sábado, 4 de julho de 2009

Cagando me estou eu também!

Já ia dizer que vivíamos num país assim e assado. É o hábito, um mau hábito, como beber Coca-Cola, comer chocolates à noite ou coçar os tomates. Começa-se, habituamo-nos e depois não só o fazemos naturalmente como estranhamos quando nos esquecemos de o fazer.

Não vivemos, provavelmente, num país assim e assado: vivemos concerteza num mundo assim e assado, porque não somos gente para ter inventado a má índole, simplesmente a vivemos à nossa maneira, como todos os outros vivem à deles. Mas como tenho, como os meus conterrâneos, muito de eterno e convicto provinciano, falo do meu país porque é o único que conheço.

Vivemos num país onde chamar mentiroso a alguém, com plena consciência das palavras, é menos insultuoso que chamar-lhe cabrão por eufemismo. Onde um ministro pode passar três anos a mentir sem ser demitido (e não estou a dizer que é o caso, porque não sei) mas não pode ser apanhado a fazer um gesto pateta na televisão.

Vivemos num país de prolegómenos e engrelómenos, de excelentíssimos e prudentíssimos, da boca treinada para não revelar a sujidade da mente e a mente não preparada para coisa nenhuma. Quem anda, neste país, a fazer alguma coisa por si e pelos outros, vê-se, de um momento para o outro, a limpar a baba aos camelos para poder sobreviver, e a rezar para os camelos não se acabarem porque senão acaba-se tudo e toda a esperança.

Nem é o problema do politicamente correcto - é o problema de politicamente sermos uma merda. Se fôssemos bons, politicamente, se a nossa principal actividade fosse fazermo-nos melhores e nos intervalos nos distraíssemos a brincar aos macacos e aos galhos, não haveria grande problema. Só que no meio de tanto macaco a atirar trampa um ao focinho do outro já nem conseguimos distinguir a dignidade mais elementar.

No meio de tudo isto surge (aleluia!) o nosso Benfica, o verdadeiro garante, o último refúgio do português, quer por afirmação quer por oposição (os que são do Benfica mais os que são contra o Benfica, representando, no conjunto, a verdadeira unidade nacional).

Um dia depois da demissão de um ministro por ter feito uns cornichos na Assembleia da República, eis que ouço Manuel Vilarinho, figura suma do Benfica, presidente da Assembleia Geral, que já se tinha cagado para o Veiga e para as Veiguettes, e cagado para o garoto, e cagado para o tribunal seja lá do que for, a resumir, numa frase pura, dura e maravilhosamente benfiquista, o que sentia quanto a todos os que pensam que o clube pode ser levado à vareta pelos sinuosos burocratas que ninguém entende nem quer entender: "Estou-me cagando para isso!"

E eu quero dizer, caro Manuel, mesmo sabendo que estás longe de te encontrar livre de pecado, que nos tiraste, a mim e a todos os benfiquistas, as palavras da boca: cagando me estou eu também!

Digo-te mais: falaste por todos os portugueses, que estão fartos de ver o seu país tomado de assalto por enfatuados com um canudo numa mão e uma colher na outra, em formação ordenada, da esquerda à direita, do Minho ao Algarve - e só não digo à Madeira porque lá mora outro que os manda, respeitosamente, à merda.

Se o Benfica estivesse bem vivo, ainda digo outra coisa: não haveria de faltar em nenhum jogo um enorme tarja, a um quarto de estádio (de preferência na bancada PT), onde se lesse, alto e garrafalmente: "Estamo-nos cagando para vocês!".
Isso sim, seria uma ressurreição da democracia. E havias de ver que, como recompensa, ainda ganhávamos o campeonato e que ele entraria para a história como o campeonato cagado, só para nos sentirmos vingados destes vinte anos em que nos têm cagado em cima como se fôssemos sapos.

Muito obrigado, sinceramente.

E volto ao princípio para acabar - ao nosso querido país. Por causa do Ronaldo, que esta semana tentou partir o focinho a um paparaso mas, malogradamente, só lhe conseguiu partir um vidro do carro - e vá lá que não partiu um pé, senão é que havia de ser bonito.

Acho que o Ronaldo ganha pouco, acho que foi barato e acho que daqui a três anos se vai arrepender de ter ido para Espanha, mas dói-me, sobretudo, que ele tenha ido para o Real Madrid.

Custa-me que ele seja saloio a esse ponto e ainda me custa mais (se bem que me pareça história da carochinha...) que isso possa ter a ver com um desejo da mãe, uma bimba de primeira que não deve saber a diferença entre o Real Madrid e o Real de Santo Amaro de Alcântara mas que meteu na cabeça que ali é que era, na Espanha, o país da Hola! que ela lia no cabeleireiro, cheio de pessoas bronzeadas e cor-de-rosa às florzinhas. Não duvido que, até o filho ir para Inglaterra e ela ver o mapa europeu nas revistas de bordo da SATA, se alguém perguntasse à senhora onde eram uma série de países o único de que ela conhecesse a localização fosse Espanha.

Mas, enfim, tenho uma consolação.
Sei que o Real Madrid é um clube de província (chamada Leão-Castela) e que representa liminarmente a identidade dessa província.
Da mesma forma que o Real Madrid se tornou grande comprando alianças graças a grandes dotes, trazendo para a sua corte os melhores do mundo por mero interesse político e a troco de posses e ouro, Leão-Castela cresceu casando as suas filhas com os reis dos outros e comprando aos seus filhos as filhas dos outros. No processo engoliram tudo o que conseguiram, e só não nos engoliram a nós porque houve um maluco que nasceu agarrado a uma espada e decidiu que não, que esta terra poderia vir a ser muita coisa mas que ao menos não seria uma terra de filhos da puta.

E sei que não vivo numa província mas num país.

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