segunda-feira, 4 de maio de 2009

É preciso deixar de pensar?

Para se ser um bom benfiquista é preciso deixar de se pensar? É obrigatório, para um benfiquista que se queira considerar como tal, que deixe de utilizar o sentido crítico e que embarque na onda pinhonista - sim, exactamente, de Pinhão, Leonor Pinhão, que não é má sentenciadora mas parece só conseguir chegar até certo ponto no seu ajuizamento antes de ceder à situação, ou, na maior parte dos casos, à "opinião pública" benfiquista?

É claro que não é, e se há coisa que me irrita nisto do Benfica é a facilidade com que se transforma facilidades em verdades.

Por isso, aqui vai:

- a cada dia é mais fácil a Rui Costa rescindir contrato com Quique Flores, sobretudo porque Quique Flores já não quer treinar o Benfica, e só não o diz para conseguir receber o segundo ano de salário sem trabalhar, algo a que sente ter direito por achar que foi o clube que falhou, e não ele, pois deu o melhor que tinha.
Aliás, Quique soube que não teria futuro no Benfica após a derrota na Trofa, a primeira no campeonato, quando disse que ele estava preparado para a pressão, mas que não sabia se o mesmo era verdadeiro da parte das pessoas que o rodeavam. Quique percebeu que uma derrota daquelas, no Benfica, tinha uma dimensão extra-desportiva que não se encaixava na sua maneira de estar no futebol (mais moderada, menos emotiva).
Isto quer dizer que Rui Costa está também, a cada dia que passa, mais próximo do momento em que se vai definir como dirigente. Porque o trabalho fundamental de um director de futebol de uma equipa é gerar processos de trabalho e lealdade. O mais certo é Rui Costa vir a sucumbir à facilidade de trocar de treinador, fazendo a vontade a toda a gente (até a sua, admita-se, neste momento). O mais correcto, contudo, seria Rui Costa sentar-se à mesa e dizer a Quique Flores que não estava dispensado, que não podia ir a lado nenhum e que devia concentrar-se no seu trabalho em Lisboa e não num Santander ou num Bétis qualquer.
- Mas eu dei o meu melhor, e isso aparentemente não é suficiente - dir-lhe-ia Quique. - As pessoas não me entendem e eu não entendo as pessoas.
- Então faz-te entender, e faz melhor. Tens mais um ano de contrato e não és pago para ficar em terceiro, mas para ganhar.
- Talvez seja melhor para todos eu sair.
- Tens duas hipóteses: ou perdes mais um ano da tua carreira ou aproveitas o ano que vais passar num dos dez maiores clubes da Europa para fazer melhor. Mas no Benfica ninguém sai do barco a meio do rio, muito menos um oficial.
O mais provável, novamente, é que o Benfica voltasse a ficar em terceiro, mas se fizesse isto há uma coisa que é certa: no final da próxima época o processo de contratação fosse de quem fosse seria muito mais rigoroso, e os que entrassem saberiam com o que contar. Essa é a verdadeira base de qualquer trabalho rigoroso: responsabilidade.

- ninguém de bom senso ou com honestidade de pensamento poderia esperar, realisticamente, outro final para a época do Benfica. O Porto tem uma equipa consolidada e construída para ganhar campeonatos, que consegue, graças à sua qualidade, situar-se entre as melhores 12/14 da Europa. O Sporting tem melhores jogadores que o Benfica, ainda que mais baratos, e entre eles um núcleo de jovens portugueses de qualidade, perfeitamente adaptados ao clube e à realidade portuguesa, que sabem muito bem o que é o campeonato português, o Porto, o Sporting e o Benfica.
Melhores jogadores? É claro que sim. É evidente que sim. Rui Patrício não é inferior a Quim. Abel é melhor que Maxi Pereira. Polga é melhor que Luisão. Carriço é melhor que Miguel Vítor. Tonel não é inferior a Sidnei. Veloso é melhor que Ruben Amorim. Moutinho é melhor que Katsouranis. Derlei não rende menos que Reyes ou Nuno Gomes. Liedson é muito (muito!) melhor que Cardozo. Izmailov é melhor que Di Maria. Vukcevic seria titular indiscutível na Luz. Qualquer destes jogadores do Sporting, se jogasse no Benfica, subiria imediatamente a sua cotação, mesmo não passando a jogar melhor, apenas por vestir a camisola de um clube de maior dimensão e implantação no povo e na imprensa.
As pessoas que desde o início da temporada andam a colocar o Benfica ao mesmo nível de Porto e Sporting são ou pessoas que percebem mesmo pouco de futebol (mesmo trabalhando em jornais desportivos) ou pessoas mal-intencionadas (sobretudo no Jogo e Record) que passaram o ano a trabalhar para este preciso momento da temporada, em que os adeptos benfiquistas, cabeças-ocas, por acreditarem realmente que é com Reis e Aimares que se ganham campeonatos em Portugal, acreditam que a temporada foi um fracasso. Esses jornalistas, por tendência clubista e/ou interesse económico, sabem que a melhor maneira de perpetuar os fracassos do Benfica é encherem o balão ao longo do Inverno para que, quando chegue a Primavera, ele rebente com estrondo tal que se torne impossível aos (fracos) dirigentes do Benfica não voltar a entrar na rodinha dos ratos que correm, correm, correm mas não saem do lugar. E assim se passam vinte anos com um campeonato ganho (por acidente), graças à imbecilidade recorrente e acrítica do "adepto benfiquista".

- os golos "de Cardozo" - que raramente servem para alguma coisa - vão permitir uma sequela da rábula do ataque pelo menos durante mais um ano. A lógica é simples: se ele é o único que marca golos então não só tem de jogar como toda a equipa deve jogar para ele, e ser feita a partir dele. Ora, os golos "de Cardozo" - dos quais haverá apenas um ou dois que realmente tenham valido vitórias importantes, se tanto, repita-se - só servem para ocultar uma verdade que deveria ser evidente: Cardozo não é jogador para o Benfica, e o Benfica não poderá aspirar a melhor do que isto (o terceiro lugar e um estilo de jogo fraquíssimo) se a sua referência for Cardozo. Para que não restem dúvidas, Cardozo não é melhor que um João Tomás, com um remate melhor mas um jogo de cabeça inferior. O seu nível máximo, enquanto futebolista, deveria ser tornar-se referência de um clube de meio da tabela na Argentina, Uruguai ou México. É um jogador muito lento, na velocidade mas sobretudo na inteligência de jogo. Está sempre atrasado em relação ao movimento da bola e da equipa, emperra o colectivo, não tem capacidade técnica ou física para o futebol europeu (ou, sequer, brasileiro), e ao fim de um ano a jogar em Inglaterra estaria na bancada a ver os jogos. Tem uma técnica de cabeceamento muito fraca, e concretiza pouquíssimos lances dos que lhe aparecem para marcar. Como tem um bom remate e joga muito perto da baliza, vai marcando alguns golos, sobretudo contra equipas mais fracas. A verdade é que se Renteria, por exemplo, jogasse no Benfica, a equipa jogaria melhor e Renteria marcaria mais golos que Cardozo. E Renteria foi dispensado do Porto. O Nené, do Nacional, é mais jogador que o Cardozo - e mesmo ele não é jogador para o Benfica. Hélder Postiga, que é suplente do Sporting, provavelmente ficaria com o seu lugar. De memória recordo dois jogadores que lhe são muito superiores, e que passaram pelo Benfica sem grande glória, por mero preconceito dos adeptos: Van Hoojdonk e Brian Deane. Trocava o Cardozo por qualquer um deles num minuto, e duvido que qualquer treinador da primeira divisão não fizesse o mesmo. Mas como os "benfiquistas" continuam a não perceber que os jornais têm de ser vendidos seja como for, e sobretudo a eles porque são mais que os outros, a grande estrela do Benfica vai continuar a ser um avançado-centro com uma ligeira corcunda e suplente da selecção do Paraguai. Porque até o treinador do Paraguai sabe o que ele vale.

- o Benfica vai voltar a comprar jogadores de qualidade (mais cinco ou seis este ano, aposto) e de futuro, jovens internacionais dos seus países, que venham "colmatar as lacunas" que a equipa teve este ano.
Ora, isto é o contrário do que o Benfica precisa. Primeiro porque a "qualidade" de que se fala (o saber jogar à bola, basicamente) não falta nos jogadores que já lá estão. O Benfica tem jogadores suficientes, em qualidade, para todas as componentes do jogo moderno. Nenhum deles, contudo, à excepção de Miguel Vítor, que se está a formar, e Ruben Amorim, que pouco mais dará do que isto, está a render mais de sessenta por cento do seu valor potencial. E isso não é nem por falta de qualidade nem por falta de trabalho: é por falta de entusiasmo. Ou seja, é por falta de comprometimento colectivo por um objectivo.

A equipa do Benfica não precisa de mais "qualidade": precisa de estofo. Precisa de carácter. Precisa daquilo que transforma boas equipas em equipas vencedoras. Precisa de campeões, de facto. Não dos que ganharam batalhas por estarem no mesmo exército dos lutadores mas dos próprios lutadores, daqueles que fizeram com que as suas equipas triunfassem, dos que têm carácter e não aceitam uma derrota com naturalidade ou complacência. Alguém em quem jogadores de categoria indiscutível como David Luiz, Sidnei, Di Maria ou Reyes, potencialmente dos melhores do mundo, encontrem uma referência de combatividade, alguém que faça o que for preciso para levar a sua equipa à vitória. Estes são os que fazem os outros melhores e sim, eles existem. Os jogadores não são todos iguais e a verdadeira diferença entre um futebolista de sucesso e um bom futebolista está na importância que dá às vitórias. Talvez os benfiquistas mais novos não o entendam bem, mas (para não ir mais longe), o Hernâni que se habituaram a ver no futebol de praia, e que prescindiu da sua carreira para que um colega mais famoso e valioso não perdesse a sua e o clube não perdesse milhares de contos (procurem na Internet) seria, hoje, titular indiscutível do Benfica. O Benfica não precisa de mais jovens, nem de mais qualidade, nem de mais internacionais (que os há aos milhares): precisa de campeões, que são muito mais raros e, por norma, passam muito mais despercebidos, por ser mais difícil aceitá-los.

Isso não é fácil, sobretudo se tomarmos como exemplo o episódio entre Luisão e Katsouranis no Bonfim, o ano passado. A grande preocupação, na altura, foi recriminar os atletas e castigá-los. A política do costume. Houve logo quem quisesse pô-los na rua, sumariamente. A minha tristeza, pelo contrário, foi que o clube tenha aproveitado tão mal, interna e externamente, o momento de maior orgulho demonstrado pela equipa durante toda a temporada. No meio da mediocridade, dois campeões, frustrados e sentindo-se isolados, reagiram a quente e viraram-se um contra o outro. Em vez de aproveitar essa demonstração de orgulho para mobilizar os restantes, em vez de construir em redor desse grito de raiva, o que é que fez o Benfica? Envergonhou-se, castigou os atletas e fez a vontade aos anões moralistas, que se apresentaram muito chocados por verem dois futebolistas fazerem aquilo que os campeões fazem: revoltar-se. A falta de estofo, ao contrário do que as pessoas pensam, não nasce nos futebolistas: ela vem de cima, dos que os contratam e não sabem o que é o futebol ou o Benfica.

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