terça-feira, 25 de agosto de 2020

Da arrogância

É difícil a um clube que tenha construído a sua história sobre o espírito popular e solidário, como o Benfica, conviver com a mentalidade aristocrática de quem se sente no direito a ser reconhecido como melhor de que os outros. No entanto, é necessário que o faça, porque o tempo não avançará enquanto não o fizer. O Benfica, que inventou a humildade no futebol português, está culturalmente parado desde 1963, precisamente o ano em que as vantagens de ser humilde já não eram suficientes para continuar a ganhar. Serviram enquanto os outros eram mais fortes – enquanto o clube prosperou, a partir da sua força comunitária, contra um rival interno mais rico e institucionalmente mais poderoso; enquanto os adversários nas finais europeias foram melhores e superfavoritos e a abordagem ao jogo podia ser feita de baixo para cima, em luta e em sacrifício, sem ser preciso assumir superioridade. Daí em diante, ser bom, ou ser melhor, não voltou a ser suficiente. Nem com a melhor equipa europeia da década de 60 o clube voltou a ganhar como antes. A falácia da humildade está intrincada no futebol português, sobretudo graças ao sucesso temporário que lhe trouxe, quer com o Benfica, quer, depois, com o Porto, quer, finalmente, com a Selecção Nacional. Ser humilde – ou seja, aceitar as fraquezas e fazer delas forças à base do suor – tem benefícios, mas também malefícios. Se se erguer uma cultura sobre a fraqueza, a cultura desaba a partir do momento em que o sentimento de inferioridade já não tem razão de existir. Um homem humilde pode vencer, mas só continuará a vencer se, daí em diante, deixar de aceitar apenas as suas fraquezas – se, continuando a ser humilde perante os seus próprios erros (que nunca desaparecerão), se tornar arrogante perante os outros. O Benfica parou na humildade, e ser humilde não lhe vai dar mais do que aquilo que já deu. Aquilo de que o Benfica precisa, desde há 60 anos, já não é de humildade. Essa tem-na inscrita no ADN. Do que o Benfica precisa é de arrogância, e voluntária. O Benfica deve tomar uma derrota com um rival da sua igualha como uma ofensa pessoal, como uma afronta à ordem natural do universo. Não deve ter medo da palavra vingança. Não deve considerar a existência de iguais, apenas de inferiores. Tem de assumir, compreender e praticar o conceito de soberania – a criação jurídico-psicológica de Jean Bodin segundo a qual a entidade soberana é aquela que não reconhece igual entre os que lhe são semelhantes nem superiores entre os que lhe são diferentes. Acima de tudo, tem de entender tudo isto sem precisar de se esforçar para o entender. E a única maneira de fazer isso – uma vez que a arrogância é uma característica humana – é reunir um conjunto de homens naturalmente arrogantes (ou seja, que estejam completamente convencidos de que, quando nasceram, já eram melhores do que os outros) e depois de os ter alimentar-lhes essa arrogância, em vez de a fazer parecer pecaminosa. O Benfica só deve ser humilde perante o jogo em si mesmo, nunca perante o jogador. O desporto industrial, que está a uma grande distância do futebol enquanto fenómeno meramente representativo que era a norma até aos anos 70, é uma selva dominada pelo orgulho, pelo egoísmo e pela vaidade. Ir contra isso permite viver confortavelmente, mas implica a fatalidade da morte sem glória. O triunfo é uma invenção do orgulho humano. Não basta existir-se, tem de se querer e assumir-se que se quer. Todo o caçador é arrogante. Todo o animal temeroso é caça. Não é por acaso, nem é estatisticamente explicável, que uma equipa (qualquer equipa) perca dez, onze, doze finais europeias consecutivas. Quando isso acontece não há contingências mas um padrão de previsibilidade. O Benfica não perde finais europeias em sucessão por azar mas por uma incapacidade que vai além das equipas que tem, dos adversários, dos árbitros, das maldições ou do tempo que fez nesse dia. Perde-as porque não se concebe a ganhá-las. Perde-as na cabine, não em campo. A final da Youth League contra o Real Madrid é apenas o último exemplo disso, mas sobretudo uma prova de como o síndroma do desgraçadinho não é uma questão de jogadores mas um aspecto cultural que atravessa todo o clube, do futebol ao hóquei em patins, dos seniores aos iniciados. A equipa do Benfica não era apenas superior à do Real Madrid: era muitíssimo superior. Tão superior que, quando finalmente percebeu que o era, vulgarizou o seu adversário, que tinha a base da selecção campeã da Europa na categoria. Se os jogadores do Benfica estivessem a jogar pelo Real Madrid e tivessem entrado em campo com a arrogância natural que a camisola branca injecta a quem a usa teriam ganho por quatro ou cinco a zero. Quando o Benfica perde uma final há sempre uma sensação do fado inevitável. Quando, por consequência da sua grandeza, as ganha, fica sempre, também, a ideia de que teve a sorte do seu lado, de que ganhou como podia ter perdido. Nunca fica afirmada a sua superioridade inequívoca. Parece que ser melhor do que os outros vai contra a natureza do clube. O benfiquista comum, que é bravo contra os fracos e envergonhado ante os fortes, vai ter de decidir se lhe basta jogar ou se quer ganhar. Precisa de dizer se quer ser águia ou lebre.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Por que vai o Benfica perder o campeonato

Chegou o momento mais esperado do ano para os três indivíduos que leram o meu blogue antes do início da última época (três é uma estimativa, pecando eventualmente por excesso): aquele em que eu anuncio quem não vai ganhar o campeonato.

Na época de 2010/2011 o campeão não vai ser o Benfica. O que, por exclusão de partes, levará a que o Porto ganhe o campeonato. Tal como no ano passado o Benfica só ganhou o campeonato porque o Porto o perdeu, este ano vai ser o mesmo, mas no sentido oposto.

Por que é que o Benfica não vai conseguir ser campeão? Curiosamente, na sua maioria, pelas mesmas razões por que o Porto não ganhou no último ano. A saber:

1 - A ressaca. A vitória no campeonato apareceu de um momento para o outro, e não foi devidamente sustentada. Não resultou de um trabalho sólido e consciente, resultou do fortalecimento da equipa com três jogadores nucleares (Javi Garcia, Ramires e, sobretudo, Saviola) e da entrada de um treinador competente, que melhorou os bons jogadores que já lá havia. Dito isto, o campeonato foi exaustivo e emocionalmente esgotante. Para um benfiquista como eu, que se lembra bem de todos os campeonatos desde o tempo de Eriksson, o único campeonato mais violento do que este foi o da época do 6-3 em Alvalade. Este ano os jogadores vão pagar a factura, já para não dizer que o sentido de urgência que levou a várias vitórias no ano passado terá desaparecido. Isso será suficiente para tirar entre seis a oito pontos no campeonato.

2 - A estagnação. Ao contrário do ano passado, a equipa do Benfica não se reforçou. Nenhum dos jogadores que o Benfica contratou será, provavelmente, titular indiscutível pelo menos até Dezembro, e o único com hipóteses é Gaitán. Enquanto isso, o Porto contratou Moutinho para o onze e um novo treinador, que possivelmente será considerado o melhor em Portugal no final da época, tendo gasto já quase trinta milhões de euros em reforços. Vai perder Bruno Alves, que no ano passado já não estava lá, e Raul Meireles, que só começou a jogar a sério no Mundial para poder ser transferido.
O Porto vai estar mais forte e com uma nova dinâmica. Estabeleceu, claramente, esta época como a primeira de um novo ciclo, com a entrada de um treinador de qualidade e com ideias modernas e um grupo de jogadores à volta dos 20 anos (Moutinho, James, Sousa, Walter, Ukra, Castro) que se junta a outros ainda jovens e já com a rodagem feita (Hulk, Pereira, Rodriguez, Miguel Lopes, Falcão, Fernando) - não falo do Ruben Micael porque acho que em Janeiro já vai andar a limpar o banco. Juntos serão a estrutura da equipa do Porto para os próximos cinco anos. Mas têm qualidade suficiente para ganhar já esta época. O Porto trabalha bem e não precisa de grandes fases de transição. Um bom arranque de campeonato, com uma vitória em casa frente ao Benfica no Dragão, será suficiente para lançar o Porto para a conquista do título, tal como aconteceu, novamente, no inverso, com o Benfica na época passada. O que nos leva a...

3 - O calendário. As primeiras dez jornadas do Benfica são fulminantes. Nesses dez jogos jogará fora de casa com Nacional, Guimarães, Marítimo e Porto e receberá Sporting e Braga. Para tornar tudo mais difícil, três dos jogos da Liga dos Campeões calham: entre Guimarães e Sporting; entre Marítimo e Braga; e antes do jogo das Antas, sendo este o da quarta jornada da fase de grupo, ou seja, provavelmente o mais importante dos seis. O Benfica só tem verdadeiras hipóteses de ser campeão se passar esta fase inicial de dez jogos com, no máximo dois empates e uma derrota, sendo que um dos que não pode perder é o jogo das Antas. Vejo isto como impossível, sobretudo por causa das duas razões que se seguem...

4 - O Mundial. Metade da equipa titular do Benfica (Luisão, Ramires, Maxi, Coentrão e Cardozo) não vai fazer pré-época, ao contrário do ano passado, e vai sofrer o inevitável efeito retardado do Mundial. Acontece a praticamente todos os jogadores que participam num Mundial: na época seguinte baixam de rendimento. A eventual vantagem que o Benfica teria sobre a concorrência, que seria a de começar a época com uma equipa rotinada, vai perder-se no sub-rendimento desses jogadores.

5 - A debilidade do plantel. A equipa do Benfica ganhou o título completamente esmifrada. Se o campeonato durasse mais quatro ou cinco jornadas provavelmente o Benfica perderia o campeonato. A prova foi ganha praticamente jogo a jogo, final a final, como Jesus disse, aproveitando picos de forma de alguns jogadores (Saviola, Di Maria, Cardozo, Weldon, Carlos Martins. Coentrão) que, no global, tiveram uma temporada muitíssimo irregular, sacando alguns pontos à custa de jogadas estudadas, de debilidades pontuais dos adversários e, admita-se, de bastante sorte. Há pelo menos seis jogos em que o Benfica é extremamente feliz (Guimarães, fora; Porto, em casa; Sporting, em casa; Nacional, fora; Braga, em casa; Naval, fora) e que decidiram o campeonato a seu favor.
O Benfica ganha o campeonato preso por arames, e esgotando todas as alternativas do seu plantel não teve, sequer, capacidade para chegar às meias-finais da Liga Europa, que é muitissimo mais fraca que a Liga dos Campeões. Jogadores como César Peixoto, Ruben Amorim, Carlos Martins, Kardec, Sidnei, Jara são soluções apenas no papel. Não têm a mesma qualidade dos titulares e, se podem oferecer vinte a trinta minutos e qualidade num jogo, não podem oferecer garantias de substituir os titulares ao mesmo nível num jogo realmente importante, pois falham em demasia.
O Benfica não tem a melhor equipa portuguesa - é o Porto que a tem. O Benfica, simplesmente, fez o melhor campeonato, em boa parte porque o Porto sofreu aquilo que o Benfica vai sofrer este ano e o que todas as equipas que participam na Champions sofrem: um desgaste físico e psicológico de até Dezembro que deixa marcas até ao final da época. Poucas são as equipas que resistem. O próprio Inter, para chegar a ser campeão europeu, só não foi obrigado a oferecer o campeonato à Roma porque a Roma deu uma série de tiros nos pés que o devolveram ao Inter. A época mais difícil, a nível interno, para Mourinho, foi a que lhe deu o título europeu. Nenhuma equipa da Europa passa incólume pela Champions, e o Benfica é uma equipa de terceira linha europeia, com um banco muito fraco.

6 - O mercado. O Porto foi vítima do mercado no ano passado. Não só perdeu dois dos seus quatro melhores jogadores como se viu forçado a manter os outros dois (Alves e Meireles) para não desmantelar completamente a equipa, vendo a sua produção cair brutalmente. Mesmo assim andou na luta e no final da época goleou o Braga e o Benfica. Este ano, pelo contrário, o Porto reunirá um grupo de jogadores totalmente concentrado e super-motivado por sentir que perdeu um título (o de melhor equipa de Portugal) que realmente lhe pertence, enquanto o Benfica terá pelo menos cinco dos seus melhores jogadores (Luisão, David Luiz, Ramires, Coentrão, Cardozo) a pensar, nos piores momentos (quando vier a inevitável sequência de maus resultados, que acontece a todas as equipas e que no ano passado, milagrosamente, não aconteceu), que poderiam estar noutra equipa a ganhar três ou quatro vezes mais e, em vez disso, continuam no Benfica, agora a ser assobiados - porque, com três maus resultados consecutivos, nenhum benfiquista vai querer saber do campeonato do ano passado. E, finalmente...

7 - O Sporting. A época do Sporting foi excepcionalmente infeliz, e não se vai repetir. O Sporting voltará a ficar nos três primeiros e, dito tudo isto, acho muito provável que venha a encontrar no Benfica não só o adversário mais vulnerável dos três grandes como aquele com quem concorrerá, a partir de certo momento, directamente para o segundo lugar. Para o Sporting - que se viu livre das criancinhas e foi buscar profissionais tarimbados e sérios, como o campeonato exige - é sempre mais fácil acreditar que pode ganhar ao Benfica que ao Porto. O Sporting recebe o Benfica na segunda volta e vai apertar-lhe os calos. Também está a criar uma nova dinâmica, tem uma nova linha dura de actuação que irá recolher bons frutos no rendimento dos jogadores e não tem nada a perder. Aliás, por incrível que pareça, se eu tivesse de dar um palpite para a ordem final dos três grandes seria Porto, Sporting e Benfica em terceiro.

Como dizem os americanos, o karma é fodido.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Porqué no te callas?

Vi dez minutos da entrevista do Choramingos Paciência à Sport TV – se deus quiser a última durante muito tempo. A certa altura, o entrevistador, muito encavacado, perguntava-lhe, a propósito do jogo que o Benfica adiou com o Sporting, se ele não teria feito o mesmo.
O Choramingos, que continuava confortavelmente a lavrar naquela sanha calimérica que adoptou desde o início da época, pareceu algo surpreendido. Afinal, que desplante era aquele de o confrontar com a sua choraminguice em plena televisão e em directo, sem lhe dar tempo para pensar numa argumentação decente. Ele disse que sim, que faria o mesmo, e lá acabou por ter de admitir que o que o Benfica tinha feito não tinha nada de mal.

Foi um momento engraçado, que não seria possível se alguém lhe tivesse feito a mesma pergunta mais cedo – por exemplo, nas conferências de imprensa episcopais de Braga, em que os jornalistas destacados, geralmente os mesmos que cobrem a área das Antas, levavam as perguntas bem alinhavadas (como é costume) para servir a política de comunicação papal.
Desde o início da época, o Choramingos queixou-se todas as semanas – todas as semanas! – de alguma coisa, se bem que alguns momentos servissem de âncora para as semanas seguintes. Por exemplo:

1 - No início dos treinos queixou-se de ter jogadores com lesões musculares como desculpa para falhar na Liga Europa. Não referiu que, na época anterior, o plantel teve de ser esmifrado para poder jogar duas vezes por semana, no campeonato e na Liga Europa, onde o Braga chegou aos quartos-de-final. Esta queixa tinha dois propósitos: responsabilizar Jorge Jesus pela previsível eliminação na Liga Europa (como aconteceu) e atacar Jorge Jesus, recém-contratado treinador do Benfica, que urgia descredibilizar. Choramingos foi a voz dos donos.

2 - Com o jogo de Braga, contra o Benfica, em que venceu, chegou o famoso caso Vandinho. O caso Vandinho, recorde-se, começou com Di Maria a pontapear uma bola, ao intervalo, na direcção do banco do Braga. Aquele gesto era de frustração por dois motivos: primeiro porque o Braga estava a ganhar e a jogar melhor que o Benfica; depois porque, nessa altura, já se percebia perfeitamente que o Braga era uma espécie de Porto B, uma milícia aparelhada e orquestrada por Pinto da Costa, desde o presidente aos jogadores emprestados, passando pelo treinador, que em campo jogava com o mesmo ódio que revelava nos jornais.
Nesse jogo houve três castigos a jogadores:
-pelo Benfica, Cardozo, já então o melhor marcador do campeonato, que levou dois estalos na cara, pelas costas, à entrada do túnel, sendo expulso e suspendido por dois jogos;
- pelo Braga, Mossoró, Nei e Vandinho. Este foi suspendido por três meses por tentar agredir um treinador-adjunto do Benfica.
Como Vandinho era titular do Braga, a teoria que Choramingos passou a explorar até ao fim da época foi a de que o Conselho de Disciplina da Liga, a mando do Benfica, o tinha suspendido discricionariamente para prejudicar o Braga. A hipótese de esse castigo beneficiar tão ou mais o Porto (então terceiro) que o Benfica nunca foi aventada por Choramingos.
Da mesma forma, quando o castigo a Hulk foi cortado, numa mera afronta juridicamente infundamentada por parte do CJ da Federação ao CD da Liga, o castigo a Vandinho manteve-se. Nunca, até hoje, se ouviu Choramingos ou alguém do Braga a comentar a decisão do CJ, que confirmou a do “odiado” CD. Nunca comentou, nem poderia comentar, também por uma de duas razões: ou o castigo de Vandinho era justo, e isso significaria que o Braga teria (segundo a argumentação dos seus responsáveis) perdido o campeonato por culpa de Vandinho e não por maquinações do sistema; ou o levantamento do castigo ao Hulk era errado, o que significaria que o álibi utilizado pelo Porto para não reconhecer ao Benfica mérito na conquista do campeonato era uma fraude – e isto Choramingos só poderia admitir se não estivesse a pensar, como está, enquanto treinador não do Braga mas do Porto emprestado ao Braga. A sua lealdade é com o Porto, e o campeonato que pretendeu ganhar era não do Braga mas contra o Benfica. Só acredita na total legitimidade da goleada do Porto ao Braga nas Antas (nesse jogo, fundamental para a época do Porto não acabar logo ali, a dois meses do fim, o Braga sofreu um terço do total de golos no campeonato) quem nasceu com asinhas nas costas.
Curiosamente, o segundo caso é que é verdadeiro: apesar de absurdo, o castigo a Hulk é que era o correcto e não deveria, segundo a lei do campeonato, assinada por todos os clubes, ter sido levantado. Tal como o Pedro Henriques resumiu muito bem após o jogo do Benfica com o Rio Ave, quando os clubes ganham está tudo bem, quando perde queixam-se das leis que eles próprios fizeram.

3 – Quando o Benfica antecipou o jogo com o União de Leiria para poder ter uma semana se treinos entre os dois jogos com o Hertha para a Liga Europa o Choramingos queixou-se de que o Benfica estava a fazer truques para poder passar para o primeiro lugar da Liga. Ficaremos sempre sem saber o que diria o Choramingos se o Benfica, em vez de ganhado, tivesse empatado ou perdido esse jogo – o que seria igualmente possível, obviamente.
Por outro lado, nunca ouvimos o Choramingos queixar-se por jogar mais de metade dos seus jogos um ou dois dias antes do Benfica. Provavelmente porque teria de utilizar um argumento que é óbvio: a pressão não vem da data, vem da vitória, e no fim do campeonato as equipas fazem todas o mesmo número de jogos.
Quando o Sporting aceitou adiar o jogo com o Benfica após o jogo com o Marselha o Choramingos queixou-se do Sporting e insinuou que era concorrência desleal, porque as taças europeias fazem parte do calendário. Esqueceu-se de mencionar – o que só aconteceu agora, novamente por causa do atrevido entrevistador da Sport TV – se o facto de haver uma equipa a disputar apenas uma competição a lutar contra outra que tenta ganhar três, sendo uma delas em competição com algumas das boas equipas europeias, não era muito favorável à primeira. É claro que teve de admitir que sim.

4 – Na Luz, assim que sofreu o golo do Luisão, começou a apontar para o relógio. Depois do jogo explicou que o golo do Benfica tinha sido marcado seis segundos – seis segundos!!! – depois da hora. Convém dizer que o golo nasce na sequência de dois cantos consecutivos a favor do Benfica. Para começar, cada canto demora dez segundos a marcar. Depois, o que diria o Choramingos se o árbitro mandasse parar o jogo seis segundos depois da hora antes de o Braga marcar um canto. Obviamente, que era para prejudicar o Braga. Se fosse ao contrário diria, provavelmente, o que disse depois de o mesmo Luisão ter visto um golo ser mal invalidado no jogo de Braga, com o resultado em 0-1: nada. Ou então o óbvio: que era futebol.

5 – Agora que o campeonato acabou Choramingos recorda que a luta foi desigual, não só por causa das maquinações anteriormente referidas como porque o Benfica tem muito mais dinheiro do que o Braga (algo de que Choramingos nunca se lembrou quando jogou no Porto, que não ganhou os seus campeonatos propriamente por ser um clube pequeno e sem influência sobre a arbitragem e conselhos afins) e porque jogou um terço do campeonato contra dez jogadores.
Neste último caso, que vem a propósito da expulsão de um jogador do Rio Ave aos dez minutos por dar um pontapé nos tomates do Ramires, Choramingos nunca irá admitir uma evidência: que é muito mais provável uma equipa provocar amarelos, vermelho, livres e penáltis quando joga deliberadamente para a frente e em progressão com a bola, como foi o caso do Benfica, com Di Maria, Aimar, Saviola, Coentrão, Carlos Martins, etc, do que quando se joga com quatro defesas, três trincos e dois médios-ofensivos, à espera de que o adversário se canse para começar a atacar, e com o seu melhor jogador (Alan) a passar o tempo todo a jogar com o cu encostado ao defesa e virado para a sua própria baliza.

Acima de tudo, e seja pelo que for, Choramingos chora. A teoria de que o Braga é o verdadeiro campeão é a mais fiel representação da figura que os jornalistas, analistas e desportistas tanto desprezam quando se perde mas que não conseguem deixar de louvar no dia-a-dia assim que alguém consegue fazer qualquer coisinha apenas acima da média: a do campeão moral.
A vitória moral de Choramingos será efémera, obviamente, e tenho muita pena que ele não vá para o Porto, mas se alguém pensa que o Pinto da Costa embarca num tipo cujo grande talento é fazer beicinho só porque nasceu em Leça da Palmeira e marcou uns golos pelo Porto é porque, realmente, ainda não entendeu a natureza do animal.
Com este discurso da treta, no Porto, Choramingos passaria um ano a levar no focinho e, no final da época, seria trucidado para dar lugar ao próximo. Seria uma espécie de Couceiro, ou de Carvalhal no Sporting.
Infelizmente não vai acontecer.
Mas há uma questão que o jornalista da Sport TV poderia ter colocado ao Choramingos: a de se, considerando que ele é uma grande promessa do futebol português, é suposto esperarmos que um dia venhamos a ter mais um seleccionador nacional a queixar-se de que a bola está vazia, de que as linhas estão tortas ou de que a malha das camisolas provoca prurido cutâneo aos jogadores.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Choramingos, paciência

Em qualquer país do mundo com uma cultura vencedora o treinador do Braga seria ridicularizado numa base diária. Seriam lavrados textos humorísticos com o Choramingos a lamentar-se de tudo o que mexesse - dos árbitros, dos horários dos jogos, da relva, do tempo, dos castigos, das lesões, das vendas, das compras, dos treinadores anteriores. Seriam feitas caricaturas em que se ampliariam os seus olhos lacrimejantes antes, durante e após os jogos (sempre que lhe aparece uma câmara à frente), o seu beiço inferior eternamente lamurioso, pingando baba e ranho; a sua fisionomia de desgraçadinho, que o acompanha desde que cavava penáltis a eito nos gloriosos tempos de Carlos Alberto Silva, de Adriano Pinto e do Guarda Abel, juntamente com o seu colega Kostadinov (ainda me lembro das suas belas cabeleiras à Futre atirando-se para trás assim que se aproximavam da área, e da certeza científica com que chegavam os apitos dos Calheiros, dos Soares Dias, Dos Fortunatos Azevedos, dos Guímaros, dos Silvanos nos momentos apropriados).

Em qualquer país do mundo em que o Calimero fosse uma figura satírica, e não um modelo humano como é aqui, Choramingos Paciência (Paciência, por Deus!) seria massacrado. Em Portugal é um mestre da psicologia. E porquê?

Porque pegou numa equipa que cronicamente fica entre os quatro primeiros do campeonato, uma equipa construída de raiz pelo actual director-desportivo e pelo anterior treinador, e, jogando uma vez por semana (quando não por quinze dias ou por três semanas), depois de ter sido precocemente eliminado da Liga Europa, da Taça de Portugal e da Taça da Liga, a levou ao segundo lugar num campeonato tão fraco que permitiu, por exemplo, que os três primeiros tenham acumulado mais pontos, em conjunto, que em qualquer outro nos últimos vinte anos, que o campeão, tendo uma equipa a jogar apenas acima da média, apenas tenha perdido dois jogos e empatado quatro ou cinco e que o quarto classificado, um histórico terceiro candidato ao título, acabe a trinta pontos do primeiro.

O grande feito de Domingos foi ter feito de uma equipa no ponto máximo de maturação segundo classificado no campeonato. Fê-lo recorrendo a um estilo de jogo igual à do pior Porto dos últimos vinte anos, o de Carlos Alberto Silva, precisamente aquele em que ele foi mais importante - um estilo cínico, ultra-defensivo, que joga quase tudo no desgaste do adversário, muito à imagem do Boavista campeão de Jaime Pacheco que, além desse campeonato martelado no gabinete do Major Valentão, só trouxe miséria quer ao clube quer ao futebol português. É o mesmo discurso miserabilista, a mesma filosofia trauliteira, a mesma piedade provinciana.
Tal como esse título - que, segundo os entendidos, seria fantástico para o futebol português - também esta campanha "de Campeões" do Braga será, na verdade, irrisória. Tal como esse título, ela foi sustentada num futebol negativo e numa abordagem terrorista do jogo e do campeonato, recorrendo a esquemas mentais antigos para inventar fantasmas e munições onde eles não existiam.

Tal como o Boavistão, o Braguinha voltará rapidamente à mediania, senão mesmo à mediocridade, porque, ao contrário de Benfica, Porto e Sporting, que se impuseram à história e se tornaram grandes não por jogarem contra alguma coisa mas por ambicionarem mais e oferecerem às pessoas sonhos de grandeza pura, o Braga não promete nada. O seu futebol é fraco, os fantasmas desaparecem e a sua base social não vai resistir ao baque. Há em Braga mais benfiquistas que braguistas - este termo, aliás, nem sequer existe.
Acho muito mais provável que o Vitória de Guimarães sobreviva ao Braga, por exemplo, que o inverso. O Braga está a um ou dois anos maus de voltar ao meio da tabela, e aposto o que for preciso que nunca será campeão nacional - ou pelo menos nos próximos trinta anos.

O famoso castigo ao Vandinho (no mesmo jogo em que o Cardozo foi suspenso por levar duas chapadas na cara) foi a melhor coisa que aconteceu ao Braga esta época. É altamente duvidoso que o Braga tivesse feito melhores resultados com Vandinho do que os que fez sem Vandinho. Pelo contrário, esse castigo foi cavalgado durante meses a fio pelo Choramingos, o que, juntamente com a ausência de jogos europeus, lhe permitiu evitar que os seus jogadores se distraíssem. Nem o Vandinho, de certeza, sabia que era tão bom jogador e tão importante para o Braga como o Choramingos o fez. E é preciso não esquecer que o Vandinho - o Vandinho... - é um trinco, e que só é tão importante para o "esquema" porque o Braga é uma equipa de trincos, e de meios-avançados, e de médios-laterais recuados, e de defesa e contra-ataque, que marcou menos trinta golos que o primeiro, menos vinte que o segundo e que ganhou sete jogos por 1-0 (21 pontos com sete golos em sete jogos).

O que vai acontecer na próxima época é o seguinte:
- O Braga vai começar a época mais cedo para jogar as duas eliminatórias da Liga dos Campeões. Vai falhar o apuramento porque vai apanhar uma equipa francesa, inglesa, espanhola ou alemã na segunda e vai jogar para a Liga Europa;
- a Liga Europa é pior do que a Liga dos Campeões porque dá o mesmo trabalho e muito menos proveito. Em Fevereiro o Braga já leva mais tempo de trabalho nas pernas que nesta época e, porque o Natal não é quando o homem quer, anda a jogar para o quarto lugar com o Guimarães, com o Marítimo e com mais um ou outro que apareça. Basta o Sporting ter uma época mais normal - que vai ter - para o Braga desaparecer do pódio;
- O Choramingos, sem os mesmos resultados, vai andar a chorar para o boneco. Não só ninguém lhe vai ligar nenhuma como se vai tornar mais evidente que ele é, não diria uma fraude, mas uma aproximação. Não vai parecer diferente de um Vítor Pontes, de um Manuel Machado, de um Paulo Sérgio, e vai parecer muito diferente de um Mourinho ou de um Jesus.

Há um cenário que eu adoraria que fosse diferente, mas que infelizmente não vai ser: um em que o Choramingos fosse para treinador do Porto. Seria fantástico. Um treinador derrotista num clube em quebra seria o melhor que poderia acontecer aos outros, ainda por cima um homem da casa, que atirasse aquela gente toda uma contra a outra.
Mas o Pinto da Costa não vai nisso. Não vai ser nem o Domingos, nem o Jorge Costa, nem o Vilas-Boas. Continuo a dizer, como já disse há mais de um ano, que o próximo treinador do Porto vai ser o Carlos Queirós. Aliás, todas estas cortinas de fumo que vão sendo lançadas servem apenas para dar tempo a Queirós de despachar o Mundial. Portugal fica-se, na melhor hipótese, pelos quartos-de-final, logo no princípio de Julho, e a época do Porto só começa quase um mês depois.

O cenário mais provável será este: Carlos Queirós como treinador principal e Jorge Costa como primeiro adjunto. O cenário hipotético será o de um treinador estrangeiro muito experiente com Jorge Costa como adjunto. Alguém do nível de Eriksson, Hiddink ou semelhante. O Porto vai gastar dinheiro a sério, em treinadores e jogadores. A hipótese de um segundo título consecutivo para o Benfica é real.

O terceiro cenário, que não refuto, é a contratação de Jorge Jesus ao Benfica pela cláusula de rescisão.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

O Nariz por um leão

A estrelinha voltou a brilhar. Subitamente uma época problemática para José Mourinho começou a dar a volta, com a troca de Ibrahimovic por Eto'o e Hleb, e com a contratação de Lúcio.
Problemática a sério.

Para Mourinho a motivação é a chave. Motivar uma equipa (e um clube, do presidente ao adepto) que ganha facilmente em Itália, num ano em que a Juventus melhorou pouco e em que o Milan começou a reconstruir a equipa, é muito complicado. Ganhar o título seria o mais normal, mas uma nova ausência da final da Champions seria, provavelmente, o princípio do fim de Mourinho em Milão - pelo menos no Inter...

Além disso, comprou pouco e nem tudo o que quis. Comprou Thiago Motta (raça a meio-campo) e Milito (acutilância no ataque), que serão instrumentos úteis no seu sistema mas não são jogadores de verdadeira classe mundial. Quis comprar Deco e Ricardo Carvalho mas o dono do Inter deve andar preocupado com o negócio das gasolinas e desconfiou. eriam, contudo, apenas mais dois especialistas para o seu sistema. Sistema que, refira-se, é o verdadeiro segredo do sucesso de Mourinho, e isso é importante.

Mourinho não construiu o seu sucesso adaptando o sistema aos jogadores, mas sim adaptando os jogadores ao seu sistema. E isso não tem só a ver com capacidades técnicas e tácticas para cada lugar mas também mentais. a minha opinião o campeonato mais meritório de todos os que Mourinho já ganhou foi precisamente o último, pois pela primeira vez ele teve de adaptar o seus sistema a um plantel previamente definido e em que dificilmente se podia mexer (pelos elevados salários dos jogadores, sobrevalorizados, em quem ninguém queria pagar).

Veja-se, por exemplo, as semelhanças entre o Porto e o Chelsea. Na defesa, um central de carácter e força e outro mais rápido, versátil e pouco saliente em termos de personalidade (Jorge Costa/Ricardo Carvalho e Terry/Ricardo Carvalho). Laterais de corredor inteiro e tacticamente perfeitos (Paulo Ferreira, Cole, Nuno Valente) mais que de grande qualidade técnica - e por alguma razão Mourinho fez de Maicon, um suplente da selecção brasileira, o melhor defesa-direito do mundo. Um médio-defensivo de passe rápido, pouca bola e grande pulmão (Costinha e Essien). Um médio volante todo-o-terreno, com grande capacidade defensiva e capaz de aparecer a finalizar ou a assistir na grande-área (Maniche e Frank Lampard). Um médio ofensivo de passe penetrante e defensivamente fiável (Deco em ambos os casos). Dois avançados versáteis e rápidos nas alas (Derlei, Robben, Postiga, Kalou) independentemente da qualidade técnica. Um ponta-de-lança rápido, instintivo, definidor, matador (McCarthy e Drogba).

Não é supresa, para mim, que tantos jogadores tenham conhecido o seu período de maior fulgor com Mourinho e depois como que se diluído (Ricardo, Paulo Ferreira, Costinha, Maniche, Deco, Derlei, McCarthy, Drogba até certo ponto, Postiga, Robben e outros). Num conjunto criado para eles serem complementares as suas virtudes ampliavam-se. Noutro conjunto em que elas não podiam ser potenciadas tornaram-se naquilo que nunca deixaram de ser - apenas bons jogadores, alguns casos muito bons mas já não excelentes. Drogba passou de ser um dos três melhores avançados do mundo para ficar, eventualmente, entre os dez ou quinze melhores. O mesmo com Deco entre os médios, Ricardo e Terry entre os centrais. De outros, como McCarthy, Costinha, Derlei, Maniche, Postiga, Paulo Ferreira, mais vale nem falar.

No Inter Mourinho teve de andar a encaixar o seu sistema de sucesso aos jogadores que tinha. O (muito) relativo insucesso da época passada explica-se com isso, mais do que com a sua adaptação ao futebol italiano e vice-versa.

No Inter não havia um Terry ou um Jorge Costa - havia um Materazzi, que é parecido no carácter mas não é a mesma coisa em termos de talento. Ainda assim, Mourinho repescou-o e fez dele capitão, titular e referência - como Terry e Costa o eram nos seus clubes. Este ano haverá Lúcio. Se houvesse Ricardo, Mourinho teria a sua dupla feita.

Não havia um Costinha nem um Essien. Havia Vieira, que se agarra demasiado à bola e já não tem o fulgor físico de outros tempos, perdendo muitos duelos em que antes não dava hipótese.
Não havia Lampard (apesar de ele tentar ir buscá-lo) nem Maniche, por isso Mourinho reinventou Cambiasso, que o próprio não fazia ideia de poder ser assim tão bom jogador pois nunca tinha jogado tão bem na vida. Ainda assim, não é a mesa coisa. Comprou Thiago Motta, um grande talento com problemas de personalidade a quem Mourinho confia poder dar a volta à cabeça. Não me surpreenderia se Motta fosse a grande revelação desta época em Itália, juntamente com Quaresma.

Não havia, realmente, avançados-ala "à Mourinho". Assim se dá a contratação (daí tão cara) de Quaresma e o surgimento do ex-júnior Balotelli, mesmo com o consagrado Crespo atirado para o banco. Daí surge, este ano, Milito, e acredito que ainda outros virão - incluindo Quaresma, que parece pronto, agora, já adaptado à ausência de Portugal que para ele é, aparentemente, problemática, para explodir.

E não havia, definitivamente, o ponta-de-lança típico de Mourinho.

Ibrahimovic, para mim, foi a grande incógnita do Inter a partir do momento em que se soube que Mourinho ia para lá. Não me surpreendeu que houvesse, na altura, rumores de saída, assim como não me surpreendeu minimamente que eles voltassem neste defeso, já depois do sueco ter feito a melhor temporada da sua carreira, confirmando, enfim, o potencial que todos lhe reconheciam mas que ate agora andava a meio-gás.

Ibrahimovic é o oposto do ponta-de-lança típico de Mourinho. Tecnicamente é muito mais forte do que o necessário (para o papel que lhe é atribuído no sistema, entenda-se), é pouco rápido, as suas movimentações são previsíveis e gosta de jogar em todo o meio-campo ofensivo. Tem muito mais de criatividade técnica que de instinto e, apesar de tudo, é relativamente fácil de marcar, desde que não receba a bola perto da baliza em condições de poder jogar no um-para-um e marcar. Não é jogador de aparecer a rasgar, mas de dizer que vai aparecer, aparecer e , quando se pensa que está tudo controlado pelo seu marcador, inventar um recurso técnico que desequilibra e colapsa a defesa. É um jogador de bola, e não de espaços.
O Nariz, como é conhecido pelos italianos, pelo seu narigão judeu, é um cão nobre, com pedigree, e joga limpinho.

Mesmo assim, Mourinho pegou no que tinha e não podia desbaratar (como é evidente), e fez dele, de acordo com a opinião generalizada, um dos três melhores futebolistas do mundo, com Ronaldo e Messi. O que é espantoso, considerando que, para Mourinho, Ibrahimovic sempre foi a escolha possível, e não a ideal. O ideal, para Mourinho teria sido ir buscar Drogba ou Eto'o já o ano passado. Este ano, com um Barcelona "feito à medida" para receber um futebolista do estilo de Ibrahimovic e um Real Madrid a forçar o mercado, a oportunidade apareceu. E Mourinho, apesar de poder dizer o contrário publicamente, deve ter agradecido a Deus quando se deitou na noite em que o negócio foi concretizado.

Eto'o é um dos jogadores mais subvalorizados do futebol mundial. Foi campeão europeu com o Barcelona "de Ronaldinho" e, depois da revolução, voltou a sê-lo com o "de Messi". Foi sempre titular, apesar de ter uma personalidade odiável que, na política, faria dele um potencial ditador subsaariano - e é por isso que sai do Barça, apesar de, aí, se ter tornado no avançado de rendimento mais regular e elevado do futebol europeu dos últimos cinco anos. Em ambas as finais da Liga dos Campeões Europeus foi elo quem marcou o primeiro golo do Barcelona. Em todos os grandes jogos desta era do Barcelona marcou ou foi dos melhores em campo. E chega a Milão na força da idade e da experiência, juntando-se a um treinador que, além de ser o melhor do mundo, está pronto a levá-lo ao lugar a que julga ter direito - entre os cinco melhores avançados.

A Mourinho, Eto'o dá aquilo que deram McCarthy e Drogba, e que Ibrahimovic nunca poderia dar: um instinto assassino africano, a malícia natural dos grandes predadores, o oportunismo, a velocidade, a imprevisibilidade no ataque, e a garantia que nenhum golo se vai perder nem porque Eto'o foi menos sagaz que o defesa nem porque não apareceu quando tinha de aparecer. Um jogador que, enquadrado num sistema que o favorece, se torna praticamente impossível de marcar durante um jogo inteiro. E um animal de ambição. O picante que faltou ao Inter durante toda a época.

Neste momento, e ainda a um mês do final da janela de transferências, consigo perfeitamente ver o Inter a ir buscar mais um ou dois jogadores "à Mourinho", a ganhar outra vez o campeonato e, vindo do nada, a chegar à final da Liga dos Campeões - apesar do Barça, do Real Madrid ou do Liverpool de Benítez. Isto se Mourinho não for, entretanto, despedido.
É que nem toda a gente (com se viu com Abrahamovic e como se vê, em certa medida, com Moratti) está disposta a perceber que o futebol é um jogo simples movido por mecanismos complexos e bastante aleatoriedade.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Ámen

Há duas hipóteses: ou há dez ou onze camaradas a vir ao blogue todos os dias ou essas entradas são automáticas e ninguém lê o que eu escrevo. O que é engraçado é que é mais ou menos indiferente.

Se há alguém de carne e osso desse lado devo só explicar que estive uns dias fora de serviço porque passei pelo hospital a ver se não morria. Se não, então o que vou escrever só vai ter interesse quando, daqui a uns anos, eu vier a poder encaminhar para este texto quem não acreditar nos meus dotes premonitórios, e vou poder dizer-lhes: "Não, eu é que sou o predresidente da Junta!"

Enfim, não só sobrevivi como recebi uma oportunidade de recomeçar muito da minha vida e ainda voltei a casa a tempo de ver o jogo do Benfica na televisão, o que me inspira, hoje, já com um bocadinho mais de saúde e de comidinha semi-sólida no bucho, a escrever sobre anos zero.

Daqui a uma década, a leitura que se vai fazer da nova era do Benfica será, grosso modo, e não especulando em demasia sobre os restantes adversários, a seguinte:

Ano 0, época 2007/08 - Rui Costa, o futuro director-desportivo, que chegou de Milão um ano antes prescindindo de acabar aí a sua carreira e de passar a director no Milan, já exercia funções de planeamento do plantel da temporada seguinte apesar de só em Maio, após o fim da temporada, ser anunciada pelo presidente Luis Filipe Vieira a sua passagem a director-desportivo. Este facto revelar-se-ia da maior importância na década que agora passa, pois foi o verdadeiro momento de definição do futuro imediato do Benfica novamente vencedor que hoje o conhecemos.

Ano 1, época 2008/09 - A escolha de Rui Costa para o cargo de técnico principal redundou num aparente fracasso, com o espanhol Quique Flores a perder, já na ponta final da época, o élan demonstrado na primeira metade - apesar do fracasso nas competições europeias e na Taça de Portugal. O que ficaria dessa época, contudo, seria muito mais profundo.

A saber:
- a montagem de uma estrutura de ciência do treino que permitiu a diminuição até níveis considerados residuais das lesões por desadequação do treino. Essa optimização fisiológica foi a base para a solidez competitiva das equipas do Benfica nos anos seguintes, e calcula-se que graças a ela o clube tenha poupado milhões de euros em contratações e em perdas de jogadores em momentos determinantes da época, assim como valorizado em outro tanto jogadores que, submetidos a essa metodologia, recuperaram a sua capacidade física de base.

- a instituição da Benfica TV, que se revelaria o instrumento cultural e financeiro mais importante do clube, antes de mais porque marcou diferenças em relação aos outros dois grandes, que simplesmente não tinham dimensão para sustentar um canal televisivo próprio. A Benfica TV seria a pedra-angular que permitiria o predomínio económico do clube sobre os seus rivais, e que se tornou importante e visível sobretudo a partir do momento em que os níveis competitivos da equipa foram elevados e estabilizados. Graças ao dinheiro a mais o Benfica passou a poder comprar em qualidade e a rentabilizá-la, em vez de a desvalorizar;

- o tirocínio de Rui Costa no mundo dos bastidores do futebol português, e a sua aprendizagem em relação aos métodos de combate do Futebol Clube do Porto. A perda de Cristian Rodriguez, o Cebola, foi a pedra de toque para alguém que, como Rui Costa, aprende depressa. No ano seguinte, apesar do Futebol Clube do Porto voltar a querer passar a imagem de que tinha roubado os jogadores que queria ao Benfica "em quatro minutos", ela não passou, porque Rui Costa aprendeu a sair de cena quando perdia o controle das situações - e a sair por cima, com contratações que se revelariam mais acertadas que as originais. Na verdade, no fim da época seguinte, muitos se interrogariam se alguns dos nomes lançados para a imprensa não seriam antes iscos atirados ao Porto, à medida que os verdadeiros alvos benfiquistas estavam a ser trabalhados por outro lado.

Ano 2, época 2009/10 - Com a contratação de Jorge Jesus o Benfica, ainda que nem sempre bem, voltou a jogar futebol (em vez de um jogo interno parecido com isso) e a disputar o campeonato nacional (e não uma competição aleatória que só existia na cabeça dos dois treinadores anteriores, ambos espanhóis).

A época acabou com a equipa em segundo lugar, atrás do Sporting, mas a vitória na Taça de Portugal, em Lisboa, frente ao Futebol Clube do Porto, a caminhada até às meias-finais da Taça Europa e a distância de apenas quatro pontos para o campeão deram a Jesus, a Rui Costa e a Vieira o espaço para mais uma época a perseguir o título.

Entusiasmados com a carreira da equipa, os adeptos registaram uma afluência recorde no novo estádio e atingiram-se valores de merchandising e na quotização também elevadíssimos, resultando daí e da venda de Luisão e de Di Maria o melhor ano financeiro na história do Benfica.

Ao mesmo tempo, a hegemónica equipa do Porto parecia ter atingido o seu ponto mais alto um ano antes, caindo, surpreendentemente, para o terceiro lugar no campeonato, ficando fora do acesso à Liga dos Campeões - onde, nesta época atingiu novamente os quartos-de-final, contrabalançando uma campanha interna em que não ganhou nada.

Nesse defeso circularam rumores de que já se preparava o mega-negócio das transmissões televisivas que seria anunciado no próximo ano.

Ano 3, época 2010/11 - O melhor ano do Benfica em muito tempo. Beneficiando da venda forçada de alguns dos melhores jogadores do Sporting e da saída de Paulo Bento, após a conquista do campeonato, para o Sevilha, o Benfica, reforçado com alguns jogadores de grande categoria, vence, finalmente, o campeonato.

Em Janeiro de 2011 é anunciado um novo acordo televisivo que substituirá o que deveria acabar em 2012. É o maior negócio na história do futebol português e é firmado entre Vieira e Joaquim Oliveira, de quem sempre foi próximo e a quem deve, em grande parte, a ascenção à presidência do clube, mas que se viu forçado a aceitar duas variantes que tornaram o verdadeiro valor do acordo muito superior àquele que firmaria, um ano depois, com Porto e Sporting:

- uma parte substancial das remunerações a pagar ao Benfica seriam feitas a posteriori e dependeriam das audiências atingidas pelas transmissões;
- o Benfica manteve o exclusivo nas transmissões de um pacote de jogos por ano cujo valor calculado seria de dez milhões de euros por ano.

Com estas variantes o Benfica passou a receber, em média, mais trinta por cento que Porto e Sporting pelas transmissões dos seus jogos - a diferença de um jogador de topo, todos os anos.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Pantanal

Uma pérola de Miguel Sousa Tavares na sua nortada:
"Também ao FC Porto quiseram tirar o brilho das suas vitórias, através de um bem montado esquema para inventar «jogadas de bastidores» que pudessem explicar e manchar tão insuportável superioridade desportiva. O tribunal tudo julgou sem razão e sem fundamento, mas isso, claro, não convenceu nem calou os caluniadores. Agarram-se às decisões do Conselho de Disciplina da Liga de Clubes, tomadas à revelia de qualquer contraditório ou regra de justiça comummente aceite, pretendendo fazer valê-las contra decisões todas unânimes de tribunais comuns, onde a clubite não entra e os juízes não são nomeados por uma maioria circunstancial de clubes".

Quando acabou de escrever isto, MST estendeu-se na cadeira e começou a rir às bandeiras despregadas. "Lá vou eu pôr outra vez uns largos milhares de lampiões e deitar fumo pelas orelhas."

Miguel Sousa Tavares sabe, porque não é estúpido e só se está a fazer passar por tal, que as leis segundo as quais é julgada a corrupção desportiva são, no mínimo, absurdas. Ele sabe que uma lei que leva a um tribunal três "peritos" de arbitragem para decidirem se o árbitro errou ou não é ou uma lei feita ou por um analfabeto desportivo ou por alguém que, ao fazê-la, tentou deliberadamente abrir o suficiente espaço de subjectividade para ninguém ser condenado.

Ele sabe, porque não é estúpido, que comprar um árbitro para assegurar uma vitória ou um jogo tranquilo, como foi o caso do jogo da fruta, não implica necessariamente que o árbitro erre, apenas que erre se for preciso, o que não foi o caso, ou que pelo menos não erre contra.

Ele sabe, porque não é estúpido, que quando Pinto da Costa disse ao proxeneta António Araújo para mandar fruta para dormir e café com leite à equipa de arbitragem estava a falar de prostitutas, e que não há nenhuma boa razão para fornecer prostitutas a um árbitro a não ser para comprar favores. Com evidências muito menos sólidas do que isso, semana sim semana não, Miguel Sousa Tavares acusa de corrupção autarcas, construtores civis e agentes políticos e económicos. Se o presidente da Câmara de Lisboa fosse apanhado numa escuta desta natureza MST seria o primeiro a fazer o seu funeral político.

Ele sabe que um presidente de um clube não recebe um árbitro em casa, muito menos um presidente experiente, que sabe muito bem o seu lugar e o seu papel, a menos que queira tirar proveito dessa situação e se não a tivesse provocado. Se o tipo dos contentores de Alcântara (seja ele quem for...) fosse, às escondidas, a casa do ministro das Obras Públicas, MST encheria o prato e comeria com gosto.

Ele sabe que o advogado e amigo íntimo de um presidente de um clube não pode ser presidente dos árbitros que apitam jogos desse clube, como foi Lourenço Pinto. Porque não é estúpido.

E sabe que as sentenças dos tribunais, em Portugal, são utilizadas, sobretudo, como argumentos de defesa dos corruptos, porque a Justiça portuguesa está formatada para não condenar a corrupção - porque foi feita por corruptos, por aqueles que estão na política para se servirem do tacho e para adquirirem poder, e que por isso têm de se defender.

Ele sabe que os juízes estão açaimados pelas leis. As leis que impedem a utilização das escutas como prova, por exemplo, devido a pormenores técnicos, mas que não pode, não consegue, por mais que isso fosse conveniente, impedir a sua existência.

O que é triste, realmente triste, nesta cruzada de MST por uma causa que não tem álibis, é a parte da sua credibilidade que gangrena de cada vez que ele se atravessa à frente do comboio por causa de um pelintra provinciano convencido de que vai viver para sempre.

É certo que até o diabo merece um advogado, e isso até pode ser nobre, mas um advogado que embaraça a verdade, que a manipula, que pretende trocá-la por uma mentira para safar o seu cliente não é apenas o advogado - é o próprio diabo.

Miguel Sousa Tavares, tristemente, está a tornar-se uma personagem degradante. Lixo intelectual. Mais um peso num país escangalhado. Seria melhor, de facto, para todos, que fosse para o Brasil, porque o que torna Portugal no pantanal que Miguel Sousa Tavares diz ser é a existência cá de pessoas como ele.