quinta-feira, 7 de maio de 2009

A pulga e o cavalo

Gosto muito de ver o Messi jogar à bola. Compará-lo com o Maradona é um disparate. Com 16 anos o Maradona já tinha mais carisma do que o Messi alguma vez conseguirá ter, e por isso, mais que pela técnica, é que Maradona foi o melhor jogador do futebol moderno - porque seria impossível a Maradona, mesmo com dez quilos a mais e um par de pernas a menos, passar ao lado de uma meia-final da Liga dos Campeões como Messi passou. Não seria possível. Maradona obrigava o jogo a encontrá-lo, Messi tentou aparecer. Nem sequer é parecido, por mais voltas que a pulga dê com a bola. E não me venham com tretas de que "no último minuto apareceu o Messi a oferecer o golo a Iniesta": o Messi recebeu a bola na sua posição, atraíu o dois-contra-um e encontrou o Iniesta solto, não foi nada de extraordinário, qualquer avançado com o mínimo de categoria teria feito o mesmo.

O Ronaldo, por exemplo, faz isso pelo menos dez vezes por jogo, porque desde pelo menos a parte final da época passada os treinadores adversários deixaram-se de lirismos e abandonaram totalmente a ideia de o defenderem homem-a-homem. Basta ver um jogo do United com o mínimo de atenção para perceber porque é que ele está a ter uma temporada menos fulgurante, já depois da lesão: a estratégia é tentar que ele receba a bola o mais próximo possível da linha (que é o melhor defensor, porque por ali a bola nunca passa), meter o defesa a tapar o corredor vertical e o médio logo ao lado, de maneira a não lhe dar espaço para sair do drible para dentro. Se os defesas não vacilarem, só pode jogar para o lado ou para trás. Por isso as cavalgadas do Ronaldo da linha para a baliza praticamente acabaram e ele passou a época a adaptar-se a essa (inevitável) mudança de marcação.
Vai marcar menos quinze golos que o ano passado, mas seria interessante (não tenho tempo...) ver o saldo de golos e vitórias da equipa, com ele em campo, nas duas épocas, comparativamente. Quase que apostaria que não só a equipa não tem pior diferencial de golos como não perdeu mais vezes. E porquê? Porque o Ronaldo, como jogador multidimensional que é, conseguiu adaptar-se.
Como? Soltando mais a bola (ainda não o suficiente), abrindo espaços e encontrando novas formas de marcar golos e ser perigoso.

E esta é, para já, a grande diferença entre Cristiano Ronaldo e Messi, e aquela que faz com que, para mim, a discussão sobre quem é o melhor só faça sentido para quem gosta mais de jornais que de futebol: nesta fase decisiva da época Ronaldo está a demonstrar, mais uma vez, que o seu futebol tem várias dimensões, enquanto o de Messi, por enquanto, só tem uma - brilhante, é certo, mas única.

Messi é insuperável na finta e muito bom no último passe. Ninguém lhe tira a bola e encontra quase sempre o melhor avançado para marcar. Fá-lo com uma técnica impressionante, tanto que não se possa dizer que seja totalmente descabido dizer que é o melhor futebolista do mundo. Mas é só o que ele sabe fazer, e, como se viu frente ao Chelsea, não há avançados que não possam ser marcados. Nos dois jogos mais importantes do ano, Messi deve ter sido o jogador do Barcelona que menos tocou na bola a seguir ao guarda-redes. O que Ronaldo passou o ano a fazer (aprender a jogar sobremarcado) Messi vai agora começar a aprender, e é preciso ver se consegue, se tem realmente futebol para isso. Porque Ronaldo já mostrou que tem.

Na final da Liga dos Campeões do ano passado, Ronaldo marcou o golo do United, de cabeça, no centro da área. Há quem dê mais importância ao penálti falhado, esquecendo-se de que se ele não tivesse marcado aquele golo o jogo nem sequer teria chegado aos penáltis.
À eliminatória com o Porto, muito mais difícil que a do Arsenal, resolveu-a com um remate a mais de trinta metros da baliza, num dos golos do ano. Se o Messi algum dia tentar um remate daqueles ou tem uma trombose ou a bola nem sequer chega ao guarda-redes.
Com o Arsenal, outro golo, de livre, portentoso, com uma técnica de remate que anda a aperfeiçoar há um ano e que finalmente parece começar a dar resultados, tornando-o um jogador ainda mais temível, porque nas bolas paradas não pode ser defendido em cima. Se acertar, marca e ponto final.
Nos cantos é o jogador mais procurado, e marca frequentemente.
Ronaldo faz o que os realmente grandes jogadores fazem: adaptam o seu jogo ao jogo que têm de jogar. Ele nunca mais vai deixar de ter pelos menos dois jogadores em cima, por isso vai fazer o que fez o Figo: quando perder velocidade e ganhar experiência, vai tornar-se um passador exímio. É garantido. Porque é o que eles fazem.

As pessoas que utilizam o argumento dos golos para o desvalorizarem nem sequer percebem como esse argumento vale, na verdade, pelo oposto. Dizem que marcar muitos golos não significa ser o melhor. Mas esquecem-se que esse é um argumento que faz sentido, e com razão de ser, em relação a um ponta-de-lança. Sim, de facto, reduzir o valor de um jogador ao número de golos que marca é falacioso, porque o ponta-de-lança joga mais perto da baliza e está lá para isso, por ser um especialista, mesmo que não consiga fazer um passe ou recuperar uma bola pode marcar quarenta golos. Mas o que o Ronaldo consegue é (além de passar, fintar, ganhar bolas de cabeça, defender e tudo o resto), não sendo ponta-de-lança, ser melhor ponta-de-lança que todos os verdadeiros pontas-de-lança e ao mesmo tempo melhor extremo que os outros extremos!

É bom que as pessoas tenham noção de uma coisa: não houve nunca, pelo menos no futebol moderno, um jogador tão completo a nível ofensivo como o Cristano Ronaldo. Nunca! Ofensivamente, Ronaldo consegue fazer, literalmente, tudo, consegue fazê-lo depressa, consegue fazê-lo colectivamente, e além de tudo isso ainda é o jogador que mais golos marca, e de todas as formas - dentro ou fora da área, em força ou em jeito, de bola corrida ou bola parada, com o pé ou com a cabeça.
Fisicamente é um espanto, perfeito, em velocidade, resistência, potência, impulsão. Mentalmente é um guerreiro. É ambicioso, vaidoso e egocêntrico. É um trabalhador nato, como Figo, mas ainda com mais talento natural. Não consegue fugir ao jogo e, com a maturidade a crescer, o jogo cada vez irá mais ter com ele.

Messi e Ronaldo não são incomparáveis - são ambos excelentes futebolistas, jogadores geniais e os dois mais espectaculares do Mundo, provavelmente. Mas comparar Messi com Ronaldo é como comparar uma pulga a um cavalo.

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