quinta-feira, 25 de junho de 2009

"Et tu, Adriano?"

Chamem-me maluco, mas consigo visualizar isto:

O telefone de Adriano Galliano acorda logo às sete da manhã de Milão com o hino italiano. É o primeiro-ministro e chefe supremo, Berlusconi. Nem seria preciso o toque fascizóide: só o patrão lhe ligaria às sete da manhã. A tripa de Adriano revolve-se. Lá vem bronca.
- Estou sim?
- Adriano, já estavas acordado?
- Claro, patrão.
- Olha lá, ligaram-me do jornal a perguntar-me sobre um Cissokho... Tu sabes quem é?
- Sei, patrão. É o nosso novo defesa-esquerdo.
- Um defesa-esquerdo? Para o lugar do Maldini?
- Sim, chefe. É um espectáculo. Corre que nem uma besta.
- Pois, pois... Olha lá, disseram-me que íamos pagar 15 milhões por esse tipo. Não é verdade, pois não?
Adriano começa a suar, e não é por causa do pijama de flanela.
- São 15, mais algum se a coisa correr bem.
- Isso quer dizer o quê?
- Bom, se ganharmos o campeonato, e a Liga dos Campeões, pagamos mais qualquer coisa...
- Pagamos mais o quê? - cicia Berlusconi.
- Pode ser mais dez milhões, chefe.
Há um silêncio. Adriano consegue visualizar o chefe a ficar vermelho do outro lado, como um balão a inchar, e percebe que não se vai safar.
- MAS TU ESTÁS DOIDO? - grita Berlusconi. - Tu enlouqueceste? Então eu vendo o melhor jogador do mundo por 60 milhões de euros porque estamos à rasca de dinheiro, arrisco-me a ser apedrejado na via pública, desfaço-me de um tipo que era meia-equipa, e tu dizes-me que posso ter de pagar metade do que recebi num defesa-esquerdo que nunca deu um pontapé numa bola? Mas tu estás bom da cabeça, ou quê?
- Presidente...
- Ó pá, tenho a canalha toda a morder-me os calcanhares, mal consigo aguentar esta história das mulas lá na casa da Sardenha, a minha mulher quer sair de casa e ficar com metade da massa, estou a ver que não me aguento como primeiro-ministro, já nem na bola me safo porque em vez de teres ido buscar o Mourinho ficaste lá com o outro que nem um onze sabia fazer, e agora ainda tenho de apanhar contigo? Por amor da Virgem, também tu, Adriano?!
- Presidente, acalme-se, por favor.
- Acalmo-me o c...! Acalma-te tu! Achas que isto está para andares a fazer as tuas negociatas com os teus amigos mafiosos, ou quê? Ainda agora apanhei o barrete do Ronaldinho e já me queres enfiar um ainda pior? Vê lá se percebes uma coisa: eu... não tenho... dinheiro... para dar... a chulos.
"Ui, ui", pensa Adriano.
- Não quero saber mais desta história. Tu meteste-te, nisso agora desenmerda-te. Para o gajo vir tem de ser por um terço do preço, senão os 15 milhões és tu quem os paga. Bom dia e vai à merda!
Desliga o telefone violentamente.
Adriano está lívido. Não sabe dizer porquê, mas desde o princípio que teve um mau pressentimento com esta história. Era muita gente a querer comer do mesmo prato, e ainda por cima no prato só havia osso.
Começa a pensar como é que se pode descalçar esta bota. Felizmente é uma carcaça com muita rodagem. Se não fosse estaria bem entalado, porque o português também é rato de muito esgoto. Mas caramba, ele é Galliani. Ele sozinho construiu o império do Milan, mesmo com um chefe lunático que tinha a mania que sabia fazer equipas e que contratava e dispensava jogadores só por simpatizar ou não com eles, com se fossem gajas de 18 anos que estivessem ao seu dispôr. Era o que faltava ficar agora em xeque por causa de um etíope qualquer que há meia-dúzia de semanas ainda estava nos distritais.
Abriu a gaveta da mesa de cabeceira e tirou de lá a vetusta agenda vermelha e negra.
Ligou um número de telemóvel.
- Estou, doutor? Galliani. Bem obrigado, e o senhor? Concerteza. Olhe, doutor, hoje à tarde vai aí um rapaz de cor que nós íamos contratar. Estou? Isso. ...Sokho. Exactamente, Cissokho. Doutor, eu acabei de saber, de fonte muito credível, que o moço está estragado. Não me souberam dizer exactamente o quê mas tem um problema físico complicado. Como? Sim, quinze. Pois, talvez vinte e cinco... Oiça, não interessa! Até podiam ser cento e cinquenta milhões porque nós não vamos ficar com ele. Percebeu? Veja lá o que o rapaz tem mas daí ele não sai sem lhe encontrarem o defeito. Está a ver? Ainda hoje vai recambiado. Ok? Pronto, trate lá disso. Bom dia, doutor.

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