sábado, 23 de maio de 2009

Wooooooooooooooohhhhhh!!!!

Quem não gosta da basquetebol não tem maneira de saber como o seu mundo está consideravelmente mais pobre neste momento. Quem gosta sente-se abençoado - literalmente abençoado - por viver neste tempo, porque o que está a acontecer na NBA, actualmente, é, provavelmente, o período mais fulgurante na sua história, e tenho mesmo dúvidas se não será o melhor momento competitivo (aliando a intensidade à extensão, uma vez que já dura há mais de um mês) na história do desporto. Tento encontrar um paralelo e não consigo. Talvez a única comparação verosímil seja aquela época da Fórmula 1 em que coincidiram o Ayrton Senna e o Alain Prost na McLaren e o Nélson Piquet e o Nigel Mansell na Williams. Quem se lembra sabe do que eu estou a falar. Fora isso não vejo nada.

Descrevê-lo não é impossível, mas daria um livro (e vai dar muitos, concerteza), e é mesmo impossível fazê-lo em meia dúzia de parágrafos, mas é possível pelo menos tentar resumi-lo.
Basicamente, estamos a assistir a uma rota de colisão anunciada entre dois jogadores que no final da sua carreira estarão, pelo menos, entre os oito melhores de sempre, senão mesmo entre os seis melhores, sendo que um, LeBron James, de 26 anos, está a elevar o jogo basquetebol a um nível que permite questionar se não conseguirá, a médio prazo, algo que ninguém achava possível: não se considerar Michael Jordan o melhor desportista americano (pelo menos) de sempre.
O outro, Kobe Bryant, um animal competitivo ao nível de Jordan que está numa missão individual de o superar apesar de nunca o vir a conseguir, viu LeBron roubar-lhe o título de MVP e quer vingar-se nas finais, onde espera encontrar James e conquistar o seu quarto anel de campeão, depois de ter perdido essas mesmas finais no ano passado.

Ao princípio, o playoff deste ano parecia um mero exercício formal em que o único factor de interesse seria precisamente esse mano-a-mano de titãs na final. Na prática, esse duelo tornou-se secundário, e neste momento é impossível, sequer, prever quem estará a final.

Tudo começou com aquela que já é considerada a melhor série de primeira ronda, para alguns mesmo a melhor série da história das eliminatórias, entre os campeões de 2008, Boston Celtics, e os Chicago Bulls. Houve sete jogos, quatro deles com prolongamentos, sendo que um deles teve dois e outro três. Foi a primeira vez que uma série à melhor de sete teve sete prolongamentos. Quando os americanos tentaram resumir os melhores momentos da série não conseguiram. Eram demasiados. Cestos no limite, jogadas impossíveis às dezenas (mesmo, às dezenas...) entre duas das equipas com mais títulos na história, porrada, heróis, vilões, tudo. Quando acabou toda a gente teve a sensação de que acabara de testemunhar um evento inesquecível. Ganharam os Celtics, que jogaram sem o seu melhor elemento, Kevin Garnett, lesionado, mas demonstrando pura fibra de campeão.
Na ronda seguinte, voltaram a jogar sete partidas, dessa vez com os Orlando Magic, estiveram em vantagem por 3-2 mas perderam o jogo seis em Orlando. Para dar uma ideia do que os Magic tinham pela frente no jogo 7, em Boston, basta dizer que em 32 ocasiões em que tinham estado em vantagem de 3-2 numa eliminatória os Celtics tinham ganho... 32, e que nunca antes tinham perdido um jogo 7 em casa. Perderam esse. Pela primeira vez em cinquenta anos. História.

Enquanto isso, LeBron James ia esmagando os adversários, primeiro Detroit e depois Atlanta, por sucessivos 4-0 e com tareões. Bateram o recorde de mais jogos consecutivos de playoff a ganharem por mais de vinte pontos e parecia que o primeiro jogo com os Magic ia ser outro passeio, porque estiveram a ganhar por 23 na primeira parte.
Nesse período assisti ao minuto mais impressionante por um único indivíduo num campo de basquetebol, que me lembre (e já vejo NBA há mais de 20 anos): num contra-ataque o LeBron faz um dos afundanços do ano, uma bola que provavelmente só ele consegue fazer, subindo com a cabeça ao nível do cesto e esmagando a bola a uma mão depois de correr o campo inteiro em máxima velocidade. Quando o pessoal ainda estava todo aos abraços, na defesa, ele vem do lado fraco da defesa, salta e dá um abafo ao Dwight Howard (que é só o jogador mais poderoso da liga neste momento, te mais dez centímetros e ganhou o penúltimo concurso de afundanços) quando este ia afundar a duas mãos, de tal maneira que acabam os dois estendidos no chão. Mas não há falta e o jogo não pára. LeBron chega ligeiramente atrasado ao ataque mas vem solto. Recebe o passe no topo dos três pontos, de frente para o cesto, sobe e marca o triplo. Não me perguntem como, porque não tenho consciência, mas quando aquele minuto começou eu estava sentado na cadeira do computador e quando acabou dei por mim aos pulos, gritando em silêncio no corredor para não acordar os miúdos.
O incrível? Os Magic recuperaram esses 23 pontos na segunda parte e ganharam com um triplo a três segundos do fim. Os Cavaliers só tinham perdido um jogo em casa este ano. Agora perdiam outro, no play-off.

Ontem estiveram com o segundo perdido. Novamente, tiveram uma vantagem de vinte pontos. Novamente os Magic foram lá buscá-los. A um segundo do fim o turco Hedo Turkoglu, talvez o caso mais impressionante de sangue-frio desde o Larry Bird, um jogador que vive para aqueles últimos dez segundos em que um cesto significa a vida ou a morte, marca e põe os Magic à frente. Com uma desvantagem de 0-2 após dois jogos em casa a eliminação dos Cavaliers seria quase uma formalidade. Nunca nenhuma equipa na NBA conseguiu recuperar de uma situação semelhante.

Há um desconto de tempo, reposição na linha lateral. Não pude ver o jogo à noite, tive de gravar e ver de manhã. A minha mulher sentou-se no sofá a vinte segundos do fim, antes dos Magic marcarem o cesto pelo Turkoglu. Eu disse-lhe: "Vai ser o turco, vai marcar e eles vão ganhar, exactamente como ontem". Ela não acreditou. Woowww! Devia ter acreditado.
Depois eu disse-lhe: "Já perderam. Não há tempo. Perderam ontem depois de terem estado a ganhar por vinte, hoje a mesma coisa e vão ser eliminados. O LeBron James vai ser eliminado." Ela acreditou. Não era possível. Não devia ter acreditado.

O LeBron James recebe a bola em corrida atrás da linha dos três pontos, só tem tempo de saltar para trás, em queda, com o Turkoglu, precisamente, em cima dele, praticamente encostado e todo esticado, e lançar. Lá vai ela.

Woooooooooooooooooooohhhhhhhhhhh!!!!

É o cesto da década. Um dos maiores de sempre. Quando ele acabar a sua carreira este vai ser um dos primeiros. Um dos cinco maiores. Ou dez. Não sabemos. É impossível saber. É como diz um cronista americano: com o LeBron James deixámos de saber, desde há um ano, onde é que tudo isto pode vai acabar. Tudo é possível e basta ficarmos contentes por estarmos aqui.

E o melhor, o absolutamente melhor de tudo, é que hoje, no outro lado do país, há uma aberração competitiva da natureza a ver o resumo do jogo que pura e simplesmente não vai aceitar que outro jogador fique, pelo menos, sozinho no topo.

Anteontem o Kobe fez uma das suas exibições de carreira frente aos Denver Nuggets mas não conseguiu ganhar. Está 1-1. Os Nuggets transcenderam-se desde que receberam o Chauncey Billups, um dos quatro jogadores mais mortíferos da NBA na actualidade dentro do último minuto de um jogo - sim, os outros são o Kobe, o LeBron e o Turkoglu, e sim, jogam pelas quatro equipas que ainda estão em competição, e sim, as duas séries estão 1-1, o que quer dizer que cada uma delas ainda pode ter mais cinco jogos, e sim, ainda nem sequer chegámos à final, onde poderá haver e provavelmente haverá mais sete jogos. Sim, sim, sim e sim. Sim. Isto são os playoffs da NBA em 2009. Como diz o slogan, "onde o espantoso acontece"

Os Lakers já tiveram de jogar sete jogos com os Houston Rockets. Nos Nuggets joga Carmelo Anthony, outra superestrela que tem a mesma idade do LeBron. Os dois deveriam protagonizar a grande rivalidade da Liga durante a próxima década, mas parece que toda a gente se esqueceu do Bryant, uma besta de glória, insaciável e irredutível, alguém que só encontra uma palavra para definir o seu estado de espírito relativamente a esta época: "Obsessão". Alguém que admite que, às vezes, tem dificuldade em dormir a pensar no troféu de campeão.

Há muita gente a defender que o Kobe deve estar muito arrependido de ter ido aos Jogos Olímpicos de Pequim no último Verão. É que foi aí, ao verem como ele se levantava às cinco da manhã para fazer treinos diários individuais a que qualquer outro jogador não se submeteria, de livre vontade, sequer às cinco a tarde, que os meninos LeBron e Carmelo (também eles, como Kobe, vindos directamente do secundário para a NBA, sem passarem pela universidade) perceberam que enquanto eles jogavam basquetebol o Kobe Bryant era um competidor profissional, e que, independentemente do talento, só teriam alguma hipótese de sequer competir com ele nos momentos da verdade se se aproximassem, pelo menos, da sua ética de trabalho e da sua ambição, da forma como castiga o corpo e a mente para se aproximar do sucesso.

Há quem defenda que, sem esse exemplo pessoal e directo (LeBron e Carmelo chegaram a levantar-se da cama de madrugada para irem treinar com ele em Pequim), a época da NBA deste ano seria um pró-forma, em que os outros iriam jogar bem até às finais e, aí chegados, Kobe e os Lakers executariam o ritual da morte. Neste momento, pelo contrário, qualquer uma das quatro equipas é um credível e possível campeão, e isto, apesar do equilíbrio que é a principal característica da liga, não acontecia há muitos, mesmo muitos anos.

E há jogadores já eliminados, como Dwayne Wade ou Chris Paul, que, se aqui tivessem chegado, estariam a competir para serem eleitos MVP dos playoffs, e que podem, sem qualquer dúvida, ganhar um prémio de MVP na próxima época. Mas já nem esses sobreviveram à competição. Neste momento, na NBA, para se ganhar, já não basta ser excelente - além de se ser excelente tem de se ser melhor. A dinâmica é tal que já se alimenta a si própria. Os jogos adquiriram vida própria. Hoje jogam Nuggets e Lakers, às duas da manhã. Não consigo imaginar dormir antes do jogo acabar e todo o meu dia vai ser passado à espera, tentando não dar em maluco a olhar para o relógio.

Acreditem que pensei em escrever este texto para falar de futebol. De arbitragem, imaginem. De como a arbitragem é o único ponto frágil da NBA, actualmente, porque os árbitros e os reguladores da liga pura e simplesmente não conseguiram acompanhar a evolução técnica, física e táctica dos jogadores, e por isso erram, às vezes com influência directa nos resultados. E de como, no fundo, no meio de uma explosão de exuberância competitiva permanente que já se prolonga há cinco semanas, ninguém quer saber.

Era para falar de árbitros mas já não quero. Não quero saber. Estão a ver?

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