quarta-feira, 1 de julho de 2009

O ano do pinto

Se tivesse de apostar em quem vai ser campeão este ano não apostaria no Porto, e por vários motivos.

Antes de mais, por um puramente estatístico. A lei das probabilidades está contra o Porto. É verdade que a única vez em que um clube conquistou cinco campeonatos seguidos em Portugal foi precisamente com o Porto, mas isso não impede de levar em consideração que:

- a competição, na altura, comparada com este ano, era anedótica. O Sporting não valia metade do que vale hoje e o Benfica estava em pleno processo autofágico, engalfinhado entre Vales e Damásios;

- isso aconteceu em pleno apogeu do Apito Dourado. De facto, se os casos relativos ao Apito Dourado reportam a períodos posteriores, ninguém duvida que foi na década de 90, desde o tempo Artur Jorge versão 2.0 ao memorável Toninho Oliveira Metralha, com alguns outros afortunados passageiros ocasionais pelo meio, que o sistema melhor funcionou. Até Lourenço Pinto, advogado, amigo íntimo e confidente de Pinto da Costa que nunca deu um pontapé numa coisa redonda conseguiu chegar a presidente dos árbitros. Actualmente é inegável que não é tão fácil a Reinaldo Teles e António Araújo arranjarem a quem dar fruta para dormir;

- em 60 anos isso só aconteceu uma vez.

Ou seja, quanto mais não seja por algum imponderável, o mais provável é o Porto, este ano, não ser campeão.

Mas há outros ponderáveis.

Antes de mais nada, este está a ser uma mau defeso para Pinto da Costa. Quando pensava que tinha engatilhado o negócio da década, vendendo uma amostra de jogador de futebol pelo preço de dois inteiros, levou uma chicuelina pelo lado cego e ficou agarrado ao Cissokho.
Esse negócio ter-lhe-ia permitido não vender o Lucho González, provavelmente o único do trio Lisandro-Lucho-Bruno Alves que não queria mesmo vender, por ser o mais importante para a equipa. Em vez disso, não só vendeu o seu melhor jogador por 18 milhões de euros (em condições normais subiria o jogo para 22/25 à cabeça), como ainda tem de vender outro para atingir o objectivo estabelecido pelo seu desbocado vice Fernando Gomes, que admitiu que o Porto tem de fazer 25 milhões a cada Verão em jogadores para continuar com a cabeça de fora.

1 - se alguém achar que o Lucho só vale mais três milhões que o Cissokho que chame já a ambulância, porque está a ter um AVC e ainda não percebeu;
2 - se eu fosse sócio do Porto e o dirigente financeiro do meu clube dissesse que, mesmo no momento mais rico da sua história, se não ganhássemos 25 milhões por ano em transferências estaríamos em maus lençóis, eu ficaria extremamente preocupado, porque isso implicaria que, sem a montra europeia a funcionar em pleno, estaríamos a dois ou três anos medianos de ficarmos enterrados em lodo.

Para piorar as coisas a habitual manobra moralizante de humilhar o Benfica, este ano, saíu-lhe pela culatra. Deveria ter sido o uruguaio Álvaro Pereira (quem?) mas levou baile, porque no mesmo dia o Benfica apresentou o Schafer, a menos de metade do preço e com igual nome (nenhum) em Portugal, e agora, se não despachar o Cissokho em saldos, fica com dois defesas-esquerdos, para além dos outros 15 que já lá tem.
O tal Falcão sem acento seria bom, mas para isso teria de despachar o Farías ou o Lisandro. O ideal seria Reyes, e provavelmente a ser alguém será mesmo esse, mas a contratação de Saviola teve o condão de atirar o espanhol para um recanto da memória dos benfiquistas.

Saindo Lucho, também sairá pelo menos um dos outros em fim de estação: Bruno Alves ou Lisandro. No Porto já não há nada para eles, e também eles não têm mais para dar ao Porto. Bruno teve um ano de carreira e dificilmente fará melhor, além de ter um pai lixado. Lisandro já teve um ano inferior ao anterior, e este não deverá ser melhor. Ambos querem sair e está na altura de saírem. Na cabeça deles e dos outros, se ficarem não será a mesma coisa.

Se calhar também sai o Helton, e já saíu o Pedro Emanuel, um verdadeiro capitão e, acima de tudo, um português num balneário cada vez mais estrangeiro - o que, acreditem, é mau para um clube de índole regional, como é o Porto.

São os elementos da espinha-dorsal do tetra.

Creio que Pinto da Costa percebe que esta equipa do Porto chegou a um momento de renovação, e isso é sempre problemático. No fundo, ele perceberá que esse é o estado mais confortável para o Porto, que sempre beneficiou em ser menosprezado, mas isso tem custos desportivos, e nem o Sporting nem o Benfica se encontram de tal forma fragilizados que voltem a dar pontos de avanço como deram nestes anos. O Sporting vai apostar muito forte e é o principal candidato, e o Benfica, apesar de provavelmente não vir a ser campeão, já não será apanhado na curva, pois comprou apenas quatro jogadores, em vez de catorze, e são todos para entrar no onze.

Além do mais, o sucesso de Jesualdo Ferreira impediu Pinto da Costa de fazer o que queria: trocar de treinador e ficar com Jesus. Jesualdo vai dar ao Porto mais do mesmo. Isso não é mau, Jesualdo é treinador para ajudar a formar a próxima equipa, mas fica a faltar ao Porto aquilo que leva as equipas de topo a gastarem milhões, todos os anos, a trocar jogadores e treinadores: o factor novidade.

As novas caras refrescam a química das equipas. Mais do que a qualidade, é a nova mistura, o processo de assimilação, que leva à melhoria da equipa. É por isso que o Manchester United todos os anos compra um avançado por 30 milhões de euros, apesar de já lá ter uma data deles igualmente bons. A novidade alimenta a qualidade. Refresca as ideias. Faz respirar. E Jesualdo sabe a velho.

Por alguma razão raramente um treinador fica no Porto mais de dois anos e, ao contrário do que aconteceu com José Mourinho, desta vez o timing jogou contra o Porto. Enquanto na altura despedir Octávio foi um pró-forma, agora despedir Jesualdo foi impossível. Fica, eventualmente, para o ano, ou para o outro, quando Jesus ou Carlos Queirós ficarem disponíveis.

Pinto da Costa deve já ter assimilado a ideia de que este será um ano de transição, em que a vitória no campeonato será desejável (e perfeitamente possível) mas não fundamental, e se calhar improvável. A longo prazo poderá mesmo ser melhor não ganhar este campeonato e apostar na renovação da equipa, enquanto os seus melhores jogadores ainda estão no auge das suas carreiras e no ponto para serem vendidos. A ter de perder algum dia, Pinto da Costa importar-se-ia menos de perder este ano - porque é um tipo cerebral, conhece o futebol e sabe que não pode ganhar sempre, só quase sempre.

Essa é mais uma razão para eu acreditar que este será o ano do Sporting. Aliás, no título de 2000 a situação do Porto pós-penta era mais ou menos a mesma que é actualmente e o Sporting ganhou o campeonato.

Fora do Porto as coisas não correram muito melhor a PC.

No Sporting foi eleito o presidente que permitiu a continuidade de Paulo Bento, provavelmente o único treinador, neste momento, e graças à experiência de balneário e de Sporting que acumulou, capaz de segurar um plantel com muita qualidade mas problemas de solidariedade, em que os brasileiros estão contra alguns portugueses e vice-versa, onde alguns portugueses acham que deviam ganhar mais que outros e onde se perdeu uma importante referência de cabine como era Derlei, uns dos que metia a miudagem na ordem.

Com outro treinador dava-lhes no máximo até Fevereiro para começarem todos ao estalo. Com Paulo Bento acho que podem aguentar até ao final do ano, ganhar o campeonato e então vender dois ou três maduros.

No Benfica, o processo eleitoral não o favoreceu. Ter umas eleições em Outubro, com Vieira a sofrer a oposição de Veiga e das Veiguettes e a equipa a passar para segundo plano no meio dessa coboiada seria o cenário perfeito para Pinto da Costa, se calhar até com Veiga a ganhar e a protagonizar um OPA hostil sobre o plantel, Rui Costa incluído.

O golpe estatutário vai dar, pelo menos, tempo a Jorge Jesus, o que pode ser irrelevante, em termos de resultados, mas também pode ser decisivo, se a coisa resultar. Aliás, se a experiência Jesus resultar é a próxima década do futebol português que pode estar em jogo.

Sob determinada perspectiva, o Benfica comprou bem, e parte, sem dúvida, mais forte que no ano passado. É perfeitamente crível que Jesus consiga, pelo menos, meter a equipa na luta - o que pode ajudar a fazer a diferença.

Vejo um Porto forte, claro, mas não mais forte nem mais ambicioso que o Sporting. Vejo um Porto que vai voltar a ter momentos maus, como teve o ano passado, dos quais provavelmente não conseguirá sair com a mesma desenvoltura.

Alguns jogadores, como Hulk ou o Cebola, estarão melhores, mas não são líderes. Os líderes (Bruno Alves, Lucho, Lisandro, Pedro Emanuel) ou não estarão lá ou estarão menos do que já estiveram.

Vejo um Sporting a ser eliminado cedo da Liga dos Campeões e a apostar tudo no campeonato. vejo um Benfica obcecado com o campeonato, com muita fome de vitórias e com um treinador que é o mais esfomeado de todos. E vejo, como bem escreveu Miguel Sousa Tavares na sua última Nortada, um ano cheio de polémicas, sobretudo porque Luis Filipe Vieira já percebeu que se não ganhar este ano provavelmente não aguentará nem mais um Verão como presidente do Benfica. Não será um ano fácil para os árbitros, nem para a credibilidade do jogo.

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