terça-feira, 26 de maio de 2009

O general, o guerrilheiro e o mercenário

Posso estar enganado, mas vejo alguma coisa de especial neste José Eduardo Bettencourt.

Antes de tudo, tendo o perfil completo do betinho, é outro tipo de betinho. É dos betinhos que gostam de fruta. É dos que não sabem falar mas gostam de agir - o que o torna perigoso. O Soares Franco, por exemplo, pensava tanto, tinha tanta estratégia, que não fazia mal a ninguém - e foi por isso que, logo na apresentação da candidatura, levou uma boca valente do Bettencourt, quando ele disse que com ele seria mais importante defender o Sporting do que agradar aos outros. Percebeu-se, claramente, que com Bettencourt a postura do Sporting no Apito Dourado teria sido outra, sem subserviência.

Depois, não tendo, à primeira vista, uma veia política muito apurada, mostrou já dois pormenores que desmentem essa inabilidade.
Antes de mais, todo o processo de candidatura, no qual se resguardou até ao limite, enquanto os outros já dançavam à volta das cadeiras, esperando pelo momento ideal para aparecer como solução óbvia e imbatível. Andava o Franco à espera da vaga de fundo e tinha o Bettencourt a fazer-lhe a cama - ou o caixão.
Depois, o aparente elogio a Pinto da Costa, quando disse que gostava de ter uma longevidade como a dele. Novamente, à primeira vista, parece um tributo. Para mim, o que ele estava a fazer era a avisar a concorrência, incluindo o Pinto da Costa, que não está a pensar em andar por aí de passagem, que quer ficar e ganhar. Se se quiser ir mais longe pode acrescentar-se que, caso Bettencourt tenha a longevidade de Pinto da Costa, quando chegar lá já o outro morreu há vinte anos. A idade joga a seu favor.
Como diz o anúncio, "tu és macaco..."

Finalmente, porque o que podemos esperar do Sporting para a próxima época é, como ele desajeitada mas eficazmente definiu no seu discurso, que "venha para a rua". O que ele realmente queria dizer é que, com ele, o Sporting não vai ter medo de ir para onde se ganham os campeonatos em Portugal: para a lama.
E se Paulo Bento é um guerrilheiro, Bettencourt não o será menos.
O que nos leva a uma dúvida: com Bettencourt como presidente, poderíamos assistir, por exemplo, a uma repetição do caso mais ignominioso que envolveu o Sporting nos últimos anos, provocado, curiosamente pelo seu jogador-marca, o Liedson?

O Liedson é um assassino nato. Tem mais maldade num pé que o resto da equipa toda do Sporting. Por isso é o rei de Alvalade e também por isso o Sporting não ganha, porque não tem instinto letal além do dele.
Por outro lado, o Liedson é um mercenário. É o tipo de mercenário com que se ganham guerras. Eu gostava de ter uma data deles no Benfica. As grandes equipas estão cheias de mercenários como ele. Equipas como o Porto bem podem ter os seus talibãs ano após ano, defendendo a causa e a religião, mas há uma razão para o Porto não conseguir ganhar na Europa como ganha em Portugal: não tem dinheiro para os mercenários. Porque quem os quer ter tem também de se sujeitar à primeira regra da guerra: o mercenário exige ser pago.

Desde que chegou ao Sporting o Liedson ou está em processo de renovação ou está em processo de saída, seja o que for que lhe dê mais dinheiro na altura. Agora, aos 31 anos, quando já ninguém lhe quer pegar, está a fazer render os créditos acumulados e prepara-se para renovar, provavelmente até ao final da carreira. Ainda tem mais dois ou três bons anos de alto nível à frente, pelo tipo de jogador que é e, sobretudo, pelo tipo de jogador em que se conseguirá transformar se perder velocidade. Porque a grande qualidade do Liedson não é nem a técnica nem a capacidade física, apesar de serem ambas muito boas.

O Liedson é, sobretudo, inteligência. Poucas coisas lhe acontecem, dentro ou fora de campo, que ele não controle e antecipe. É o género de futebolista que determina o curso de um encontro porque se encontra à frente dos outros na sua percepção, e por isso às vezes parece que inventa jogadas e golos a partir do nada. É muito semelhante ao Raul, do Real Madrid, por exemplo.

Por isso, quando, no Natal da época de 2004/05, em Guimarães, o Liedson viu um cartão amarelo que o afastava do jogo com o Benfica por jogar a bola com a mão a dois ou três minutos do fim, eu não acreditei na sua inocência.
Que me lembre, foi a única vez que vi o Liedson levar um amarelo por jogar a bola com a mão. É o tipo de asneiras que ele simplesmente não faz, a não ser que queira.

Depois disso foi para o Brasil e por lá ficou, uma parte de férias, outra de licença de paternidade, outra de assistência familiar, outra de greve - porque, já nessa altura, o Liedson queria mais dinheiro.

Com o que o Liedson não contava era com a proverbial arte do desenrascanço lusitano. Numa manobra ao melhor estilo pintodacostiano, e aproveitando o compadrio do presidente do Pampilhosa (que, apanhado no meio daquela caldeirada, se abriu que nem uma gasosa e admitiu que era do Sporting, que o Sporting lhe tinha prometido uma série de ajudas, que queria que o Sporting fosse campeão, etc), os dirigentes do Sporting - José Eduardo Bettencourt tinha saído da SAD seis meses antes por "motivos pessoais" - conseguiram antecipar o jogo da Taça com esse clube, a troco de cachecóis, equipamentos, sandes de courato, enfim, um carrego de benesses, limpando, assim, o cadastro de Liedson e deixando-o apto para defrontar o Benfica três dias depois.

O Liedson ficou encostado às tábuas. Já não tinha desculpa para continuar no Brasil e se persistisse em não regressar (esteve lá uma semana a mais do que devia e só voltou depois do jogo da Taça, dois dias antes do dérbi!) incorreria em problemas sérios. Quando voltou teve de pedir desculpas, o que desbaratou a versão oficial de que se encontrava no Brasil com autorização do clube, e baixar a bolinha.
Os sportinguistas perdoaram-lhe porque ele marcou os dois golos na vitória por 2-1 sobre o Benfica e os dirigentes perdoaram-lhe porque sim, mas perceberam que teriam de lhe dar mais dinheiro.

(Curiosamente, mais tarde nessa época, quando o Veiga fez o arranjinho de passar o jogo com o Estoril para o Algarve, os sportinguistas atiraram-se ao ar, esquecendo convenientemente algumas evidências:
- que o Estoril ganhou, imediatamente, uma receita enorme de bilheteira, que deu para pagar um ou dois meses de orçamento;
- que era muito mais importante para o campeonato o Liedson jogar contra o Benfica do que o Benfica jogar com o Estoril, fosse onde fosse;
- que o Sporting, assim como o Porto ou o Benfica, passaram anos a jogar com várias equipas (Salgueiros, Gil Vicente, por exemplo) em estádios emprestados, por razões económicas, e nessas alturas nunca lhe ocorreu o problema da desvirtuação da verdade desportiva;
- que, no Estoril ou no Algarve, os adeptos do Estoril estariam sempre em imensa minoria ante os do Benfica, porque no Estoril, que é em Lisboa, há muitíssimos mais benfiquistas do que estorilistas genuínos, que devem ser uns duzentos, se tento.
Na verdade, vejo mais facilmente neste caldinho do Veiga uma forma de ganhar dinheiro - pois era accionista maioritário encapotado do Estoril - do que um estratagema para beneficiar o Benfica.)

A grande ironia foi que, na segunda volta, quando o Sporting recebeu o Guimarães, o Liedson voltou a ver um amarelo que acarretava suspensão por pontapear a bola para longe (outro momento anti-Liedson...) e não jogou o encontro que decidiu o campeonato, quando o Luisão abalroou o Ricardo e, sem sequer tocar na bola (espantoso...), marcou o golo da vitória.
É significativo que alguns adeptos mais broncos, daqueles que dizem qualquer disparate com um pleno convencimento de razões, tenham insinuado que ele viu o amarelo para se guardar para a final da Taça UEFA, que seria em Alvalade quatro dias depois.

Refira-se que, utilizando uma lógica vulgarmente utilizada pelos opinadores que é demasiado simplista mas nem por isso totalmente descabida, o Sporting só chega a esse jogo da Luz com um ponto de avanço por causa do Pampilhosa. Sem o Pampilhosa o Liedson não joga com o Benfica em Alvalade, o Sporting perde 0-1 (lá está o simplismo incongruente) e chega à Luz com o título já perdido não com um ponto de avanço mas com cinco de atraso...

Os benfiquistas, provavelmente por serem constantemente massacrados por ele, nunca agradeceram convenientemente ao Liedson. Se esse foi o campeonato do Mantorras não o foi menos do Liedson - que, diga-se, nunca esteve tão perto de ganhar um campeonato nos seus seis anos de Sporting como aí. É verdade, o Liedson nunca foi campeão pelo Sporting. Nunca deu nenhum campeonato ao Sporting. Mas já lhe tirou um.

Isto tudo a propósito do Bettencourt e do Pampilhosa. Para dizer que esse é o tipo de tácticas a que o Sporting não hesitará em recorrer para ser campeão, com Bettencourt e afins: muita classe no penacho mas vulgaridade nos métodos, quando necessária. Esta ainda é a cartilha que o Sporting começou a ler de Pinto da Costa no tempo de Roquette: a de que os fins justificam os meios.
À Liedson.

O que eu pergunto é: sabendo-se que o Porto e o Sporting provavelmente discutirão outra vez o título em 2010, o que fará Pinto da Costa à amizade com o Sporting quando lhe tocar uma destas?
E, já agora, o que dirá Bettencourt se for ao contrário?

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