segunda-feira, 1 de junho de 2009

Jihad

Ouvi hoje entrevistas dos candidatos à presidência do Sporting e fiquei a saber que no dia 15 vai ser apresentada uma lista para as eleições do Benfica onde entra o José Veiga. A meio da entrevista do Paulo qualquer coisa Cristovão, que foi inspector da PJ, apercebi-me de uma evidência que, sendo herética, também é, afinal, óbvia.
É absolutamente irrelevante o "projecto", as "ideias" ou qualquer outra maravilha apresentada por quem queira ser presidente de Sporting ou Benfica. Só há uma coisa verdadeiramente importante num futuro presidente de qualquer um desses clubes: ser capaz de destruir Pinto da Costa, e com isso terminar um ciclo de domínio esmagador do Porto.

Tudo o resto é uma ilusão, porque em Portugal há três colossos para um lugar, o de vencedor, e quem não está nesse lugar falha. O Sporting está há quatro a anos a acabar em segundo no campeonato e ganhou duas taças, com metade do dinheiro, e mesmo assim os sportinguistas não suportam o chamado insucesso. Porque os clubes grandes têm de ganhar muito para se considerarem realizados. Nesta conjuntura, o único grande problema de Benfica e Sporting é o Porto, que se encontra de tal forma blindado que não permitirá mais que breves intervalos na sua hegemonia - a não ser que seja confrontado e derrotado no seu ponto mais íntimo: Pinto da Costa.

Digo destruir porque Pinto da Costa jamais se renderá. E porque o grau de violência e confronto necessários para derrotar Pinto da Costa pressupõe uma autêntica guerra atómica.

Sim, depois de ver Pinto da Costa a ostentar a sua impunidade durante as últimas semanas, absolutamente convencido de que é intocável e de que deixará o clube imune aos ataques dos lisboetas quando partir - deve por isso agradecer muito aos lambe-cus dos jornais que preferem mistificar um tiranete a defender os princípios mais elementares da vida em sociedade -, acredito que a única coisa que o impedirá de levar a sua avante é uma guerra atómica que, se for preciso, queimará todo o futebol português.
Para dizer a verdade, o futebol português está de tal forma putrefacto que duvido que o melhor que possa acontecer a toda a gente, por motivos da mais básica higiene mental, não seja a imolação em pira funerária.

A destituição de um papa encerra algo de cataclísmico. Um papa é o poder supremo na Terra. Mas os papas também se derrubam. Exige uma audácia napoleónica e medidas extremas, exige ausência de escrúpulos - porque um papa só se torna papa se prescindir, igualmente, dos escrúpulos. Mas faz-se.

No futebol português esse combate teria de ser feito simultaneamente a nível desportivo e político, e sem olhar a meios, partindo do mesmo princípio de Pinto da Costa: o de que os fins os justificam. E se isso implicasse deitar para a lama os primeiros cem anos do futebol português, que fosse.

Pinto da Costa sempre foi, antes de tudo o resto, um político, e houve uma coisa que Pinto da Costa sempre tentou evitar: que Benfica e Sporting se aliassem contra o Porto.
Com Fernando Martins, José Roquette, Dias da Cunha, Manuel Damásio, Soares Franco e outros, Pinto da Costa tentou sempre meter-se entre os dois clubes de Lisboa. Quando não conseguiu eles nunca souberam unir-se, ou por fraqueza dos seus dirigentes ou por estupidez.
Permitindo-se depender dos resultados desportivos para fortalecer o seu clube, Pinto da Costa prosperou, primeiro porque tinha uma filosofia competitiva e um método de trabalho muito superiores aos dos seus dois inimigos e depois porque, socorrendo-se de processos genuinamente mafiosos, passou a controlar a arbitragem, o que lhe permitiu desequilibrar a sorte a seu favor quando ela andava incerta, como foi o caso evidente dos anos Artur Jorge (segunda passagem), Carlos Alberto Silva ou António Oliveira.

Juntando a isso a subserviência dos paisanos se formou a hegemonia que hoje conhecemos, e que tem muito mais de habilidosa que de categórica. Na verdade, ninguém consegue convencer ninguém que o presidente do Porto não recebeu árbitros em sua casa esta época, ou que não os subornou, porque é o mesmo homem que o fez há três anos e é o mesmo homem que o anda a fazer há trinta. E já ninguém consegue levar a sério seja o que for que seja dito por alguém ligado ao Porto porque a mentira, pura e simples (como se viu no caso do Deco com a Selecção Nacional), é um recurso normalizado dentro daquelas paredes. Até nas coisas mais elementares, como na continuidade de Jesualdo Ferreira, que era e sempre foi óbvia, não conseguimos acreditar que o que se diz é verdade, mesmo que seja e não haja razão para o não ser. O Porto tornou-se a casa da cabala, onde o profano se mistura promíscua e impunemente com o sagrado.

Pinto da Costa sabe que o seu sucesso depende da fraqueza de Benfica e Sporting, e eu cada vez mais me convenço de que a única saída para o futebol português, provocada pelo próprio Pinto da Costa - que, como qualquer batoteiro digno desse nome, prefere virar a mesa a perder a mão -, é a dissolução, e de que, mais do que de presidentes visionários, os dois clubes da capital precisam de jiadistas na mesa da presidência. De homens que estejam dispostos a tudo.

Um cenário.
Benfica e Sporting unem-se e decidem que o sistema está de tal forma viciado que não permite outra coisa que não o triunfo do Porto. Tudo é válido, receber árbitros em casa, pagar-lhes prostitutas, influenciar classificações, manipular carreiras, enfim, basicamente aquilo que Pinto da Costa faz há anos, sem que a justiça ache relevante.
Decidem, então, iniciar uma nova competição profissional de futebol, convidando o Porto, desde que este aceite seguir o modelo proposto, que pode incluir, por exemplo, a contratação de um comissário estrangeiro com poderes supremos sobre toda a competição, como se passa na América, ou a contratação de árbitros profissionais estrangeiros (algo que já não deverá demorar muito tempo a acontecer na realidade).

O Porto, obviamente, rejeita essa solução, porque o sistema vigente lhe serve perfeitamente. Consegue a aliança da Liga actual e da FPF, por razões institucionais e políticas (por medo de Pinto da Costa, basicamente - sim, não tenho dúvida de que são assim tão pequenos os Madailes deste país).
No entanto, os outros clubes começam a fazer contas. As suas receitas dependem de duas fontes essenciais: as transmissões televisivas e as bilheteiras nas recepções aos grandes. De um lado têm uma potência regional, que não reúne mais de 25 por cento da audiência televisiva nacional e não enche mais de meio estádio, e é preciso que esse estádio esteja a menos de cinquenta quilómetros do Porto. Talvez nem sequer leve tanta gente, uma vez que a partir desse momento o Porto ganharia trinta campeonatos em trinta disputados, tal é o desequilíbrio para as restantes equipas. O interesse competitivo pura e simplesmente desapareceria.
Do outro estão três quartos dos adeptos e das audiências, pelo menos dois jogos em casa quase cheia (com o Benfica em posição de ser campeão está sempre cheia) e uma competição mais cosmopolita e aberta, com uma promessa de sistema liberto de estratagemas (desde que a coisa fosse bem feita, com genuína honestidade), onde o poder não está oculto.

Vejo clubes como o Guimarães, Marítimo, Belenenses, Setúbal, Nacional, Leiria, Académica, Portimonense, Olhanense, Santa Clara e outros a aderir à nova Liga - clubes com nada a ganhar numa "Liga tradicional", pois nem sequer teriam acesso à Liga dos Campeões, que é onde está o dinheiro, e tudo a perder, pois a competição interna ficaria arruinada.

Vejo a Liga e a FPF a suspenderem os dissidentes das competições internacionais e a UEFA e FIFA a ameaçar castigar o país e a seleçcão com uma suspensão de prazo indefinido enquanto as partes não se entenderem.

Vejo Pinto da Costa a manobrar todas as suas peças, da política à finança, para derrotar a nova "liga lisboeta", e, se Benfica e Sporting se mantiverem unidos, permitindo-se levar até ao fim a sua mão, vejo-o a deixar-se querer por ambos, de forma a conseguir uma retoma do modelo antigo mediante determinadas cedências de circunstância, o que, a longo prazo, aproveitaria para exibir como mais uma vitória política.

Se conseguir ver uma aliança forte, que se mantém irredutível e inicia o novo campeonato aceitando o ostracismo europeu, assumindo uma competição meramente interna, porventura com novas regras financeiras (tecto salarial, divisão por cotas de receitas de merchandising, quatro rondas mais playoff, menos árbitros, limite de jogadores no plantel, jovens portugueses em número obrigatório, etc) que garantam a sanidade económica de todos, vejo um Porto a definhar desportiva e economicamente, incapaz de se alimentar unicamente das receitas europeias e incapaz de ganhar lá fora, a perder aliados. E vejo, após duras batalhas mediáticas, Pinto da Costa a ceder.

Nessa altura, vejo duas coisas: as instituições e os políticos a abandonarem-no (pois o respeito que lhe têm vem do medo, e as pessoas não respeitam os poderosos que caem e que antes temiam) e Benfica e Sporting a exigirem a sua cabeça para admitirem o regresso do Porto à competição, sob os moldes ditados pelos outros dois grandes.
Para que isto acontecesse, contudo, seria preciso instinto assassino, e não ter medo de hostilizar o Porto e as gentes da cidade. Seria necessário assumir que aquela guerra era contra eles, que eles tinham estado do lado imoral, e não apenas antagónico, da batalha, e que do que se tratava ali era de um indulto voluntário, e não da restituição de um direito. É esta frieza, quase cruel, que falta aos portugueses, e é por isso que um velhote jovial e putanheiro vai cantando e rindo, contando os cem anos dos seus longos dias entre uma peça de entrecosto e uma taça de Portugal.

Vejo mais facilmente José Eduardo Bettencourt a ganhar as eleições do Sporting a um ex-investigador da PJ (reparem na suprema ironia), e Luís Filipe Vieira a renovar o seu mandato no Benfica, passando mais dois ou três anos a ir para a guerra com uma bisnaga, derrotando a única pessoa que, nos últimos tempos, se preocupou mais em ganhar a Pinto da Costa usando as suas próprias armas do que em queixar-se de que os dados estavam viciados.

Também vejo alguém, um dia, perder a cabeça, entrar no restaurante onde está o Pinto da Costa a jantar com a sua camarilha, dar-lhe dois tiros na cabeça e suicidar-se a seguir. E se alguém achar que esse é um cenário impossível digo já que, num ambiente eminentemente mafioso e corrupto como é o do futebol português, não existiria forma mais natural das coisas acabarem. Aliás, duvido que entre os tantos milhões de ofendidos ao longo dos anos por Pinto da Costa não haja meia-dúzia a quem essa ideia não tenha já passado pela cabeça. Talvez esteja apenas a um mau divórcio de distância.

Sim, é a isto que chegámos.

Sem comentários:

Enviar um comentário