quarta-feira, 25 de março de 2009

A implosão do Porto e a barcelonização do Benfica

Actualmente o Porto parece invulnerável. Vai a caminho do quarto campeonato seguido, mantém o treinador, está entre as melhores oito equipas da Europa. Pode mesmo supor-se que irá mais longe, que não vai falhar o segundo penta e que pode chegar, mais cedo ou mais tarde, a uma meia-final ou uma final da Liga dos Campeões. A equipa é forte e estável.
No entanto, há uma fragilidade óbvia em tudo isto, que a competência de Pinto da Costa esconde mas que qualquer pessoa minimamente atenta consegue detectar: o Porto não consegue gerar receitas suficientes para sustentar, a longo prazo, o seu crescimento.

Atentemos nisto:
- o Porto vive, ainda, dos rendimentos de um micro-ciclo em que, como se comprova pelos resultados nos anos que se seguiram, foi muito mais o fenómeno de José Mourinho a levar o clube ao sucesso do que o contrário. Se é verdade que Mourinho não teria sido campeão europeu no Benfica ou no Sporting, não o será menos que o Porto não teria sido sequer campeão nacional sem Mourinho. Quando Mourinho entra o Porto está à deriva. A aposta em Octávio falhara e o balneário estava em estado de coma (leiam o livro). Até o Jorge Costa tinha sido mandado para o exílio. O que teria acontecido se Mourinho não tivesse chegado ao Porto é uma incógnita tal que permite qualquer especulação, e Mourinhos aparecem de trinta em trinta anos (e nem sempre no Porto).
Com o dinheiro ganho pelos resultados na Europa e, sobretudo, pela venda super-inflacionada de jogadores (os negócios com o Dínamo de Moscovo, por exemplo, pertencem à categoria dos tabus mais reclusos na história do futebol português), o Porto não só refez e desperdiçou uma equipa (em jogadores subaproveitados como Diego, Luis Fabiano e muitos outros de que nem sequer já nos lembramos) como voltou a construir outra, com Adriaanse, e é apenas graças a essas centenas de milhões de euros em caixa que pôde comprar e manter jogadores da categoria de Lucho González, Quaresma, Rodriguez ou Hulk. Isso não invalida que o Porto saiba escolher bem e, sobretudo, que ponha os jogadores a render, nem que tenha uma formação capaz de gerar talentos como Bruno Alves. Mas sem o dinheiro de Mourinho a equipa do Porto não teria a vantagem técnica que hoje possui, por exemplo, em relação ao Sporting (que escolhe e forma melhor), e que lhe permite dar de avanço.

- o Porto está no nível máximo da sua rentabilidade económica se se retirar da equação a venda de jogadores. Vendendo jogadores, e não havendo outro Mourinho que faça omeletes de caviar com Derleis, Postigas, McCarthys, Nunos Valentes, Costinhas, etc, o nível da equipa, mesmo que se mantenha estável, nunca subirá, e muito provavelmente descerá assim que esta atingir o topo do seu ciclo (que pode muito bem ser até já este ano, ou o seguinte).
Participando na Champions todos os anos, enchendo o estádio graças aos resultados, o Porto depende, sobretudo, da renegociação de contratos televisivos (onde dificilmente terá vantagem em relação ao Benfica, por exemplo, como se verá) e de uma eventual criação da Liga Europeia, o desejo secreto do G-24, ou 36, ou seja lá o que for. Mas isso vem longe e é incerto.
E, neste ponto de máxima rentabilização desportiva, quais são os resultados do Porto? 10 milhões de euros de prejuízo. 10 milhões! Para que fique bem claro: se o Porto, no ponto desportivamente mais alto que consegue atingir, não consegue ter LUCRO, então o Porto tem um défice estrutural insanável e incompatível com o nível a que quer competir. Dizendo de outra maneira, o Porto não consegue criar receitas para ter um Lucho González ou um Hulk, e está a apenas uma ou duas épocas de menos sucesso de poder, sequer, pensar em comprá-los.

Este é um momento (entre quatro a cinco anos) de potencial viragem nas forças do futebol português, porque o Porto vai abanar. É uma inevitabilidade histórica. Porquê?

1 - Ninguém é infalível. Quem diz que Pinto da Costa é infalível esquece, por exemplo, as apostas em Tomislav Ivic, em Octávio Machado (que quase destruiu um balneário blindado ao longo de 20 anos, e apenas porque tentou melhorá-lo), no ano dos três treinadores (o Tótó Giggio, Fernandez e Couceiro). Também esquece que, para conseguir encontrar três ou quatro jogadores de grande nível que assentassem na equipa, comprou (e continua a comprar) mais de 30. Stepanov, Farías, Benítez, Mariano González, veremos se Madrid, Bolatti, enfim, são luxos de clube rico - que o Porto não é, como se comprova.
Coloquemos este cenário: Jesualdo sai, por opção ou por se ter terminado o ciclo, o Porto contrata Queirós, por exemplo (alguém duvida?), e este falha, porque o seu feitio não se coaduna com o tipo de lealdade que é necessária ao Porto para funcionar. Compram-se jogadores para tapar buracos, o que é sempre o primeiro passo para o desastre, e o Porto afunda-se. Onde é que existe o "Fundo de Garantia Mourinho" para recomeçar? E os outros, Benfica e Sporting, não estarão então mais fortes? Para onde caminhará, então o Porto, sem Liga dos Campeões e sem jogadores de qualidade extra para fazer os remendos financeiros?

2 - Pinto da Costa não é eterno, apesar de muitos adeptos não saberem que antes dele o Porto já existia há 80 anos, e não está a ficar novo. Por mais que se fale de sucessão, o grande trunfo de Pinto da Costa não é a habilidade política, é a habilidade humana, e essa não se ensina, é inata. Hoje já não há presidentes que tenham vindo do hóquei em patins ou do boxe. Vêm todos do gabinete, e os que não vêm não têm estofo para resistir aos políticos profissionais. Quando Pinto da Costa sair, por morte ou doença (vai a caminho dos 75 anos?) o Porto não será o mesmo, e nada se mantém - ou melhora ou piora. Alguém acredita que o Porto consiga fazer melhor do que o que fez desde 1977? O nível pode até manter-se durante alguns anos, mas os clubes são os seus homens, e este Porto é Pinto da Costa. Depois dele, outro Porto virá. Um Porto com pouco dinheiro, entenda-se.

3 - Já não falta muito para que apenas uma equipa portuguesa por ano consiga estar na Liga dos Campeões. Para o Porto a Liga dos Campeões tem sido a sua máquina de suporte vital. Sem as suas receitas (que existem apenas graças ao sucesso desportivo regular) o Porto estaria enterrado em banalidade interna, porque não consegue gerar outras. Dois anos seguidos sem Liga dos Campeões atirariam o Porto para uma crise profunda. Dois anos sem ganhar o campeonato e perdendo a pré-eliminatória para uma equipa francesa, espanhola ou italiana. É assim tão difícil de imaginar nos próximos cinco? O Porto vai ganhar oito campeonatos seguidos? A sério?

4 - Há uma razão muito forte para o Porto precisar do Sporting e o Sporting precisar do Porto neste momento: o Benfica está a um passo de se reerguer das cinzas.
Talvez apenas a história venha a dar a devida importância aos resultados financeiros alcançados por Luis Filipe Vieira, e é bem possível que ele já lá não esteja quando os resultados desportivos os acompanharem.
O insucesso desportivo de Vieira deve-se, sobretudo, ao facto de ele não compreender a essência do sucesso desportivo: o espírito colectivo da equipa e o facto de os jogadores entenderem o que representam, e de representarem algo. Isso teria impedido a contratação de dezenas de jogadores para quem o Benfica nada representa e que nada no Benfica poderiam representar. Basicamente, os dirigentes do Benfica percebem pouco de futebol de alta competição, ao contrário de Pinto da Costa, que o conhece desde a raiz. Mas isso rapidamente se altera.
Dado o nível de receitas que actualmente consegue gerar, se o Benfica conseguir encontrar a ciência futebolística básica (como o Sporting encontrou, por exemplo) e aproveitar perto do máximo os jogadores que contratar, torna-se um problema quase insolúvel tanto para Porto como para Sporting, porque o próprio clube está noutra dimensão - económica, social e desportiva. Continua a ser o único clube verdadeiramente cosmopolita em Portugal, com uma capacidade de mobilização superior e, sobretudo, com uma sede de glória que não se consegue reprimir. Do Benfica os adeptos esperam tudo, e chega a ser assustador pensar o que poderia ser, hoje, o clube, se José Mourinho não tivesse saído. Um monstro saciado.
Não é por acaso que aparece a Benfica TV, e que Joaquim Oliveira anda preocupado e aparece mais nos jogos. Foi sobre o futebol que ele construiu o seu poder, e o poder é efémero. O momento da renegociação dos direitos televisivos, daqui a três anos, será o grande jogo de xadrez do futebol português para as duas décadas seguintes. A intenção do Benfica é clara: jogar com a sua grandeza para adquirir vantagem, ou seja, receber mais porque ninguém vende tanto como ele. O cenário de um Benfica a receber o dobro do dinheiro televisivo do Porto, com perto de cem mil sócios pagantes (basta uma vitória no campeonato para se chegar lá), capaz de comprar jogadores de classe superior e, acima de tudo, de os aproveitar desportivamente, é um pesadelo para os seus dois rivais. Para que não restem dúvidas, até dada a natureza universalista do clube e da própria cidade (e não é exagero), uma construção desse tipo colocaria o Benfica muito mais próximo, em essência, de um Barcelona do que de um Porto, e o Porto muito mais próximo de um Atlético de Madrid, sobretudo se perder a liderança.

Pinto da Costa sabe, de certeza, hoje, uma coisa (e é por isso que anda tão calado, porque está em guerra inflamada): a vida reservou-lhe para os últimos anos uma luta apenas comparável à que teve de travar, com o país inteiro, no final da década de 70, para devolver a dignidade ao seu clube. Em dimensão e importância, esta não lhe é inferior. Pinto da Costa sabe que o seu último grande serviço ao Porto é lutar contra as próprias leis do universo, que determinam a inevitabilidade dos ciclos e que, também neste caso, à grande glória portista se siga uma implosão de dimensão semelhante. E sabe que, provavelmente, a partir de certo ponto já não estará cá para o defender.

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