quarta-feira, 5 de maio de 2010

Choramingos, paciência

Em qualquer país do mundo com uma cultura vencedora o treinador do Braga seria ridicularizado numa base diária. Seriam lavrados textos humorísticos com o Choramingos a lamentar-se de tudo o que mexesse - dos árbitros, dos horários dos jogos, da relva, do tempo, dos castigos, das lesões, das vendas, das compras, dos treinadores anteriores. Seriam feitas caricaturas em que se ampliariam os seus olhos lacrimejantes antes, durante e após os jogos (sempre que lhe aparece uma câmara à frente), o seu beiço inferior eternamente lamurioso, pingando baba e ranho; a sua fisionomia de desgraçadinho, que o acompanha desde que cavava penáltis a eito nos gloriosos tempos de Carlos Alberto Silva, de Adriano Pinto e do Guarda Abel, juntamente com o seu colega Kostadinov (ainda me lembro das suas belas cabeleiras à Futre atirando-se para trás assim que se aproximavam da área, e da certeza científica com que chegavam os apitos dos Calheiros, dos Soares Dias, Dos Fortunatos Azevedos, dos Guímaros, dos Silvanos nos momentos apropriados).

Em qualquer país do mundo em que o Calimero fosse uma figura satírica, e não um modelo humano como é aqui, Choramingos Paciência (Paciência, por Deus!) seria massacrado. Em Portugal é um mestre da psicologia. E porquê?

Porque pegou numa equipa que cronicamente fica entre os quatro primeiros do campeonato, uma equipa construída de raiz pelo actual director-desportivo e pelo anterior treinador, e, jogando uma vez por semana (quando não por quinze dias ou por três semanas), depois de ter sido precocemente eliminado da Liga Europa, da Taça de Portugal e da Taça da Liga, a levou ao segundo lugar num campeonato tão fraco que permitiu, por exemplo, que os três primeiros tenham acumulado mais pontos, em conjunto, que em qualquer outro nos últimos vinte anos, que o campeão, tendo uma equipa a jogar apenas acima da média, apenas tenha perdido dois jogos e empatado quatro ou cinco e que o quarto classificado, um histórico terceiro candidato ao título, acabe a trinta pontos do primeiro.

O grande feito de Domingos foi ter feito de uma equipa no ponto máximo de maturação segundo classificado no campeonato. Fê-lo recorrendo a um estilo de jogo igual à do pior Porto dos últimos vinte anos, o de Carlos Alberto Silva, precisamente aquele em que ele foi mais importante - um estilo cínico, ultra-defensivo, que joga quase tudo no desgaste do adversário, muito à imagem do Boavista campeão de Jaime Pacheco que, além desse campeonato martelado no gabinete do Major Valentão, só trouxe miséria quer ao clube quer ao futebol português. É o mesmo discurso miserabilista, a mesma filosofia trauliteira, a mesma piedade provinciana.
Tal como esse título - que, segundo os entendidos, seria fantástico para o futebol português - também esta campanha "de Campeões" do Braga será, na verdade, irrisória. Tal como esse título, ela foi sustentada num futebol negativo e numa abordagem terrorista do jogo e do campeonato, recorrendo a esquemas mentais antigos para inventar fantasmas e munições onde eles não existiam.

Tal como o Boavistão, o Braguinha voltará rapidamente à mediania, senão mesmo à mediocridade, porque, ao contrário de Benfica, Porto e Sporting, que se impuseram à história e se tornaram grandes não por jogarem contra alguma coisa mas por ambicionarem mais e oferecerem às pessoas sonhos de grandeza pura, o Braga não promete nada. O seu futebol é fraco, os fantasmas desaparecem e a sua base social não vai resistir ao baque. Há em Braga mais benfiquistas que braguistas - este termo, aliás, nem sequer existe.
Acho muito mais provável que o Vitória de Guimarães sobreviva ao Braga, por exemplo, que o inverso. O Braga está a um ou dois anos maus de voltar ao meio da tabela, e aposto o que for preciso que nunca será campeão nacional - ou pelo menos nos próximos trinta anos.

O famoso castigo ao Vandinho (no mesmo jogo em que o Cardozo foi suspenso por levar duas chapadas na cara) foi a melhor coisa que aconteceu ao Braga esta época. É altamente duvidoso que o Braga tivesse feito melhores resultados com Vandinho do que os que fez sem Vandinho. Pelo contrário, esse castigo foi cavalgado durante meses a fio pelo Choramingos, o que, juntamente com a ausência de jogos europeus, lhe permitiu evitar que os seus jogadores se distraíssem. Nem o Vandinho, de certeza, sabia que era tão bom jogador e tão importante para o Braga como o Choramingos o fez. E é preciso não esquecer que o Vandinho - o Vandinho... - é um trinco, e que só é tão importante para o "esquema" porque o Braga é uma equipa de trincos, e de meios-avançados, e de médios-laterais recuados, e de defesa e contra-ataque, que marcou menos trinta golos que o primeiro, menos vinte que o segundo e que ganhou sete jogos por 1-0 (21 pontos com sete golos em sete jogos).

O que vai acontecer na próxima época é o seguinte:
- O Braga vai começar a época mais cedo para jogar as duas eliminatórias da Liga dos Campeões. Vai falhar o apuramento porque vai apanhar uma equipa francesa, inglesa, espanhola ou alemã na segunda e vai jogar para a Liga Europa;
- a Liga Europa é pior do que a Liga dos Campeões porque dá o mesmo trabalho e muito menos proveito. Em Fevereiro o Braga já leva mais tempo de trabalho nas pernas que nesta época e, porque o Natal não é quando o homem quer, anda a jogar para o quarto lugar com o Guimarães, com o Marítimo e com mais um ou outro que apareça. Basta o Sporting ter uma época mais normal - que vai ter - para o Braga desaparecer do pódio;
- O Choramingos, sem os mesmos resultados, vai andar a chorar para o boneco. Não só ninguém lhe vai ligar nenhuma como se vai tornar mais evidente que ele é, não diria uma fraude, mas uma aproximação. Não vai parecer diferente de um Vítor Pontes, de um Manuel Machado, de um Paulo Sérgio, e vai parecer muito diferente de um Mourinho ou de um Jesus.

Há um cenário que eu adoraria que fosse diferente, mas que infelizmente não vai ser: um em que o Choramingos fosse para treinador do Porto. Seria fantástico. Um treinador derrotista num clube em quebra seria o melhor que poderia acontecer aos outros, ainda por cima um homem da casa, que atirasse aquela gente toda uma contra a outra.
Mas o Pinto da Costa não vai nisso. Não vai ser nem o Domingos, nem o Jorge Costa, nem o Vilas-Boas. Continuo a dizer, como já disse há mais de um ano, que o próximo treinador do Porto vai ser o Carlos Queirós. Aliás, todas estas cortinas de fumo que vão sendo lançadas servem apenas para dar tempo a Queirós de despachar o Mundial. Portugal fica-se, na melhor hipótese, pelos quartos-de-final, logo no princípio de Julho, e a época do Porto só começa quase um mês depois.

O cenário mais provável será este: Carlos Queirós como treinador principal e Jorge Costa como primeiro adjunto. O cenário hipotético será o de um treinador estrangeiro muito experiente com Jorge Costa como adjunto. Alguém do nível de Eriksson, Hiddink ou semelhante. O Porto vai gastar dinheiro a sério, em treinadores e jogadores. A hipótese de um segundo título consecutivo para o Benfica é real.

O terceiro cenário, que não refuto, é a contratação de Jorge Jesus ao Benfica pela cláusula de rescisão.

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