quarta-feira, 22 de julho de 2009

Ámen

Há duas hipóteses: ou há dez ou onze camaradas a vir ao blogue todos os dias ou essas entradas são automáticas e ninguém lê o que eu escrevo. O que é engraçado é que é mais ou menos indiferente.

Se há alguém de carne e osso desse lado devo só explicar que estive uns dias fora de serviço porque passei pelo hospital a ver se não morria. Se não, então o que vou escrever só vai ter interesse quando, daqui a uns anos, eu vier a poder encaminhar para este texto quem não acreditar nos meus dotes premonitórios, e vou poder dizer-lhes: "Não, eu é que sou o predresidente da Junta!"

Enfim, não só sobrevivi como recebi uma oportunidade de recomeçar muito da minha vida e ainda voltei a casa a tempo de ver o jogo do Benfica na televisão, o que me inspira, hoje, já com um bocadinho mais de saúde e de comidinha semi-sólida no bucho, a escrever sobre anos zero.

Daqui a uma década, a leitura que se vai fazer da nova era do Benfica será, grosso modo, e não especulando em demasia sobre os restantes adversários, a seguinte:

Ano 0, época 2007/08 - Rui Costa, o futuro director-desportivo, que chegou de Milão um ano antes prescindindo de acabar aí a sua carreira e de passar a director no Milan, já exercia funções de planeamento do plantel da temporada seguinte apesar de só em Maio, após o fim da temporada, ser anunciada pelo presidente Luis Filipe Vieira a sua passagem a director-desportivo. Este facto revelar-se-ia da maior importância na década que agora passa, pois foi o verdadeiro momento de definição do futuro imediato do Benfica novamente vencedor que hoje o conhecemos.

Ano 1, época 2008/09 - A escolha de Rui Costa para o cargo de técnico principal redundou num aparente fracasso, com o espanhol Quique Flores a perder, já na ponta final da época, o élan demonstrado na primeira metade - apesar do fracasso nas competições europeias e na Taça de Portugal. O que ficaria dessa época, contudo, seria muito mais profundo.

A saber:
- a montagem de uma estrutura de ciência do treino que permitiu a diminuição até níveis considerados residuais das lesões por desadequação do treino. Essa optimização fisiológica foi a base para a solidez competitiva das equipas do Benfica nos anos seguintes, e calcula-se que graças a ela o clube tenha poupado milhões de euros em contratações e em perdas de jogadores em momentos determinantes da época, assim como valorizado em outro tanto jogadores que, submetidos a essa metodologia, recuperaram a sua capacidade física de base.

- a instituição da Benfica TV, que se revelaria o instrumento cultural e financeiro mais importante do clube, antes de mais porque marcou diferenças em relação aos outros dois grandes, que simplesmente não tinham dimensão para sustentar um canal televisivo próprio. A Benfica TV seria a pedra-angular que permitiria o predomínio económico do clube sobre os seus rivais, e que se tornou importante e visível sobretudo a partir do momento em que os níveis competitivos da equipa foram elevados e estabilizados. Graças ao dinheiro a mais o Benfica passou a poder comprar em qualidade e a rentabilizá-la, em vez de a desvalorizar;

- o tirocínio de Rui Costa no mundo dos bastidores do futebol português, e a sua aprendizagem em relação aos métodos de combate do Futebol Clube do Porto. A perda de Cristian Rodriguez, o Cebola, foi a pedra de toque para alguém que, como Rui Costa, aprende depressa. No ano seguinte, apesar do Futebol Clube do Porto voltar a querer passar a imagem de que tinha roubado os jogadores que queria ao Benfica "em quatro minutos", ela não passou, porque Rui Costa aprendeu a sair de cena quando perdia o controle das situações - e a sair por cima, com contratações que se revelariam mais acertadas que as originais. Na verdade, no fim da época seguinte, muitos se interrogariam se alguns dos nomes lançados para a imprensa não seriam antes iscos atirados ao Porto, à medida que os verdadeiros alvos benfiquistas estavam a ser trabalhados por outro lado.

Ano 2, época 2009/10 - Com a contratação de Jorge Jesus o Benfica, ainda que nem sempre bem, voltou a jogar futebol (em vez de um jogo interno parecido com isso) e a disputar o campeonato nacional (e não uma competição aleatória que só existia na cabeça dos dois treinadores anteriores, ambos espanhóis).

A época acabou com a equipa em segundo lugar, atrás do Sporting, mas a vitória na Taça de Portugal, em Lisboa, frente ao Futebol Clube do Porto, a caminhada até às meias-finais da Taça Europa e a distância de apenas quatro pontos para o campeão deram a Jesus, a Rui Costa e a Vieira o espaço para mais uma época a perseguir o título.

Entusiasmados com a carreira da equipa, os adeptos registaram uma afluência recorde no novo estádio e atingiram-se valores de merchandising e na quotização também elevadíssimos, resultando daí e da venda de Luisão e de Di Maria o melhor ano financeiro na história do Benfica.

Ao mesmo tempo, a hegemónica equipa do Porto parecia ter atingido o seu ponto mais alto um ano antes, caindo, surpreendentemente, para o terceiro lugar no campeonato, ficando fora do acesso à Liga dos Campeões - onde, nesta época atingiu novamente os quartos-de-final, contrabalançando uma campanha interna em que não ganhou nada.

Nesse defeso circularam rumores de que já se preparava o mega-negócio das transmissões televisivas que seria anunciado no próximo ano.

Ano 3, época 2010/11 - O melhor ano do Benfica em muito tempo. Beneficiando da venda forçada de alguns dos melhores jogadores do Sporting e da saída de Paulo Bento, após a conquista do campeonato, para o Sevilha, o Benfica, reforçado com alguns jogadores de grande categoria, vence, finalmente, o campeonato.

Em Janeiro de 2011 é anunciado um novo acordo televisivo que substituirá o que deveria acabar em 2012. É o maior negócio na história do futebol português e é firmado entre Vieira e Joaquim Oliveira, de quem sempre foi próximo e a quem deve, em grande parte, a ascenção à presidência do clube, mas que se viu forçado a aceitar duas variantes que tornaram o verdadeiro valor do acordo muito superior àquele que firmaria, um ano depois, com Porto e Sporting:

- uma parte substancial das remunerações a pagar ao Benfica seriam feitas a posteriori e dependeriam das audiências atingidas pelas transmissões;
- o Benfica manteve o exclusivo nas transmissões de um pacote de jogos por ano cujo valor calculado seria de dez milhões de euros por ano.

Com estas variantes o Benfica passou a receber, em média, mais trinta por cento que Porto e Sporting pelas transmissões dos seus jogos - a diferença de um jogador de topo, todos os anos.

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