que faltava ficar agora em xeque por causa de um etíope qualquer que há meia-dúzia de semanas ainda estava nos distritais.
Abriu a gaveta da mesa de cabeceira e tirou de lá a vetusta agenda vermelha e negra.
Ligou um número de telemóvel.
- Estou, doutor? Galliani. Bem obrigado, e o senhor? Concerteza. Olhe, doutor, hoje à tarde vai aí um rapaz de cor que nós íamos contratar. Estou? Isso. ...Sokho. Exactamente, Cissokho. Doutor, eu acabei de saber, de fonte muito credível, que o moço está estragado. Não me souberam dizer exactamente o quê mas tem um problema físico complicado. Como? Sim, quinze. Pois, talvez vinte e cinco... Oiça, não interessa! Até podiam ser cento e cinquenta milhões porque nós não vamos ficar com ele. Percebeu? Veja lá o que o rapaz tem mas daí ele não sai sem lhe encontrarem o defeito. Está a ver? Ainda hoje vai recambiado. Ok? Pronto, trate lá disso. Bom dia, doutor.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Muita fruta pró Miguel

Na Nortada de hoje, na Bola, Miguel Sousa Tavares quase se propôs para sócio do Benfica ante a perspectiva de vir a ter José Eduardo Moniz como presidente. Ficámos a saber que, para MST, Moniz é um génio da liderança, um cavaleiro da virtude e uma escolha certa para as próximas eleições, em 2012. O que, a ser verdade, seria fantástico para o Benfica. E não estou a ser sarcástico.

Permitam-me que duvide - e nem sequer tem a ver com o Moniz, tem mais a ver com o Tavares. Até ao início da saga do Apito Dourado pensava que MST era intelectualmente íntegro. A forma despudorada como defendeu o culpadíssimo Pinto da Costa desiludiu-me. Fiquei a saber que a opinião de MST era maleável, e sobretudo que não era desinteressada. Há uns anos tê-la-ia lido com grande prazer. Neste momento não acredito nela.

Há, além desse pequeno senão, algumas razões que me levam a desconfiar da bondade da história que nos estão a tentar vender e da integridade absoluta do Moniz - e isto desejando eu ardentemente que alguém decente tirasse o Vieira do poleiro, entenda-se.

Antes de mais nada a incoerência de um movimento que, supostamente, teria Moniz como pedra-angular já há mais de três meses, mas que não está preparado para a antecipação de eleições? Então se as coisas estavam já pensadas para o Moniz qual é o problema das eleições serem antes? Não devia ser o contrário: quanto mais cedo melhor, para não apanhar o campeonato em andamento?

Como é que o Moniz justifica a renúncia com o adiantamento das eleições? Qual é o problema? A não ser que, na verdade, o Moniz não tivesse ainda pensado seriamente em ser presidente do Benfica nem tivese nada preparado, o que atentaria gravemente contra a sua propalada competência. De facto, a ideia que passa é que o Moniz foi apanhado com o projecto em cima do joelho, e que por isso achou melhor não ir a jogo.

A outra justificação para não se candidatar é ainda mais espantosa. Diz ele que não poderia pegar num projecto que é de outros, ou seja, que não seria justo ter de gerir uma equipa formada por Vieira e Rui Costa. Mas o que raio é que iria acontecer se as eleições fossem em Outubro?! Não seria muito pior? Não estaria já a equipa fechada? Ou o Benfica não iria contratar nem treinador nem jogadores até ao terceiro mês de campeonato? É evidente que, sendo as eleições em Outubro, qualquer novo presidente teria de encontrar a equipa e equipa técnica fechadas (e em grande actividade, acrescente-se).
Novamente, não bate a bota com a perdigota.

Finalmente (e isto bastaria para duvidar da integridade de Moniz), o factor principal de desconfiança: Veiga.

Primeiro ponto: a ideia que passa é que Moniz é uma escolha de Veiga para tapar um buraco, dada a impossibilidade de ele próprio concorrer às eleições. Aliás, toda a argumentação por parte dos elementos mais públicos do Movimento Benfica Vencer Vencer aponta para que Veiga fosse o verdadeiro candidato, e que foi por isso que Vieira antecipou as eleições - para não ter de o enfrentar em Outubro, devido à antiguidade como sócio. Consequentemente, Moniz foi uma solução de recurso, um desenrascanço de última hora. O que contradiz a teoria de que Moniz já estivesse a ser pensado para o cargo há vários meses.

Como é que um suposto mestre da liderança aceita fazer o papel de uma solução de desenrascanço?

E como é que é o futuro director do futebol quem convida o futuro presidente para integrar as listas?
Hã?
Pois.
Antes de haver Moniz sempre houve Veiga, todo o Movimento foi construído no pressuposto de entregar o futebol ao Veiga, e no fim acaba por ser Veiga a convidar Moniz para ser presidente. Mas afinal como é que o futuro subordinado escolhe o presidente que vai ter?
Quem seria o chefe?
Quem é que teria a legitimidade de demitir quem?
Seria, certamente, a primeira vez na história do desporto que um empregado escolheria quem iria ser o seu futuro patrão.
Que autoridade teria Moniz ante Veiga?
Quem mandaria, de facto, no Benfica?
Que papel teria Moniz? O de fantoche? Impossível, segundo Miguel Sousa Tavares.

Mas o que Moniz disse é que não aceitava por causa, primeiro, do golpe estatutário, e depois porque não queria ter de gerir os projectos dos outros.
O que nos leva à última (e chegava esta) razão para desconfiar da moralidade limpa de Moniz.

Como é que ele aceitaria trabalhar com José Veiga?

Porque são coisas inconciliáveis, note-se.

Para Miguel Sousa Tavares, José Eduardo Moniz é um elemento com integridade à prova de bala. Como é que ele poderia trabalhar (e ainda para mais numa situação de ambiguidade de poderes) com um autêntico escroque, como é Veiga, segundo MST, um corrupto que, segundo ele (vi na TVI, curiosamente, lembro-me bem desse dia) comprou o último campeonato do Benfica, corrompendo árbitros, clubes e jogadores adversários (o célebre Apito Encarnado, de que MST fala recorrentemente), um vigarista da pior espécie? E que ainda por cima estava lá antes dele?

José Eduardo Moniz estaria pronto para ganhar campeonatos utilizando métodos criminosos?

Não, nesta Nortada há qualquer coisa que cheira mal, e muito me surpreende que Miguel Sousa Tavares, detentor de um espírito arguto e interrogante, não se tivesse colocado diante estas dúvidas tão básicas.

Pensando melhor, não, não me surpreende. É que para MST a felicidade está em destruir Luís Filipe Vieira, e para mim está em salvar o Benfica de todos os Luis Filipe Vieira.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

O pato bravo

Um interregno na proposta para uma verdadeira Liga para um assunto que, afinal, tem tudo a ver com ela. O que é que toda esta verborreia sobre uma verdadeira Liga tem a ver com o PAPA? Comecemos pelo elo mais fraco. João Vale e Azevedo.

Há apenas uma razão para João Vale e Azevedo ser o único presidente de um grande clube português, até hoje, a ser condenado e preso por actividades ligadas ao futebol: ele era um extra-terrestre.

Não veio de dentro do futebol, não conhecia o meio, ignorava os métodos operacionais e, sobretudo, os mecanismos de defesa dos vigaristas da borracha, e com isso ficou vulnerável. Vale e Azevedo foi apanhado porque era um pato bravo no futebol português. Era um anjinho. Um pateta. Era tenrinho.

Pinto da Costa e Joaquim Oliveira comeram-no ao pequeno-almoço porque, se bem se lembram (quem tem idade para se lembrar), Vale e Azevedo não sabia quem era Pinto da Costa. Tinha uma ideia. Sabia mais ou menos. Já ouvira falar. Quando entrou para a presidência do Benfica e falava de Pinto da Costa na televisão ficava com aqueles olhinhos e o beiço de quando precisava de se concentrar para se lembrar de meia-dúzia de tópicos que havia estudado à noite sobre determinado assunto. Quando falava de árbitros só lhe faltava consultar as cábulas para não confundir penálti, expulsão e grande área.

Vale e Azevedo entrou no futebol convencido da sua genialidade e de que conseguiria, facilmente e sem precisar de se misturar com ninguém, duas coisas que para ele eram importantes: tornar o Benfica num clube vencedor e ao mesmo tempo ganhar bastante dinheiro em esquemas paralelos com transferências de jogadores, uma área que conhecia bem devido às suas ligações com empresários ingleses.
A Inglaterra, esclareça-se, é a pátria da grande chulice nas comissões paralelas em transferências de jogadores. É um esquema instituído entre os treinadores (os managers, que decidem quem é comprado), os agentes e as suas off-shore, que lavam o dinheiro. JVA limitou-se a importar o negócio, trazendo para Portugal um dos seus mais genuínos intérpretes, o espertalhão Graeme Souness - que preteriu Deco em favor do inenarrável Michael Thomas, por exemplo, porque com Deco não ganhava nenhum.

Foi a inocência que tramou Vale e Azevedo. Provavelmente só compreendeu que era um menino a brincar entre trambiqueiros de barba rija quando se viu trancado dentro de uma cela de prisão.
O coitado do JVA foi totalmente tragado por Pinto da Costa e pelo sistema do futebol, que nos últimos nove anos não fez mais que fortalecer-se.

Enquanto JVA se convencia de que para o Benfica dominar a pobreza franciscana que era o futebol em Portugal só bastava tornar a equipa menos emocional e fazer com que os jogadores se portassem como profissionais e se deixassem de mariquices, Pinto da Costa, vendo-se livre do incómodo Gaspar Ramos - uma espécie de contra-poder (ainda que inepto) nos bastidores, que saíra com Manuel Damásio - e dono e senhor dos meandros da arbitragem, não teve dificuldades em convencer José Roquette, eleito presidente do Sporting pouco tempo antes, a deixar-se desses disparates de "fazer o 25 de Abril do futebol".
PC, Roquette e respectivas entourages começaram a encontrar-se para tratar de estádios novos, de jogadores para trocar, de SAD's e de outros assuntos mais privados e nunca bem explicados, permitindo que, em 2000, após 17 anos de espoliação, o Sporting conseguisse, enfim, ganhar um campeonato, ante uma inédita complacência de PC, que pela primeira vez em muitos anos não se sentiu (nos jornais) escandalosamente prejudicado pelas arbitragens.

JVA mandava rasgar os ruinosos contratos com a Olivedesportos, ciente de que as receitas de novos acordos provavelmente cobririam o anterior e de que ainda sobraria dinheiro, e a tribo da bola espantava-se com a audácia daquele alienígena que não compreendia que essa Olivedesportos era a verdadeira trave-mestra da economia da selva, credora de todos os clubes, detentora dos seus futuros e espécie de braço-armado financeiro do sistema dominado por Pinto da Costa, ao mesmo tempo alimentando-se dele (até entrar, com a compra da PT Multimédia, no universo das vinte maiores empresas portuguesas).

JVA trazia jogadores de segundo plano de Inglaterra para ganhar algum e os índios locais espantavam-se pela desfaçatez com que os empresários locais, liderados pelo super José Veiga (em época áurea com as transferências de Figo e Zidane para o Real Madrid), alimentados à mão pelos Pintos do galinheiro, eram desprezados - eles que, industriados por PC, dominavam a arte do comissionamento clandestino, sabendo bem que chão pisar para não matar o negócio.

Em resumo, Vale e Azevedo caiu de pára-quedas no futebol português a meio do meio-dia, sem ninguém a cobri-lo, e foi o alvo mais fácil de abater na sua história.
Nos jornais, nunca se preocupando em desfazer a aura de arrivista, foi despido, esquartejado e deixado aos lobos, neste caso a Polícia, o Ministério Público e os tribunais, para quem a acusação e condenação de um vulgar (ainda que megalómano) Alves dos Reis que se regia pelas normais "leis do mercado" foi uma brincadeira de crianças.
Na hora da verdade, a Vale e Azevedo faltou, sobretudo, a cumplicidade e os laços de lealdade que unem os traficantes do futebol português, e que se estendem até às mais altas instâncias políticas do país, passando por todo o sistema judicial, desde a esquadra de bairro até ao mais elevado tribunal e a Assembleia da República. Faltou-lhe a estrutura e um verdadeiro conhecimento das coisas. Se tivesse sabido entrar na panelinha provavelmente ainda seria presidente do Benfica.

Ainda hoje há três momentos que definem perfeitamente o que foi a fulgurante e fenoménica passagem de Vale e Azevedo pelo Benfica:

- a ruptura de contratos de direitos televisivos com a Olivedesportos, que foi, facilmente, o acto mais revolucionário na história moderna do futebol português, e o único que ameaçou, na prática, fazer ruir o sistema corrupto instituído.

- o despedimento de João Pinto - que, na verdade, só pode ser mistificado por alguém com um sentido revisionista da história. João Pinto, independentemente do percurso que teve depois de sair do Benfica, representou, em todo o seu esplendor, a decadência da cultura benfiquista. Quando se podia ter tornado, se tivesse tido a inteligência para isso, numa das três maiores figuras na história do clube, resvalou, pelo contrário, para a acomodação. Se alguém há a culpar pela sua saída inglória do clube é, antes de mais, a ele próprio, que se deixou cair, ano após ano, numa vulgaridade futebolística que tornou o seu despedimento natural. E quem disser o contrário não sabe o que diz. O último ano de João Pinto no Benfica foi o de 1995, daí para a frente viveu à sombra da bananeira e só voltou a jogar a sério quando sentiu que isso era necessário, já no Sporting.

- a contratação de José Mourinho, que, como o próprio Mourinho explicou num dos seus livros, foi uma escolha pessoal de Vale e Azevedo. Os grandes pensadores do nosso futebol (colunistas, articulistas, opinadores de uma maneira geral) que actualmente fazem de Vale e Azevedo o grande satã e, ao mesmo tempo, endeusam José Mourinho, deveriam ser obrigados a ler, como tarefa humilhante, todos os dias, ao acordar, o que escreveram sobre a escolha de José Mourinho para treinador principal do Benfica, e continuar até ao momento em que Toni, um dos grandes protegidos da nação benfiquista nos jornais, tomou o seu lugar. Teriam, certamente, vergonha de pegar numa caneta.
É preciso recordar que, na altura, José Mourinho nunca tinha sido treinador principal. Era, também ele, um extraterrestre, e Vale e Azevedo foi considerado pouco mais que atrasado mental por apostar nele. Era a pessoa mais improvável do mundo para ter sucesso à frente da carruagem desenfreada que era o Benfica.

O que se pergunta, hoje, é o seguinte: onde estaríamos, actualmente, se Vale e Azevedo tivesse sido reeleito presidente do Benfica, se Mourinho nunca tivesse saído e se os direitos televisivos do Benfica tivessem sido renegociados fora do âmbito da Olivedesportos?
Independentemente de Vale e Azevedo ser o trafulhazito que era, estaria o futebol português onde está?
Duvido que alguma vez JVA tenha falado com um árbitro.
Chego ao ponto de perguntar: seria ainda Pinto da Costa dirigente desportivo? Arrisco dizer que não.

E assim chegamos ao PAPA.

O momento decisivo para o triunfo do sistema aconteceu quando Pinto da Costa e Joaquim Oliveira arquitectaram um plano para a tomada de poder no Benfica, nas eleições de 2000. Utilizaram todos os seus meios, de financeiros à comunicação social, para lançar uma lista de que o bonacheirão e manobrável (sobretudo a partir das duas da tarde) Manuel Vilarinho era o testa-de-ferro mas de que a verdadeira trave-mestra, o operacional, seria Luís Filipe Vieira, amigo de casa de ambos, figura espúria, já então, no futebol português, enquanto presidente do Alverca (uma criatura do género Gondomar mas para melhor), ligado a tudo o que era trambique mas, sobretudo, um aliado útil e sem escrúpulos na deposição de Vale e Azevedo.

O carácter rapace de Vieira, que lhe permitiu transformar-se de mero gandulo em milionário, formado na escola das piores ruas de Lisboa, depressa o virou contra o seu criador - Pinto da Costa - sobretudo a partir do momento em quem, contratando o anjo caído José Veiga para uma aliança diabólica que visava, simplesmente, a tomada de poder no vaticano futebolístico, Vieira assumiu a ida a jogo.
O título de 2004 foi alcançado executando à letra a pior cartilha do pintismo, e até hoje mantenho a convicção de que houve apenas um factor que levou à sobrevivência política de Pinto da Costa: a providencial cartada Mourinho, que lhe permitiu destruir, em campo, a coligação Vieira-Veiga, roubando ao Benfica as vitórias de que necessitava para se impôr como nova força do sistema.

Acima de tudo, é preciso compreender que desde 2000 que Pinto da Costa domina o Benfica porque foi ele quem inventou o actual Benfica, lá colocando um lacaio que, mesmo empenhando-se numa luta de usurpação do senhor feudal, não consegue, por falta de preparação, ascender ao poder. Falta-lhe a grandeza essencial.

O texto integral do Apito Encarnado, suposta e anonimamente (é só rir...) escrito por inspectores da Judiciária denunciando Luis Filipe Vieira como corrupto de primeiro escalão, é um hino ao sistema. Através dele Pinto da Costa elucida-nos a todos sobre o seu verdadeiro poder sobre Vieira: o conhecimento íntimo do indivíduo e a capacidade de o bater no seu próprio jogo, no qual Pinto da Costa é mestre, um jogo que conhece e domina a partir da raiz pois anda a jogá-lo desde meados dos anos 70, construindo, no processo, um castelo de lealdades que não é vulnerável a arrivistas.

O Benfica não tem hipóteses de destruir Pinto da Costa porque o seu presidente joga sob as mesmas regras. Está, por isso, derrotado à partida. A desonestidade, o logro, a manipulação, o obscurantismo, são a força integral do pintismo, mas também são a sua fraqueza. Sendo a sua estrutura fundamental, é pela sua corrosão que o sistema pode cair. Não se elimina Pinto da Costa sendo mais desonesto, mais dissimulado, mais manipulador, mais obscuro. Isso não vai acontecer. Só se o conseguirá jogando outro jogo - não um jogo um bocadinho mais limpo, mais tíbio, sem maldade, apenas com alguma malícia, como pretende fazer o Sporting há dez anos e sem sucesso, mas um jogo diferente. Um jogo limpo.

Propondo uma verdadeira Liga, por exemplo.

A grande questão, contudo, é outra: até que ponto está a massa benfiquista pronta a acreditar que um infante pode matar um leão?

O que seria necessário para que fosse eleito como presidente do Benfica uma pessoa que dissesse, por exemplo, que estava disposto a não ir às competições europeias durante dez anos se isso fosse o que era preciso para romper com a estrutura instituída do futebol português?

Até que ponto estariam os benfiquistas dispostos a aceitar alguém que dissesse que se o que é preciso para regenerar o futebol e expulsar Pinto da Costa é admitir que não foram apenas os últimos trinta mas os últimos setenta anos a serem corrompidos, e que se isso implicaria começar a contagem de títulos do zero, então que fosse?

Até que ponto não estarão os benfiquistas sempre mais dispostos a acreditar em qualquer Veiga que lhes apareça, por mais sujo que seja, a prometer títulos imediatos, por qualquer meio, do que em alguém que diga que o Benfica não precisa de títulos dos que se compram em casas de alterne?

Conseguirão eles perceber que isso não significa, verdadeiramente ganhar, mas continuar a caminhar na lama, sem brilho nem honra? Que trinta vitórias assim, trezentas vitórias, são iguais a nenhuma vitória?

Conhecerão os benfiquistas, e os portugueses, o conceito de honra? E estarão dispostos a pagar por ela o que ela exige?

Ou será que não existe, em Portugal, espaço para a honra?

Seremos assim tão baratos?