quinta-feira, 18 de junho de 2009

Uma verdadeira Liga (I)

A.S. - A transferência do Ali Cissokho para o Milan transformou-se, oficialmente, num dos maiores fenómenos de todos os tempos no futebol português. Não sei quem é que se distraiu, mas houve alguém que se esqueceu avisar alguém de alguma coisa. O que é inegável é a singularidade dos tempos em que vivemos: depois de termos visto um negro a tornar-se no melhor golfista do mundo, um negro a sagrar-se campeão do mundo de Fórmula 1, um negro a ser eleito presidente dos Estados Unidos da América e um negro a ser rejeitado por um clube de futebol por problemas nos dentes só nos falta, para completar os 180 graus, que apareça uma notícia sobre um negro despedido de um filme pornográfico por falta de material.

O único problema do sistema competitivo do futebol em Portugal são as pessoas. Na teoria, se as pessoas se comportassem com honestidade, desportivismo e bom senso, o modelo competitivo não teria problema nenhum. Na prática, a deturpação dos valores leva a que o modelo se torne obsoleto, desadequado, permissivo e corrupto.
Evidentemente, o problema é cultural, e a solução também. Quando o bandido quer roubar não há alarme que valha.
A opção é básica: ou se insiste no modelo actual e se espera pela lenta transformação cultural, até que as pessoas compreendam que a galinha dos ovos de ouro está às portas da morte; ou se muda o modelo de forma a garantir a sobrevivência do jogo, intervindo no processo da selecção natural e evitando o principal risco que envolve o factor humano - o de consumir o seu meio ambiente antes de aprender a respeitá-lo.
Infelizmente a boçalidade está de tal forma aceite que este risco ameaça tornar-se numa fatalidade. O modelo actual não tem hipótese, dada a criatividade autodestrutiva de quem pensa (ignora?) o futebol em Portugal. O convite do chefe da Liga Inglesa para uma palestra em Portugal só me leva a admitir que os dirigentes portugueses estão a nadar em seco, porque ainda não perceberam que é precisamente o modelo inglês (em vigor em Portugal desde sempre), demasiado dependente da homogeneidade territorial e do fair-play, que não resulta em Portugal. Portugal precisa de uma solução portuguesa. Isso é demasiado ousado para as mentes tacanhas que por aqui mandam. Sem o aval do exemplo estrangeiro não há atrevimento para implementar uma solução diferente. Pensar pela própria cabeça, em Portugal, é uma audácia própria de alienados.
Ainda assim...

Um modelo para a liga profissional de futebol em Portugal

A liga profissional de futebol em Portugal deveria:
1 - ser fechada (sem subidas ou descidas de divisão por via desportiva);
2 - ter uma estrutura directiva pequena e plenipotenciária (de preferência com directores estrangeiros);
3 - ter uma arbitragem profissional e integralmente dedicada (aberta a estrangeiros)
4 - ter pelo menos oitenta por cento de jogadores portugueses ou formados em Portugal
5 - contemplar tectos orçamentais.

1 - Uma liga fechada

O sistema de subidas e descidas de divisão, em Portugal, não faz sentido, sobretudo por causa da dimensão dos clubes.

Em Inglaterra, Alemanha, Itália, França ou Espanha, mas fundamentalmente em Inglaterra, não existem verdadeiras diferenças entre um clube da primeira divisão e um da segunda ou terceira, à excepção dos cinco ou seis maiores. Um clube da segunda divisão coloca facilmente 15 ou 20 mil espectadores no estádio, e o impacto da subida nota-se pouco. O nível competitivo da metade da tabela principal para baixo é muito semelhante e a dimensão económica e demográfica dos clubes é grande. Uma descida de divisão não coloca um clube em risco de sobrevivência, apenas lhe retira visibilidade.

Em Portugal, onde não existe mercado suficiente para dezenas de equipas profissionais e só há três clubes efectivamente geradores de riqueza, a descida à segunda divisão acarreta risco de morte, pois as únicas receitas válidas advêm dos jogos televisionados e das bilheteiras com os três grandes, o que desaparece de um momento para o outro.
Os únicos efeitos concretos do sistema de subidas e descidas de divisão em Portugal são o endividamento excessivo dos clubes, que gastam mais do que têm e podem, e a perda de qualidade do futebol, uma vez que, na primeira divisão, oitenta por cento das equipas joga, fundamentalmente, para não perder - ou seja, joga antes de mais para o empate, o que é destrutivo para o espírito do jogo.

A implementação de um campeonato fechado traria vários benefícios para o futebol português.

Antes de mais nada, permitiria aos clubes negociar os seus patrocínios e direitos televisivos com segurança a longo prazo, o que é difícil perante um cenário de descida de divisão. Dar-lhes-ia estabilidade económica.

A nível desportivo dar-se-ia a mudança radical de os jogadores (e treinadores) poderem passar a fazer, sem receios, aquilo de que realmente gostam no futebol: jogar para ganhar. A diferença de jogar para não perder é colossal. Quando se joga para não perder, o espírito negativo fomenta o anti-jogo. Com a mudança, o anti-jogo não acabaria, mas diminuiria muito. O futebol seria mais ofensivo, mais audacioso.
Coloca-se a questão: "Mas se não jogam com o objectivo de não descer, para que jogam as equipas?" É uma falsa questão, a que se responde de forma evidente: novamente, jogam para ganhar. Jogam para serem campeãs, para irem à UEFA, para ficarem em sexto em vez de oitavo, se for preciso jogam para ganhar prémios pecuniários, jogam para o currículo, jogam pelo orgulho, em suma, jogam por aquilo que deveriam jogar sempre.
Na prática, o espectro da descida, ainda que cause alguma comoção, só resulta na perda de qualidade do jogo: no fim acabam por descer sempre equipas e, no processo, andou tudo a jogar para trás e para o lado, a atirar-se para o chão, a perder tempo e a gastar dinheiro que não tem. É isso que as pessoas querem?

Por outro lado, uma liga com doze equipas, por exemplo, em que cinco tivessem acesso às competições europeias e em que houvesse um equilíbrio orçamental, levaria a que esses lugares de acesso estivessem em aberto praticamente até ao fim do campeonato.

Há, ainda, outra vantagem clara na ausência de descidas e subidas: um dos principais mercados da máfia do futebol português seria eliminado. De facto, a luta sem quartel que é o fim da tabela da primeira divisão e o topo da segunda é, historicamente, um maná para a corrupção, tal é a importância da manutenção no primeiro escalão.
Enquanto na luta para o título a manipulação de resultados é mais complicada, pela exposição e pelo poder político dos três grandes, entre os clubes mais pequenos, cujos jogos não são transmitidos com a mesma frequência, essa manipulação é relativamente fácil. Na segunda divisão, então, nem se fala.
Grande parte do poder oculto no futebol vem precisamente da capacidade de influenciar o destino das equipas pequenas, quer através do empréstimo de jogadores quer pelo arranjo, puro e simples, de resultados. Seria um golpe fulminante no sistema pintista que reina no futebol português. A importância de estar na primeira divisão é tal que os dirigentes das equipas pequenas sentem que têm, pura e simplesmente, e mesmo quando não querem, de vender a alma ao diabo, quanto mais não seja para poderem jogar com as mesmas armas dos adversários.

As questões reais que se colocam perante a hipótese de uma liga fechada são outras:
- quem a integraria, e com que critério?
- quais as consequências para a vitalidade das equipas profissionais de pequena dimensão e para o futebol enquanto actividade nacional e dinâmica?

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