sexta-feira, 24 de julho de 2009

O Nariz por um leão

A estrelinha voltou a brilhar. Subitamente uma época problemática para José Mourinho começou a dar a volta, com a troca de Ibrahimovic por Eto'o e Hleb, e com a contratação de Lúcio.
Problemática a sério.

Para Mourinho a motivação é a chave. Motivar uma equipa (e um clube, do presidente ao adepto) que ganha facilmente em Itália, num ano em que a Juventus melhorou pouco e em que o Milan começou a reconstruir a equipa, é muito complicado. Ganhar o título seria o mais normal, mas uma nova ausência da final da Champions seria, provavelmente, o princípio do fim de Mourinho em Milão - pelo menos no Inter...

Além disso, comprou pouco e nem tudo o que quis. Comprou Thiago Motta (raça a meio-campo) e Milito (acutilância no ataque), que serão instrumentos úteis no seu sistema mas não são jogadores de verdadeira classe mundial. Quis comprar Deco e Ricardo Carvalho mas o dono do Inter deve andar preocupado com o negócio das gasolinas e desconfiou. eriam, contudo, apenas mais dois especialistas para o seu sistema. Sistema que, refira-se, é o verdadeiro segredo do sucesso de Mourinho, e isso é importante.

Mourinho não construiu o seu sucesso adaptando o sistema aos jogadores, mas sim adaptando os jogadores ao seu sistema. E isso não tem só a ver com capacidades técnicas e tácticas para cada lugar mas também mentais. a minha opinião o campeonato mais meritório de todos os que Mourinho já ganhou foi precisamente o último, pois pela primeira vez ele teve de adaptar o seus sistema a um plantel previamente definido e em que dificilmente se podia mexer (pelos elevados salários dos jogadores, sobrevalorizados, em quem ninguém queria pagar).

Veja-se, por exemplo, as semelhanças entre o Porto e o Chelsea. Na defesa, um central de carácter e força e outro mais rápido, versátil e pouco saliente em termos de personalidade (Jorge Costa/Ricardo Carvalho e Terry/Ricardo Carvalho). Laterais de corredor inteiro e tacticamente perfeitos (Paulo Ferreira, Cole, Nuno Valente) mais que de grande qualidade técnica - e por alguma razão Mourinho fez de Maicon, um suplente da selecção brasileira, o melhor defesa-direito do mundo. Um médio-defensivo de passe rápido, pouca bola e grande pulmão (Costinha e Essien). Um médio volante todo-o-terreno, com grande capacidade defensiva e capaz de aparecer a finalizar ou a assistir na grande-área (Maniche e Frank Lampard). Um médio ofensivo de passe penetrante e defensivamente fiável (Deco em ambos os casos). Dois avançados versáteis e rápidos nas alas (Derlei, Robben, Postiga, Kalou) independentemente da qualidade técnica. Um ponta-de-lança rápido, instintivo, definidor, matador (McCarthy e Drogba).

Não é supresa, para mim, que tantos jogadores tenham conhecido o seu período de maior fulgor com Mourinho e depois como que se diluído (Ricardo, Paulo Ferreira, Costinha, Maniche, Deco, Derlei, McCarthy, Drogba até certo ponto, Postiga, Robben e outros). Num conjunto criado para eles serem complementares as suas virtudes ampliavam-se. Noutro conjunto em que elas não podiam ser potenciadas tornaram-se naquilo que nunca deixaram de ser - apenas bons jogadores, alguns casos muito bons mas já não excelentes. Drogba passou de ser um dos três melhores avançados do mundo para ficar, eventualmente, entre os dez ou quinze melhores. O mesmo com Deco entre os médios, Ricardo e Terry entre os centrais. De outros, como McCarthy, Costinha, Derlei, Maniche, Postiga, Paulo Ferreira, mais vale nem falar.

No Inter Mourinho teve de andar a encaixar o seu sistema de sucesso aos jogadores que tinha. O (muito) relativo insucesso da época passada explica-se com isso, mais do que com a sua adaptação ao futebol italiano e vice-versa.

No Inter não havia um Terry ou um Jorge Costa - havia um Materazzi, que é parecido no carácter mas não é a mesma coisa em termos de talento. Ainda assim, Mourinho repescou-o e fez dele capitão, titular e referência - como Terry e Costa o eram nos seus clubes. Este ano haverá Lúcio. Se houvesse Ricardo, Mourinho teria a sua dupla feita.

Não havia um Costinha nem um Essien. Havia Vieira, que se agarra demasiado à bola e já não tem o fulgor físico de outros tempos, perdendo muitos duelos em que antes não dava hipótese.
Não havia Lampard (apesar de ele tentar ir buscá-lo) nem Maniche, por isso Mourinho reinventou Cambiasso, que o próprio não fazia ideia de poder ser assim tão bom jogador pois nunca tinha jogado tão bem na vida. Ainda assim, não é a mesa coisa. Comprou Thiago Motta, um grande talento com problemas de personalidade a quem Mourinho confia poder dar a volta à cabeça. Não me surpreenderia se Motta fosse a grande revelação desta época em Itália, juntamente com Quaresma.

Não havia, realmente, avançados-ala "à Mourinho". Assim se dá a contratação (daí tão cara) de Quaresma e o surgimento do ex-júnior Balotelli, mesmo com o consagrado Crespo atirado para o banco. Daí surge, este ano, Milito, e acredito que ainda outros virão - incluindo Quaresma, que parece pronto, agora, já adaptado à ausência de Portugal que para ele é, aparentemente, problemática, para explodir.

E não havia, definitivamente, o ponta-de-lança típico de Mourinho.

Ibrahimovic, para mim, foi a grande incógnita do Inter a partir do momento em que se soube que Mourinho ia para lá. Não me surpreendeu que houvesse, na altura, rumores de saída, assim como não me surpreendeu minimamente que eles voltassem neste defeso, já depois do sueco ter feito a melhor temporada da sua carreira, confirmando, enfim, o potencial que todos lhe reconheciam mas que ate agora andava a meio-gás.

Ibrahimovic é o oposto do ponta-de-lança típico de Mourinho. Tecnicamente é muito mais forte do que o necessário (para o papel que lhe é atribuído no sistema, entenda-se), é pouco rápido, as suas movimentações são previsíveis e gosta de jogar em todo o meio-campo ofensivo. Tem muito mais de criatividade técnica que de instinto e, apesar de tudo, é relativamente fácil de marcar, desde que não receba a bola perto da baliza em condições de poder jogar no um-para-um e marcar. Não é jogador de aparecer a rasgar, mas de dizer que vai aparecer, aparecer e , quando se pensa que está tudo controlado pelo seu marcador, inventar um recurso técnico que desequilibra e colapsa a defesa. É um jogador de bola, e não de espaços.
O Nariz, como é conhecido pelos italianos, pelo seu narigão judeu, é um cão nobre, com pedigree, e joga limpinho.

Mesmo assim, Mourinho pegou no que tinha e não podia desbaratar (como é evidente), e fez dele, de acordo com a opinião generalizada, um dos três melhores futebolistas do mundo, com Ronaldo e Messi. O que é espantoso, considerando que, para Mourinho, Ibrahimovic sempre foi a escolha possível, e não a ideal. O ideal, para Mourinho teria sido ir buscar Drogba ou Eto'o já o ano passado. Este ano, com um Barcelona "feito à medida" para receber um futebolista do estilo de Ibrahimovic e um Real Madrid a forçar o mercado, a oportunidade apareceu. E Mourinho, apesar de poder dizer o contrário publicamente, deve ter agradecido a Deus quando se deitou na noite em que o negócio foi concretizado.

Eto'o é um dos jogadores mais subvalorizados do futebol mundial. Foi campeão europeu com o Barcelona "de Ronaldinho" e, depois da revolução, voltou a sê-lo com o "de Messi". Foi sempre titular, apesar de ter uma personalidade odiável que, na política, faria dele um potencial ditador subsaariano - e é por isso que sai do Barça, apesar de, aí, se ter tornado no avançado de rendimento mais regular e elevado do futebol europeu dos últimos cinco anos. Em ambas as finais da Liga dos Campeões Europeus foi elo quem marcou o primeiro golo do Barcelona. Em todos os grandes jogos desta era do Barcelona marcou ou foi dos melhores em campo. E chega a Milão na força da idade e da experiência, juntando-se a um treinador que, além de ser o melhor do mundo, está pronto a levá-lo ao lugar a que julga ter direito - entre os cinco melhores avançados.

A Mourinho, Eto'o dá aquilo que deram McCarthy e Drogba, e que Ibrahimovic nunca poderia dar: um instinto assassino africano, a malícia natural dos grandes predadores, o oportunismo, a velocidade, a imprevisibilidade no ataque, e a garantia que nenhum golo se vai perder nem porque Eto'o foi menos sagaz que o defesa nem porque não apareceu quando tinha de aparecer. Um jogador que, enquadrado num sistema que o favorece, se torna praticamente impossível de marcar durante um jogo inteiro. E um animal de ambição. O picante que faltou ao Inter durante toda a época.

Neste momento, e ainda a um mês do final da janela de transferências, consigo perfeitamente ver o Inter a ir buscar mais um ou dois jogadores "à Mourinho", a ganhar outra vez o campeonato e, vindo do nada, a chegar à final da Liga dos Campeões - apesar do Barça, do Real Madrid ou do Liverpool de Benítez. Isto se Mourinho não for, entretanto, despedido.
É que nem toda a gente (com se viu com Abrahamovic e como se vê, em certa medida, com Moratti) está disposta a perceber que o futebol é um jogo simples movido por mecanismos complexos e bastante aleatoriedade.

Sem comentários:

Enviar um comentário